quarta-feira, 30 de março de 2011

José Réus da Silva

Talvez tivesse lido no dilúvio da criação das coisas que a chuva estava em tudo. Quando pensou iniciar qualquer movimento debateu-se inexplicavelmente assustado em frente às mãos das grades. Seguras e mornas retiravam o suor de seus braços. O trem que o levaria partira um mês antes. Assim como a nova chance de mudar ou desaparecer.

Viu os mesmos trajes brancos de tantas e passadas investidas como numa apoteose de receitas impossíveis. Tolas. Perdidamente ineficazes. Prostrou-se, punitivo e irreajustável. Todas as fórmulas de superação lhe pareciam inúteis. Falsamente felizes.

Sobrava-lhe ainda um bom lugar para morar. Sem envergonhar-se, sorveria da liberdade o mesmo que a liberdade não lhe permitia abolir. E carregar consigo a sede indesculpável, toda ela, exatamente como um homem que acaba de embocar o que de melhor lhe fornece a complacência disfarçada em bondade.
Tinham lhe proposto continuar naquele ofício. Com um pouco mais de tempo, aos domingos, demorando-se mais e mais sobre o enredo insidioso e mal remunerado do envelope, do mesmo e distante departamento, farto, exausto como a sua resolução de perdurar.

Não tinha vocação para repetir e repetir. Rugiu deliciosamente quando lhe entregaram o diploma. A quase definitiva inércia. A única louça disposta nos seus quinze minutos diários de intervalo para repor as energias. Durante mais de quinze anos permitiu-lhes os talheres. E a gastrite. E o ácido lático do excesso que resultou nas fragilidades orgânicas.

Os médicos não souberam curá-lo. Nem os livros de auto-ajuda. O dia a dia perdera muito da respeitabilidade – fatos em que se obliteram humílimas tarefas, como cortar as unhas, vestir a camisa, fazer a barba. Somente depois de muito tempo obteve a diligência da lógica abusiva que colaborou na geração de todo aquele absurdo (quanto vale aprender a dizer não?) – as fatídicas mínimas coisas ataviadas de infortúnio.

A perda da independência é psicologicamente trágica. Talvez mais claudicante que a própria dor. O mais um não era ele – o número preferido do Capital. O degenerado. Nem seria. Não agora que se descobrira novamente dono de si. Abriu mão da indenização por perdas e danos, da reparação moral embora lhe fossem devidas e justas.

Por conta própria retomou a ciência das ervas – camomila, tanchagem, espinheira-santa, cavalinha, melissa, erva-tostão, e erva-cidreira. Intensificou o que já obtivera da hidroterapia. O banho de ar para o segundo pulmão humano – a pele, como ensina o Dr. Yum – uma fortaleza para o sistema nervoso autônomo. Tudo a ver consigo – uma epopeia de auto cura.

Amadurecer gera o custo dos perigos e o lucro dos iluminados. Adaptou-se. Firmando-se a cada dia na consciência sincrônica dos elementos mais sutis. Suave como o universo que o seduzira desde sempre. Como se saísse de um eclipse.
A flexibilidade do tempo para a estruturação do indivíduo segundo os próprios padrões evidenciam benefícios incalculáveis à saúde – concluem as pesquisas científicas da “Revisão Sistemática Cochrane”.

Não sem a duradoura convalescença obteve o bastante para viver mais harmoniosamente. Estabilizou a própria dignidade com genuína disposição.
Aventurou-se num segmento menos cruel e igualmente ostensivo, uma aposta mais revogável – outra missão constantemente renovada que se converteria no prazer, no engrandecimento da alma. Só que agora depondo uma arma de clarividência infalível: distinguiria, sem delegar ao menosprezo os aprendizados colhidos ou por colher em cada momento, como neutralizar implacavelmente o que o desrespeitasse.


A partir do original publicado no Cronópios:
http://www.cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=4963

Foto da Autora

sábado, 19 de março de 2011

Almas


De onde a intensidade do brilho captará toda nudez das emoções.

Eu estava sobre uma toalha branca de fino bordado. A mesa sustentada por colunas de madeira, onde fora esculpido um feixe de trigo, um peixe dourado, um cordeiro de olhos mansos, folhas de oliveira e um cacho de uvas azul escuras. Um livro grande de capa marrom repousava numa estrutura de metal entre os candelabros e as constelações de pétalas.

