segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Fortuna crítica de um texto de Tere Tavares - do livro Campos errantes - contos 2018

                                                                Arte: Tere Tavares
 


Minah

Hoje se cumpre algo mais que uma razão para sorrir um vento mínimo que se instala na garganta e alcança os pulmões adoecidos de uma alegria quase indigente. Ardoroso é o torpor que lhe sai pelas narinas de um tempo tenro e terno como quando havia infância para segredar a orfandade não se sabe por que pacto reza ou culpa. Os afinados esmeros do destino, sem ordem alguma, debulham-se como finas e longas pernas de ave, como se beijassem seu futuro, ainda sem rosto e sem lágrima, por que oculto nas ondas proibidas pela febre e pelo ar pegajoso, rijo como uma pedra que lhe cai sobre os cabelos de seda, deixando-lhe o contraste de uma paz nunca escrita – a órbita a cada guerra. Há quem de si tenha saudade. Aquela de ter sido. E de ter-se ido. A respiração sem angústia seguindo-se nos entretantos, serenando-se em todas as idades que já fora olvido, armadura. “Tudo muda no pouco que me alcança com um capricho silente, incasto. Pertenço a essa inescapável condição humana que, por ser excessiva, é quase nula. Só os ossos sabem sobrar nessa cápsula amarga. Quero distanciar-me do diz-me o que não és para que eu diga o que nunca sou ou fui como essa vegetação que se salvou das explosões. Quero agora uma gota de chá que deixe o cinza menos refratário. Quero esperar tranquilamente pelas espáduas setembrinas e pelas estrelas inconsumíveis enquanto regresso à casa das rotulações inclinadas. É o sabor da novidade que espreito nas diferenças que sobejam entre a sabotagem e o jogo. A palavra ausente de impurezas”.
Minah inebria-se. Alma acima dos rios ainda não conhecidos dos mastros dos navios. Rabisca um firmamento particular, um planeta novo, um coração intocado, sem ser a inapta atitude da servidão. Colhe o arpejo recolhendo-se como uma ostra. Por mais que ela se esforce só diz que não encontra forma de dizer onde termina a inocência – esse precioso sentimento que perfaz a grandeza de ensinar e aprender. Finalmente se prostra por ser pequena, e quão pequena, para intuir a enormidade. Que a passagem sabe-a infinita, sofrida, assustadiça, mas também salvadora. Porque os olhos nunca se calam nem abafam o canto.
Conto do livro "Campos errantes" contos - Penalux, 2018- Tere Tavares
Arte: Tere Tavares 

Fortuna Crítica:

Francisco Da Cunha
Trata-se, enfim, de uma narrativa que, de forma harmônica, une poesia, ficção e um viés filosófico, porquanto é, no plano da inventividade de sentimentos e ações, de abstrações e concretudes, de antinomias que, muitas vezes, encontro em alguns versos pessoanos. Ou seja, o texto de Tere é plural afirmativo, negativo, contraditório, mas todo ele é permeado do poético. É difícil apreende-lhe as estruturas temático-liguísticas ou metalinguísticas nessa escritora que me parece escrever por encantamento diante da palavra escrita e do pensamento múltiplo de que se reveste sua perfomance e competência literária. Não é uma escritora que se presta aos esquemas de alto nivel de narrativas do seculo XIX, quer dizer, de uma forma, ainda que genial) da tradição literária. Ao contrário, a sua narrativa, que é de tessitura contemporânea mas sem abdicar de sabores clássicos percebidos semanticamente aqui e ali, centra-se mais em dois pilares básicos : a) na poeticidade e b) na linguagem voltada para si mesma como forma de tentar entender ou interpretar personagens, conflitos individuas ou coletivos , ações, tramas, espaços, tempos e sobretudo procurar dar um mergulho na precária e imprevisível condição da existência humana.

Adir Luz Almeida
Lindo demais. Tere tem uma escrita poética que me encanta.. Tere é, para mim, a personificação da sensibilidade!!