quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Ainda sobre margaridas



Ainda sobre margaridas

Mesmo vivendo em lugares difusos e distantes andam de mãos dadas. Na mesma proporção com que adoram buscar o conhecimento criativo despertam em si mesmas sentimentos aparentemente incompreensíveis. Uma se disfarça numa flor de plástico, outra se confunde com a Lua e outra é uma receita de doce caseiro. Aquela que se disfarça numa flor de plástico muda de nome a cada novo humor do próprio temperamento, e não se reveste de nada notável. A que se confunde com a lua tem um brilho mais intenso, nem por isso menos ofensivo, talvez por dominar três idiomas e viver na terra dos bem nascidos. A receita de doce caseiro sofre de sérios conflitos existenciais, aparece e desaparece resumida em desconfianças e, embora saiba que é impossível seguir o que não tem importância, faz questão absoluta de evidenciar alguns rastros.

A flor de plástico não se perdoa por ser incapaz de jogar um pouco de originalidade no fluir do curso. Fugaz, a consciência da receita de doce caseiro não está a serviço da felicidade, embora tente, paulatinamente, aludir a algo bom. A que se confunde com a lua contenta-se em distrair-se navegando em delirantes volições. Sem qualquer aviso a flor de lua assume que também se confunde com a receita de plástico e muda de identidade mais uma vez. A que se confunde com a flor de doce caseiro descobre um parentesco camuflado com a lua de plástico, adota o nome da manhã anterior e cai enferma. A flor de doce caseiro desaparece dentro da lua de plástico e da receita de lua para retornar um tempo depois usando uma pele invisível. A flor de doce de lua de plástico caseiro que se confunde com a receita de flor de doce de plástico de lua decide que é imperioso descobrir a intensidade dos seus desejos e conclui – são clareiras obscuras, entropia.

De uma suposta insônia aparece uma quarta, bem mais jovem, de personalidade igualmente indefinida. Ela se debate sobre a textura e a visibilidade dos mistérios compreensíveis. Nada define acerca das profusões intranqüilas que lhe provocaram o nascimento.

Na equação incerta do que vivem ou julgam viver as pobres almas não ultrapassam o que aparentam – qualquer coisa que se perde ao acreditar no imutável.

As quatro se apóiam numa quinta-essência de mãos delicadas e igualmente incógnitas que as tranqüiliza, ao menos por alguns instantes: “Quando a solidão é minha única e insustentável esfera são vocês os conselhos que estabelecem interlocuções comigo. O que deduzo, na verdade, são fragmentos imperturbavelmente mentirosos que me seguem – incessantes. Tento encontrar-me, e a tudo o que é humano ou divino, sem delegar à orfandade o que envio para o mundo. Perdoem-me por não ser uma. Só”.

Foto da Autora
Nota:
O texto foi publicado também no site de Ana Lúcia Vasconcelos - "Sal da Terra Luz do Mundo":
http://saldaterraluzdomundo.net/literatura_contos_margaridas.html
E houve ainda a publicação no Portal Cronópios:
http://www.cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=4763

sábado, 14 de agosto de 2010

Permissão para brincar















No meu íntimo,
fundo sobre o mundo
um templo sem portas.
Meu ser emudece;
o interesse de tudo escoa no cimo das horas.

O tinteiro observa como se tivesse olhos.

Moer a revolta e devolvê-la num beijo
(entender-me é o meu recreio)
Em branco, elaboro a fuga
e deixo um bilhete de existir.


Foto-Mar-TT