Chegou. Como se fosse um ser de espécie desconhecida. Serenamente calma pela benevolência do sol que a aquecera permitia-se estar ali como se flutuasse, sem preocupar-se com nada. Agradecia à sua forma sorridente, que mesmo sob as mais inescrutáveis provas, conseguia não deixar exumar-se. Os cânticos eram acréscimos indulgentes aos ritmos próprios. Misturava-se à brancura dos castiçais e cálices ofertando o que tinha de mais sincero, permeando um depositário de anseios e graças alcançadas. A jovem mulher era comum, talvez mãe, e parecia que nada viera deixar ou buscar senão o bem de expor as extensões da vida, o mistério de existir, a força venerável da introspecção.

Percorreu as paredes. Havia nelas outras esculturas, retratando o mesmo homem em diferentes situações: tendo ao seu lado alguém que lavava as mãos, alguém que o ajudava a carregar seu fardo, uma mulher de longos e negros cabelos a beijar-lhe os pés. Gostaria de não dizer que viu o homem crucificado na penúltima. Na décima segunda ele aparecia entre nuvens e figuras voláteis, transparente e rutilante como um anjo.

“Bem aventurados os puros de coração porque verão à minha face, os pacíficos porque serão chamados meus filhos. Vosso pai sabe o que vos é necessário antes que vós lho peçais. Eu quero a misericórdia e não o sacrifício”. Cada palavra que auscultava era revolvida e tacitamente abnegada.

Segurou firmemente a mão da menina ao seu lado. Pousou uma carícia leve em seus cabelos anelados, nutrindo, fazendo crescer o sentimento como se lhe arrancassem uma porção cada vez maior da alma e findassem por subtraí-la totalmente. Confortava-se corajosamente para assumir a mais bela vitória, por mais morosa que parecesse, haveria de culminar no objetivo concretizado.

Um entrelaçamento carinhoso onde a eloqüência do amor não sucumbe à indiferença que reserva tão pouco de nobre, algo que seria mais do que uma referência de bondade uniria aqueles dois corações mais fortemente do que nunca. Uma frase fraturou a mudez e cobriu o chão: “Um pacto vos fita do alto”. Nunca mais foram as mesmas. Também não retornaram.

Por cerca de dois meses eu permaneci ali. Minhas pétalas se foram e com isso ganhei o jardim amplo dos fundos. Duvidava, com tristeza, que fosse possível renascer no meu novo lugar. O tempo foi passando. Fui regada e cultivada com esmero. De mim brotaram duas mudas muito verdes que alguém deitou em vasos de fibra de coco.

Busquei toda a energia das estrelas para tornar-me ainda mais exultante. No ano seguinte, já em forma de orquídeas florescidas, servi de presente a uma família. Realcei os recônditos da nova casa com todo idílio do mundo. Entre as roseiras avistei a mulher e a menina novamente como se fossem filamentos de mim mesma, revolvidos num espelho.

Foto- Tela "Caminhos" - TereTavares


terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Ainsa

Ainsa




Sentiu-se ínfimo. As dúvidas lhe escorreram pelo rosto. Não foi a primeira vez. Provavelmente também não seria a última. Que culpa haveria num ser que não se preocupava somente com o próprio curso, atendendo ao que não conseguia estagnar?

Não tinha pretensões, absolutamente nenhumas. Logo ele, tão simples, cordato, altruísta. Não se deixaria abater por nenhuma ilusão desocupada. Não sabia se tinha amigos ou admiradores – talvez amigos e admiradores fossem vernizes de uma tonalidade diversa. Solitários. Sumamente necessários.

Caminhava resoluto, como se provasse uma paz recém colhida. Felizmente “o enfeitador de paredes” não se havia esgotado. Arrematou o último exemplar. Identificava-se de algum modo ainda não descoberto com a obra e com o autor.

As dúvidas deixaram a face e ganharam o ar. Subiram nas árvores, pousaram na tepidez das folhas. O mesmo verde da cor primária. Não prosseguia de outra forma que não fosse a de apaixonar-se continuamente pelo que acreditava. O que poderia doar a todos. Seus momentos carregados de eternidade. O semblante único. A esperança insólita que lhe brotava na pele sem perder a alegria de germinar.


