terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Odara - Conto de Tere Tavares - Coletânea "A arte pela escrita IV", PT - Fortuna crítica

 Odara

Matura-se em fases tão irresignáveis quanto é certa a sutileza das mudanças, sendo invariavelmente o resultado do que imagina sem evidenciar o que aparenta ao olhar alheio – um desabafo pretérito e inescrutável.
Às vezes pensa em enviar-lhe o último sentimento que o navegou, o passeio que reescrevera no ontem. Lembra-se das coisas que, quase inconfessavelmente, lhe confessou. Conhece-a talvez mais profundo do que alguém que tenha convivido consigo, entretanto, é tão triste perceber que jamais lhe dirá que um dia a percorreu, quanto mais que esteve tão próximo do seu amor, que foi lancinante a voz da razão a retorná-lo, quiçá, a um porto seguro – aprendera com o tempo e guarda isso para sempre – é grato por cada palavra que não trocaram, por cada devaneio que, mesmo agora, ao rebuliço de lembrar-lhe o sorriso, se avizinha dele, na mente, na pele.
No alto do seu quinhão de vida nunca perdeu a importância, como se reconhecesse entre todos os anônimos uma alma similar à dele, à curiosidade, à inquietude que, mesmo madura, ainda o habita – e como reconheceria a si mesmo no que desejava se assim não fosse? Fora tão pudico, fora como é, tanta a demora, a fugacidade de estar naquele lugar, naquele dorso irresponsável. E se pergunta sem encontrar resposta ou repelindo-a: porque algo tão breve fora suficiente para impregnar-lhe o resto de todos os seus dias?
Ainda não conhece toda a química com que foi feito. Fora do seu espaço há outros espaços que o incitam indefinidamente à busca. Como não identificar-se no que explora, como sendo ele próprio a descobrir-se? Do contrário, como nasceriam, quanto se tatuariam de si os ocasos do mundo?
Nas linhas cujo espelho inevitavelmente o reflete, não é possível refletir – suspenso como um ponto hesita entre ser sensato ou enlouquecer. Percebe que as margens jamais se encontram e, talvez por isso, permaneçam inseparáveis singrando, indeléveis, o placentário espaço de onde tudo surge.
Com deuses bons e maus a lhe agarrarem o pensamento confia nas palavras como alguma coisa que não degenera. “Mesmo que o amanhã não surja não será por que o mataste, mas por que terás morrido antes que ele chegasse”.
Ouve de um Sadhu que a verdade não supera a busca pela verdade. E que belas sílabas sibilam por entre os minutos esculpidos de sua presença. Vê-se como um anjo azul que se recusa a cair, um velho cancioneiro que ainda é juventude.
Texto: Tere Tavares publicado na Coletânea "A arte pela escrita quatro" (2014),
Mosaico de Palavras Editora, e EscriitArtes.- Portugal -PT Fortuna Crítica:

Marinella Dina: Solo tu hai questo potere di descrivere queste sottigliezze dell'anima che rendi così flessuose, lineari, che le vediamo anche noi con i nostri occhi. " Si rende conto che i margini non si incontrano mai e, forse, per questo, rimangono inseparabili singendo, indelebili, il placentario spazio da cui tutto sorge." C'è molta filosofia in ciò che scrivi, nascosta negli anfratti. "il pensiero si affida alle parole come qualcosa che non degenera." C'è l'uomo, la donna, che descrivi nel suo andare nel mondo, viandante, che ci pare amico perchè lo riconosciamo come amico, amica, come noi stessi siamo. Ogni volta rinnovo il piacere della scrittura che accarezza l'anima... prosa poetica d'altissimo 
livello. 

