domingo, 23 de agosto de 2015

Livro de Contos "Vozes & Recortes"




Alma de papel e tinta

"As cores são a chave, os olhos o machado, a alma é o piano com as cordas”.
(Wassily Kandinsky)

Um nascimento que tem em si o solo, a fímbria do afeto, procurando o que julgava escondido. Seu papel: o corpo. Abarcando hastes de caules vertidos em fusões antecipadas nas corredeiras de folhas e na constância da aurora. O não evidente se movia na miragem que desbotava compacta, como que prevendo uma criança adormecida numa calma afetuosa. Sim, Ordep sabia-se: “tenho o direito de sonhar. Tenho direito ao delírio. Já me sabia caminhante, agora me reconheço utópico. A realidade me parece inacreditável”. 

Toda a sua substância seguia a esvair-se. Ordep sequer percebia quando o sol se distanciava do dia por que não interrompia seus movimentos. Quer na presença ou na ausência de tristeza ou risos, o amor – nenhum semeador se assemelha a esse construtor de cisternas – germinava-se em verbos, no cerzir infinito do vento, enlaçando-se na argila e nos vinhos da grande mãe Terra, sinalizando que sua feitura indefinida residia num lugar qualquer, e era sorvida em êxtase noutro deserto de vislumbres, numa voz de pedra. 

De algum modo Ordep era aquele quadro de Hopper; aquele deslocamento à frente do silêncio, do verde, da esperança, da comunicação atravessada, da solidão infatigável. 

Mentia ao condenar a mão alheia, dizendo-a frenética e sequiosa de afagos, de esfinges para o ego, do elogio fácil. No fundo, queria ser reconhecido entre a multidão e não sabia de que forma, depois de ter evidenciado em sua arca todo o apelo de que era portador. Sobrava-lhe a ilusão de que nada disso o fascinava, tampouco o tocava. Então, voaram de sua abertura facial, mariposas e cinzas afetadas de inferioridade, sedentas de cor e perfumes. Queria algo que aos outros interessasse – o mundo é coletivo. Ele era só mais um coletivo no meio da imensidão. Não seria descoberto; não seria aplaudido; não teria seus quinze minutos de fama. Esbravejava refutando aquele odor de aglomerações, como se quisesse ser tocado por uma fábula, por um condão desfalecido.

Disfarçado de liberdade, farejava apenas o que poderia ser sua própria morte: o farol iluminado. Apesar de ser um astro. “Essa manhã interminável em que me dei conta uma vez mais da minha inerte ventura, da cesura em que participo – a lágrima já foi mar um dia como o meu corpo, lapidado pelas montanhas de fogo. A cada instante que passa, sinto tudo de uma forma mais íngreme e não tenho o amparo das primaveras que me serviram de braços. E virá o inverno que eu talvez nem viva, que talvez me descreva. Quando me poderei guiar?”. 

O deslocamento de Ordep nunca o representava. A sensatez é o arranhão mais espesso e menos distante da profundidade que a tudo ondeia e unge. Perdia as horas de ser triste sempre que adentrava os caminhos da linguagem, como se desaparecesse, escrevia, escavando a trilha para além do caos, folha sobre folha. 

Beijou uma flor que fixou para sempre o pólen em seus lábios – agora vivia à sua procura. Ordep acomodou silêncios e passos rumorosos, e dançou, na pausa das chuvas, os ninhos embebidos de sol – porque, para ele, os livros são como pássaros que, acarinhados pelo instante, sonham vagar indefinidamente pelo céu, esquecidos de se curvarem.


Conto que abre o livro "Vozes & Recortes", obra escrita totalmente em prosa que sai pela EDITORA PENALUX:
tem o lançamento  marcado para o dia 24 de agosto de 2015 via Facebook. Acesso pelo link:
Adquira seu exemplar pelo catálogo da Editora Penalux:
http://www.editorapenalux.com.br/loja/product_info.php?products_id=315 
ou diretamente com a autora pelo e-mail  t.teretavares@gmail.com

Ficha Técnica:
Livro: “Vozes & Recortes”
Gênero: Contos (Selo Castiçal)
Formato: 14x21
Autora: Tere Tavares
Editora: Penalux
ISBN: 978-85-69033-45-5
Ano: 2015
Número de páginas: 112 em pólen bold
Valor: R$ 32,00 + frete.