Foto da autora

sábado, 22 de janeiro de 2011

Queda de Barreira

Queda de barreira

Desta vez não haveria premeditações. No seu caso o hábito desafiaria o monge. Algo como sofrer sem recordar a causa do sofrimento. Não olharia para trás. Anseios e sonhos não permaneceriam adiados por motivos banais. Sorrir falsamente ou proferir amenidades para satisfazer quem quer que fosse também restaria abolido. Se procurasse um ombro amigo não seria para depositar nenhum desespero insolúvel. A todos que amava, mesmo não obtendo nada em troca, continuaria a dar o mesmo amor, sem objetar modificar ninguém. Sua cognição é que deveria se deslocar. A felicidade é, antes de tudo, um ato de coragem. Ofereceria somente o que de mais augusto o habitasse.
Cobrou tempo aos contadores do tempo. A nebulosidade era constante. Durante vários dias de um verão inexplicavelmente frio e transbordante subiu a estrada recortada do mapa com a neblina embaralhando-lhe as têmporas. O jornal fora esquecido como todo o resto. Nem livros. Nem almíscar ou amuletos. Nem senhas ou senhoras. O perfeccionista caótico também morrera sem vasculhar o que deixara de seu na intrusão dos significados.

Vestígios entrecortados de um grande corredor sumamente rico de plantas confidenciavam-lhe janelas com cantos de pássaros irreconhecíveis; nuvens claras margeavam a limpidez do céu. Estrelas longínquas e montanhas intrépidas se agigantavam ou diminuíam conforme a amplitude do olhar – coisas infalivelmente perdidas, em desuso. Um pequeno paraíso filtrado pela mata atlântica, a Ilha Feia era de uma beleza sufocante. Faria tudo para alcançá-la. Enamorou-se dela, primeiramente de longe, imaginando-lhe os lugares, as espécies e a paz replicados do entorno e do interior, ainda inexplorados por ele. A inusitada porção de universo deveria esperar mais algum tempo pelo infatigável viajante. Chovia muito. Voltava a chover. A casa o abrigou como se soubesse tudo a seu respeito. A mobília mal distribuída o irritava ...Mas não ligou. Foi para o quarto diminuto. De paredes brancas e devassadamente nuas. Gostou das paredes nuas porque o incitavam ainda mais a viver apenas com o indispensável. Desceu acompanhado pela curiosidade enquanto saboreava um café, como se dialogasse com um desconhecido casual, tão absorto no que fazia ou tencionava fazer que mal ouviu os próprios monossílabos. Um lixo. A falta de afinidades ferroava-o como labaredas de fogo.

O subsolo não era exatamente o que o incomodava. A verdade ali ocultada não era suficiente para que prosseguisse. Algo que o comprometesse era imediatamente posto de lado. Do outro lado havia escuridão. Lampejos indesejáveis instauravam-se no monturo que em nada lembrava o vazio. Não existem sozinhos, nem a sombra nem a luz. O cérebro decodificou duas figuras humanas de aspecto ameaçadoramente mutável. Como um rascunho dentro de outro rascunho. Uma espécie de ilusão de ótica.

O mundo físico em si não está subdividido em objetos, e é visível da forma como a percepção o organiza. A imagem que a mente abstrai do que vê é volúvel e quase nunca tem como único fundamento a realidade. A informação instilada nos olhos converge com a que está cumulada na memória. O cérebro usa trinta áreas distintas para processar a visão – conforme a marcha dos astros, as variáveis cromáticas, a profundidade, a distância ou a perspectiva dos contornos. Juntos, visão e cérebro, simplificam as imagens, tornando-as mais compreensíveis do que efetivamente aparentam, muito próximas da exatidão. Essa simplificação, permite apreensões velozes, mesmo que dúbias, da realidade externa, de onde se originam as ilusões de ótica. De forma que o cigarro e o copo suspensos por aqueles espectros, de costas um para o outro, eram, além de inexatos, completamente abstratos.

Espantou-se com quanto se pode indagar da subjetividade. Retornou ao pequeno cômodo que lhe serviria para passar o resto da noite. Fechou a janela deixando apenas uma pequena abertura para a renovação do ar.

Enquanto isso montanhas deixavam de existir, exaustas. A mixórdia urbana vinha à tona ilustrando insuportavelmente cada recorrência das orgias climáticas, sua origem, causa e efeito. O fim do mundo. Todas as linhas de pensamento paravam e iniciavam nas catástrofes por opção, obrigação, conveniência ou ciência. “Eppur si muove”.