Carlos Ricardo Soares
Sempre gratificante e inspirador ler e pousar os sentidos sobre as possibilidades das palavras que escreves como se as inscrevesses com um estilete na superfície de barro do mundo, e tacteá-las com os olhos.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

TEXTO: "Minah" -do livro de contos "CAMPOS ERRANTES' - 2018 - Tere Tavares - Com fortuna Crítica

 Minah

Hoje se cumpre algo mais que uma razão para sorrir um vento mínimo que se instala na garganta e alcança os pulmões adoecidos de uma alegria quase incandescente. Ardoroso é o torpor que lhe sai pelas narinas de um tempo tenro e terno como quando havia idades pequenas para segredar a orfandade não se sabe por que pacto reza ou culpa. Os afinados esmeros do trajeto, sem ordem alguma, debulham-se como finas e longas pernas de ave, como se beijassem seu futuro, ainda sem forma e sem lágrima, por que oculto nas ondas proibidas pela febre e pelo ar pegajoso, rijo como uma pedra que lhe cai sobre os cabelos de ouro, deixando-lhe o contraste de uma paz nunca escrita – a órbita a cada guerra. Há quem de si tenha saudade. Aquela de ter sido. E de ter-se ido. A respiração sem angústia seguindo-se nos entretantos, serenando-se em toda a ação que foi olvido, armadura.
“Tudo muda no pouco que me alcança com um capricho silente, casto. Pertenço a essa inescapável condição humana que, por ser excessiva, é quase nula. Só os ossos sabem sobrar nessa estrutura amarga. Quero distanciar-me do diz-me o que não és para que eu diga o que nunca sou ou fui – como essa habitação que se salvou das explosões. Quero uma gota de água que deixe os lilases menos cordatos. Quero esperar tranquilamente pelas espáduas setembrinas e pelas estrelas inconsumíveis enquanto regresso à casa das rotulações inclinadas. É o sabor da novidade que espreito nas diferenças que sobejam entre a sabotagem e o jogo. A palavra ausente de impurezas”.
Minah inebria-se. Consumição acima dos rios ainda não conhecidos pelos mastros dos navios. Rabisca um firmamento particular, um planeta novo, um coração intocado, sem ser a inapta atitude da servidão. Colhe o arpejo, recolhendo-se como uma ostra. Por mais que ela se esforce, só diz que não encontra forma de dizer onde termina a sensibilidade – esse precioso sentimento que perfaz a grandeza de ensinar e aprender. Finalmente, se prostra por ser pequena, e quão pequena, para suportar a enormidade. Que a passagem sabe-a infinita, sofrida, assustadiça, mas também salvadora. Porque os olhos nunca se calam nem abafam o canto.
do livro "Campos errantes" contos -Editora Penalux, SP - 2018 by Tere Tavares. Fortuna Crítica:

Francisco Da Cunha
SUA NARRATIVA TEM ALGO QUE ME INSTIGA A DESCOBRIR COMO ANLISTA DE TEXTOS LITERÁRIOS. É TODO UM SENTIDO DE HUMANIDADE QUE DAS PALAVRAS ESTRUTURADAS EM FRASES SÓ PODERIAM SER AUSCULTADAS PELA VIA POÉTICA OU FILOSÓFICA, POIS PASSAMOS DA IMANÊNCIA TEXTUAL AO VALOR ONTOLÓGICO. FRUI-SE MAIS LINGUAGEM (À MANEIRA DOS SIMBOLISMO) DO QUE PROPRIAMENTE A PROCURA DO ENREDO TRADICIONAL DA FICÇÃO CANÔNICA, POSTO QUE DESTA PERCEBEMOS RESSONÂNCIAS. O SEU TEXTO NARRATIVO SERIA MELHOR CAPTADO PELOS MEANDRO DO VEIO LÍRICO, DA SUBJETIVIDADE EM CLAVE MAIOR. FRUI-SE O QUE SEJA HUMANO, LÍRICO, POÉTICO, PORTANTO. MAS TAMBÉM NÃO SE PERDE DE TODO A COMUICAÇÃO DE SENTIMENTOS MULTIFACETADOS QUE A SONDAGEM MAIS PROFUNDA TERIA QUE INVESTIGAR. VEJO, OUTROSSIM, QUE O TEXTO FICCIONAL REFLETE ENQUADRAMENTOS DA PINTURA. DA FOTOGRAFIA. DA ESCULTURA.TRATA-SEM COMO NARRATVIDADE DE UM TEXTO ELABORADO SOB A POTENCIALIDADE DE UM LIRISMO INOVADOR. NO QUAL A LINGUAAEM LITERÁRIA É O PILAR MAIS SÓLIDO E FUNDAMENTAL. 
FRANCISCO DA CUNHA E SILVA FILHO - 12. 01. 2024

Arte: Tere Tavares