domingo, 30 de outubro de 2016

Participação na Revista Escritoras Suicidas - Edição 52 - Outubro 2016


Agradeço imenso o convite para participação nessa Edição caras editoras Adelaide Do Julinho e Mariza Lourenço.

Confiram:
edição 52 | outubro de 2016

uma mulher de sorte | fome | placenta

5 minicontos


Do que o circulo ouve


Elbiah não deixa nunca de finalizar a frase antes que o sono chegue. Na sincronia do mar, sua alma navega como uma canoa subtraída que, talvez, pouse numa praia inóspita e resgate uma aurora a descer com sonhos e impaciências no compasso em que dançam as ondas. Como se esperasse acostumada à ausência, Elbiah agarra-se ao sargaço que escurece a orla, suporta maresias e ventos como um carinho gestado, impregnando a pele das pedras. No engodo de suspender-se, deixa-se ficar com o fervor dos veleiros esquecidos, chamados uma mulher de sorte ou desejos ou cavalos de ébano: "não me furtei de ser-te o sonho infuso nem de sonhar-te. Chegarei a tempo de roçar as chuvas e aclarar-me nos teus gestos".



Bradha


Era linda como o canto dos pássaros refletido nos rios. Deliciava-se no calor das tardes em que lhe coube a doçura de um invólucro sem imperfeições. Era mais que o silvo sedento de um ser conflituoso, como naquele dia em que ousou confiar num sentido esquerdo, terna como os anjos que, displicentemente, lhe sopravam segredos que lhe escorriam do rosto feito um poema recém-nascido. Ela não se pertencia. Não tocava a realidade com o porquê buscado, e o buscado porquê de haver chorado um mar sendo apenas uma gota agudizada.

E ali deitar outra impossibilidade, outra tolice impensada. "Superar, menina. Superar. Que a vida é dos saberes e não". Ela não lavou os cabelos. Protegeu os ouvidos com o improviso — o ar frio tem lá seus caprichos, o frio artificial é ruim como tudo o que é artificial. Por vezes, o conforto gera o seu oposto. Há que saber do inconsciente das poses e das posses. A natureza não aceita interferências ou excessos sem cobrar a conta. Inércia foi tudo o que lhe restou naquele não dia. Era uma mulher de sorte. Afinal, delgada é a linha entro o acerto e o tropeço.



Há na lista


Alguém, por ignorância, sugere que eu encontre respostas no que executo ou deixo cair no solo como trabalho. Uma obra nunca dirá algo de seu autor. Não estou atrás de respostas. Acho. Minha culpa? Não sei se tenho alguma. Talvez minha culpa seja a ausência de culpa. Sou leiga, não pretendo analisar nada. Não sou feita de convicções — há tempo desamarrei os sapatos. Não há desculpas nesses parágrafos tão gastos e sem gosto. Penalizo-me dos que me atormentaram — a culpa, no caso, é deles, como é deles a fome de perdão. Coisa outra que não há-de sufocar-se na luz.



Pietá


Uma lacuna misteriosa captura a fome vagante e nada colhe senão a falta de escolha. A urdidura cujo ponto foi antes e também nunca: "sinto certa pena e uma pena certaO horror da pedra é ser pedra. Saber a pó. Sem cor. Lembrar-se da última vez que foi liquidamente saciada".



Mutismo


Essa terra possui excessos de aridez que duram séculos. Um velório sob o sol ardente indica uma placenta no pino de uma árvore seca. Terras que nunca sabem dos invernos e das vegetações.

Muitas curvas depois, ele avista os canaviais e os cortadores que usam um uniforme escurecido pela queima inclemente, ateada à cana e à cana atada. Fuligem e fumaça — o ar irrespirável. Passa pela usina, o cheiro nauseante do que era transformado em combustível ou açúcar. Ele chega a São Miguel dos Milagres (somente malogros). Enormes caminhões transportadores de cana-gente desfilam à beira do caminho, dos dois lados dele, o são e o não; o dono das terras, os detentores da miséria e da indigência, aparentemente passivas e apavorantes. Ninguém se importa em melhorar de vida, ele não sabe se pelo longuíssimo tempo de submissão ou por gostar da 'proteção' de um Pai inumano que, por pouco que lhes dê, dá-lhes a sobrevivência, talvez a proteção ilusória para um infortúnio ainda maior — o de se acomodar à miserabilidade — todos pareciam gratos e felizes, comendo suas carnes assadas nas calçadas a menos de meio metro da estrada, ouvindo músicas pouco edificantes, dançando naquele ritmo e naquele rito sem grito e sem fim — um cordel de imensa tristeza; o desgarro em que aquelas gentes estavam [ele esperava que não para sempre] mergulhadas. Terras cuja geografia de enganos e derrotas jamais é palavra.


Tere Tavares (Cascavel/PR). Escritora e artista plástica, publicou os livros A Licitude dos Olhos (contos, Penalux, 2016), Vozes & Recortes (contos, Penalux, 2015), A Linguagem dos Pássaros (poesia, Patuá, 2014), Entre as Águas (prosa, 2011), Meus Outros (poesia e prosa, 2007) e Flor Essência(poemas, 2004). Participa de várias antologias e tem poemas/textos publicados em diversas revistas e jornais literários. É colaboradora do blogue Dardo. Participa do portal lusófono litero-artístico EscrtArtes. Integra a Academia Cascavelense de Letras, onde ocupa a cadeira de número 26. Edita o blogue M-eus Outros.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

A licitude dos Olhos - Livro de Tere Tavares - no Portal Cultura Alternativa

Matéria do Portal Cultura Alternativa:
Prefácio (por Krishnamurti Góes Dos Anjos do livro "A licitude dos olhos" - de Tere Tavares contos Editora Penalux 2016).
Para leitura completa acessem o link abaixo:

faltahttp://www.culturaalternativa.com.br/literatura/outros/item/9628-um-olhar-que-nos-falta

Poema Luas de Tere Tavares é musicado por Anand Rao

É com muita alegria e emoção que partilho esse trabalho feito pelo Anand Rao, que vem a ser o poema "Luas", de meu livro "Flor Essência" musicado por ele. Meu agradecimento vai também para Agnes Adusumilli muito especialmente.
A música... ofereço, com igual gratidão, às amigas, amigos, leitoras e leitores que nesse mural me dão o eco da presença. Ouçam a partir dos links abaixo:

https://soundcloud.com/anand-rao/luas-anand-rao-e-tere-tavares

Luas (Anand Rao e Tere Tavares)
http://www.culturaalternativa.com.br/musica/outros/item/9599-tere-tavares


https://soundcloud.com/anand-rao/luas-anand-rao-e-tere-tavares?utm_source=soundcloud&utm_campaign=wtshare&utm_medium=Facebook&utm_content=https%3A%2F%2Fsoundcloud.com%2Fanand-rao%2Fluas-anand-rao-e-tere-tavares