Nem tudo é propositalmente abandonado. Reorganizou as inquietações. O sol reapareceu com sua multidão de contrastes, turbilhões de almas e quinquilharias para dispensar. Nenhum pedido de socorro foi ouvido. Seu lado são os dois lados. Sublimadamente diferentes.

Foto da autora

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Horas internas de um passeio exterior

Com votos de um Feliz e Próspero 2011.

Acordei feliz,
saí para a rua.
De longe onde me via
passou um sopro cinza de bruma.
Fazia frio em pleno dezembro,
havia momentos onde pisei
a ânsia estreita e difusa da vida,
o bifurcar das arestas
numa paisagem nunca esquecida.

Se sonhava ou se dormia
-ainda não descobri-
escondi-me nas coroas do caminho
...que perfume vago riscava aquele céu
quase invisível
duplicado de mim
no tropeço das raízes
acima dos meus pés.

As romãs
prestes a madurar
combinando almas sem olhares.

Valia a pena então o movimento quieto
o anoitecer demorado e suave
a cingir-me incertamente.

O amor próximo fez-me pensar,
na altura do silêncio
como no sossego irreflexivo das fontes,
que não havia no mundo
maior felicidade que a minha.

Foto-romã-TT

domingo, 5 de dezembro de 2010

Minicontos - Publicação em Portugal


Garbo

Ocre, vermelho, verde, tons de areia e terrosos. Indumentárias coloridas, tramas do tear lavado a suor, o ashanti, o kentira, em desenhos bordados a pedrarias e pinturas, cujo fundamento e motivação se estendiam feito céus almofadados sobre o chão. Quatro mulheres em meio à plantação de milho e capim: danças a rememorar tempos onde nada era segregado em mundos ou deuses. Pés descalços, todas elas, como a solidão daquele espaço longínquo, fitando holisticamente a simbologia da criação. Seres singelos e esguios, sem máscaras, sem referir qualquer necessidade de auxílio. Religadas num cosmo de quase total liberdade. Com os braços a balançar as mãos compridas e fortes sobre as túnicas salpicadas de secura. Como se em seus semblantes amáveis e sorridentes se pudesse ver escrita toda a história – antes e depois de Soweto.
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No crepúsculo todas as cordas são pardas

As sutilezas do céu derramavam-se confusas no seu dorso. O cristal árduo e indefinível dos dias não declinaria de nutrir-lhe as veredas com os lirismos da Terra e a sintonia do homem superior. Irrompeu num porto revolto e destroçou o inalcançável para ferir de imensidão aquela ingênua intensidade. Um tanto disforme e irresignável iniciou um andar trêmulo e mortiço sobre as pedras que poderiam ser cães ferozes ou uma cidade quase sem escândalos. Não fora programado para crer na escuridão. Queria encontrar uma abreviatura em que coubesse como aquele pequenino. Apesar de ter-se transformado, o recanto da sua calma não se modificara enquanto esteve lutando – por uma nova máscara, por qualquer transição calada que se levantasse, ainda que momentaneamente, numa parcela de misericórdia e outra de segurança.
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Textos publicados na coletânea "A arte pela escrita três" (2010) organizada pelo "EscritArtes" editada em Portugal pela "Mosaico de palavras editora".
Foto TT

sábado, 20 de novembro de 2010

Agre

A tarde orna-se de sombras. O frescor se desprende levemente de sob as árvores frias e vem morar na interrogação do meu rosto.

As horas caminham mornas pela rua dos mendigos, não apenas por ser a rua o único dormitório de que dispõem, mas, por representar o estado em que parecem viver ou sentir os nascedouros do infortúnio.

Nesse momento o sol quase fecha os olhos sobre a cidade e toda aquela vida. Corre entre as gentes um rio que agrega na mesma proporção que segrega. O egoísmo. O bandido. O legitimador de opções. O escravo. As construções disformes e elegantes esforçando-se para entender a desordem que advém da inexistência das coisas. Ninguém compreende as filosofias ministradas pelo odor da miséria.

As imensas procissões de letreiros especulam sobre quase tudo sem modificar a sensação de impotência. Inutilmente. A banalidade de haver visões e de haver ouvidos, não conseguem iluminar a geografia humana. Mas estão ali arrefecendo o aço escovado, as nódoas de néon, singrando o breu de sempre, incrivelmente igual.

