terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Horas internas de um passeio exterior

Com votos de um Feliz e Próspero 2011.

Acordei feliz,
saí para a rua.
De longe onde me via
passou um sopro cinza de bruma.
Fazia frio em pleno dezembro,
havia momentos onde pisei
a ânsia estreita e difusa da vida,
o bifurcar das arestas
numa paisagem nunca esquecida.

Se sonhava ou se dormia
-ainda não descobri-
escondi-me nas coroas do caminho
...que perfume vago riscava aquele céu
quase invisível
duplicado de mim
no tropeço das raízes
acima dos meus pés.

As romãs
prestes a madurar
combinando almas sem olhares.

Valia a pena então o movimento quieto
o anoitecer demorado e suave
a cingir-me incertamente.

O amor próximo fez-me pensar,
na altura do silêncio
como no sossego irreflexivo das fontes,
que não havia no mundo
maior felicidade que a minha.

Foto-romã-TT

domingo, 5 de dezembro de 2010

Minicontos - Publicação em Portugal


Garbo

Ocre, vermelho, verde, tons de areia e terrosos. Indumentárias coloridas, tramas do tear lavado a suor, o ashanti, o kentira, em desenhos bordados a pedrarias e pinturas, cujo fundamento e motivação se estendiam feito céus almofadados sobre o chão. Quatro mulheres em meio à plantação de milho e capim: danças a rememorar tempos onde nada era segregado em mundos ou deuses. Pés descalços, todas elas, como a solidão daquele espaço longínquo, fitando holisticamente a simbologia da criação. Seres singelos e esguios, sem máscaras, sem referir qualquer necessidade de auxílio. Religadas num cosmo de quase total liberdade. Com os braços a balançar as mãos compridas e fortes sobre as túnicas salpicadas de secura. Como se em seus semblantes amáveis e sorridentes se pudesse ver escrita toda a história – antes e depois de Soweto.
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No crepúsculo todas as cordas são pardas

As sutilezas do céu derramavam-se confusas no seu dorso. O cristal árduo e indefinível dos dias não declinaria de nutrir-lhe as veredas com os lirismos da Terra e a sintonia do homem superior. Irrompeu num porto revolto e destroçou o inalcançável para ferir de imensidão aquela ingênua intensidade. Um tanto disforme e irresignável iniciou um andar trêmulo e mortiço sobre as pedras que poderiam ser cães ferozes ou uma cidade quase sem escândalos. Não fora programado para crer na escuridão. Queria encontrar uma abreviatura em que coubesse como aquele pequenino. Apesar de ter-se transformado, o recanto da sua calma não se modificara enquanto esteve lutando – por uma nova máscara, por qualquer transição calada que se levantasse, ainda que momentaneamente, numa parcela de misericórdia e outra de segurança.
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Textos publicados na coletânea "A arte pela escrita três" (2010) organizada pelo "EscritArtes" editada em Portugal pela "Mosaico de palavras editora".
Foto TT