As pessoas avaliam o meio mais seguro de não se tornarem totalmente infelizes. Talvez saibam que o desejo de ser feliz a qualquer custo traz invariavelmente o tão temível sofrimento.
Divagam entre a vitalidade e a capacidade que possui o intelecto de afastar a melancolia e transportar sensatez às minúsculas sensações de bem-estar infinitamente maiores do que qualquer abstração que possam comprar. É legítima a própria satyagraha – insistir pela verdade. Shanti. Talvez nada valha além desse intacto argumento.

Como súbitas batalhas o suor dos pensamentos escorre sobre esses estranhos destinos que me acompanham. De qualquer modo vale a pena deixar-me seduzir pelo que me retira de onde estou.

Com o tempo, sabe-se a abrangência e a nobreza de não subjugar-se ao vulgar, à falta de sutileza. A ansiedade se esfacela e o silêncio retorcido é uma doce tortura. O demais é a demora despindo o engano, a redenção de mais uma inerte alegria que nascerá – Shantihi.

Foto da autora- Ipê

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Antologia Blocos On Line - Mares, Lágrimas e Outras Águas



Entardecer na cobertura


para ariel tavares


o vento sopra nas coroas das palmeiras
o sal do mar se infiltra em todos os lugares
da pele à raiz dos cabelos

a noite diz boa noite mas não promete ser boa

haverá ressaca e a maré alta trará consigo
tudo o que puder arrebanhar

o braço da maré não é feito de moliços
nem de ossos
é feito da força líquida e invencível das gotas

o vento alucinante prospera
e a lua sopra suas mantas prateadas
então sobre as areias antes brancas
há manchas
nuanças de breu
daqui de cima não vejo tudo
embora escute o que imagino
o que me diz esse eu
desdizente

para ti, minha bela flor de caracóis
sob o teu regaço de moça
o sargaço dessa mãe
extrema e nunca ausente
que te sente
porque te ama.
Tela da Autora -Praia do Coqueirinho-2010
Nota: este, entre outros poemas integram a Antologia 
Saciedade dos Poetas Vivos Digital - Vol.11
do Portal Blocos On line. Para leitura do livro basta acessar:
http://www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/obrasdigitais/saciedigpv/11/capa11.php
http://www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/obrasdigitais/saciedigpv/11/tere01.php

sábado, 9 de outubro de 2010

Sal da Terra Luz do Mundo e Cronópios - Publicação

Bom dia amigos,

O conto "Ainda sobre margaridas" foi publicado no Portal Cronópios:
http://www.cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=4763
e também no site da Ana L. Vasconcelos Sal da Terra Luz do Mundo:
http://saldaterraluzdomundo.net/literatura_contos_margaridas.html
Partilho com voces essa dupla alegria!
E antecipadamente agradeço às leituras e comentários.
Desejo-lhes um ótimo final de semana!

Tela da autora - "A estrada de Alice" -2006

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Por Outro Lado

Por Outro Lado



Debrucei-me sobre "a sombra das moças em flor". Não seria a primeira nem a última vez que me encantaria por Proust. Antes de revirar suas frases fluídas, havia visitado alguns pontos, quase sempre os mesmos. Mas o meu espírito não. Nele atuavam as estrelas caídas. As entonações de prestar atenção. Postou-se em si mesmo - o lugar seguro e reconfortante - e dos silêncios suntuosamente murmurados, disse-me algo do seu conhecido segredo. Eu não tive medo e ouvi. Também vi, tão logo cessara o que havia mudado. Emudeci, mas somente por fora.


Naquele solfejar deixei descobertos os ombros e os braços. Todo meu ser era outro a dar-se a conhecer. E me encantava. Sem mais nem menos. Eram as individualidades interessantes de alguns costumes insensatos. Apresentei-me como sempre. Sem distrações. Sem os nadas. Em branco. Assim como Freud, não obtive sucesso (nem teria tal pretensão) ao tentar desvendar os mecanismos inextrincáveis da mente – a minha, a de toda a humanidade que há milênios desafia os mais ferrenhos estudiosos.

Autoconsciência, ego, self, deixaram de ter uma necessidade para tornarem-se uma realidade. Ainda que obscuramente nebulosa. Filtrei as diferentes noções e verdades aparentes. Pus-me a caminho mais uma vez. Desta vez com o corpo todo descoberto.


Tela da Autora -óleo sobre tela-l980

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Ainda sobre margaridas



Ainda sobre margaridas

Mesmo vivendo em lugares difusos e distantes andam de mãos dadas. Na mesma proporção com que adoram buscar o conhecimento criativo despertam em si mesmas sentimentos aparentemente incompreensíveis. Uma se disfarça numa flor de plástico, outra se confunde com a Lua e outra é uma receita de doce caseiro. Aquela que se disfarça numa flor de plástico muda de nome a cada novo humor do próprio temperamento, e não se reveste de nada notável. A que se confunde com a lua tem um brilho mais intenso, nem por isso menos ofensivo, talvez por dominar três idiomas e viver na terra dos bem nascidos. A receita de doce caseiro sofre de sérios conflitos existenciais, aparece e desaparece resumida em desconfianças e, embora saiba que é impossível seguir o que não tem importância, faz questão absoluta de evidenciar alguns rastros.

A flor de plástico não se perdoa por ser incapaz de jogar um pouco de originalidade no fluir do curso. Fugaz, a consciência da receita de doce caseiro não está a serviço da felicidade, embora tente, paulatinamente, aludir a algo bom. A que se confunde com a lua contenta-se em distrair-se navegando em delirantes volições. Sem qualquer aviso a flor de lua assume que também se confunde com a receita de plástico e muda de identidade mais uma vez. A que se confunde com a flor de doce caseiro descobre um parentesco camuflado com a lua de plástico, adota o nome da manhã anterior e cai enferma. A flor de doce caseiro desaparece dentro da lua de plástico e da receita de lua para retornar um tempo depois usando uma pele invisível. A flor de doce de lua de plástico caseiro que se confunde com a receita de flor de doce de plástico de lua decide que é imperioso descobrir a intensidade dos seus desejos e conclui – são clareiras obscuras, entropia.

De uma suposta insônia aparece uma quarta, bem mais jovem, de personalidade igualmente indefinida. Ela se debate sobre a textura e a visibilidade dos mistérios compreensíveis. Nada define acerca das profusões intranqüilas que lhe provocaram o nascimento.

Na equação incerta do que vivem ou julgam viver as pobres almas não ultrapassam o que aparentam – qualquer coisa que se perde ao acreditar no imutável.

As quatro se apóiam numa quinta-essência de mãos delicadas e igualmente incógnitas que as tranqüiliza, ao menos por alguns instantes: “Quando a solidão é minha única e insustentável esfera são vocês os conselhos que estabelecem interlocuções comigo. O que deduzo, na verdade, são fragmentos imperturbavelmente mentirosos que me seguem – incessantes. Tento encontrar-me, e a tudo o que é humano ou divino, sem delegar à orfandade o que envio para o mundo. Perdoem-me por não ser uma. Só”.

Foto da Autora
Nota:
O texto foi publicado também no site de Ana Lúcia Vasconcelos - "Sal da Terra Luz do Mundo":
http://saldaterraluzdomundo.net/literatura_contos_margaridas.html
E houve ainda a publicação no Portal Cronópios:
http://www.cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=4763

sábado, 14 de agosto de 2010

Permissão para brincar















No meu íntimo,
fundo sobre o mundo
um templo sem portas.
Meu ser emudece;
o interesse de tudo escoa no cimo das horas.

O tinteiro observa como se tivesse olhos.

Moer a revolta e devolvê-la num beijo
(entender-me é o meu recreio)
Em branco, elaboro a fuga
e deixo um bilhete de existir.


Foto-Mar-TT                                                                 

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Tán hermosa


O teu corpo vê,
mas não a tua mão.
De ponta a ponta
com a fúria encarcerada
num olhar incolor
Instala uma ferida
sobre a minha sina,
Que restauro com arnica.

Como quem sobe a duna e admira
a demora do sol sobre os seios,
Eu soube não indagar se era uma aposta,
O meu palco a sua veste entreaberta.

No momento máximo de não estar acordado
Dorme sonâmbulo
o suor com a sua claridade.

O meu holofote que apreendo
passado um certo tempo
Um ensaio partido ao meio
– Enquanto passeio
pelos livros, letras se despem
e viram folhas –
Como veias abertas:
meus anseios.



Imagem- Renoir (girl sleeping)