quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Publicação na revista EisFluências Edição de Outubro 2016 em seu 7º ANIVERSÁRIO.

UMA EMBARCAÇÃO PENSADA PELAS ÁGUAS
À lágrima que sorri. À grafia das faces.
Há tesouros que preferem ficar nos baús. Os tesouros inúteis.
“Serei sempre algo mais do que os sorrisos que chorei. Não há nenhuma diferença entre mim e essas estátuas; ambas somos estátuas a moverem-se passivamente, ramos de luas onde somente o solo nos retorna ao que somos, por sermos feitas à cava lentíssima das argilas que não cozem, como espelhos ao contrário, prisioneiras da liberdade. Há quantas investigações os olhos? A ausência de verdade? Do trigo ao pão, quanto é grão? Infecundidade dos devires”?
O sal não é mais que a terra. Para Josef, a rebeldia é a natureza do mundo. O silêncio aquoso desaba sobre o dia rendilhado de avencas. Epigramas de gotas colorem as fissuras das casas redobradas de transparências, sem jamais serem as mesmas casas, escorregando num desluzir contínuo e mudo a defluência das janelas, o alinhamento impassível das pausas, no pó descascado pelo vento.
O sol-pôr que adentra esculpe a chávena repleta, nunca meio vazia nem meio cheia. O cascalho se completa com vozes plissadas em halos, com profundas meditações. Nada é infecundo na poética de edificar (se), ou desejar criar um mundo a partir de si. “Deixa-me nascer somente agora, neste pequeno olvido de estrelas”. Perdurava intransferível, suplicante como o ar onde jogava letras, letras e mais nada, para desgrudar o mosto inodoro das asas. Porque não lhe foi dado ser, senão um estar. Não somos antigos nem moços, somos as lacerações ardilosas do tempo, a raça humana, um bando de necessitados. Josef é a incredulidade a dizer que ainda é possível acreditar num coração com orquestras. E há nele um céu aceso e um sopro musical.
“Existem momentos em que redescubro as finalidades da luz, o lusco-fusco remoído à clareza do breu. Porque a palavra carrega a pungência de tudo o que vive, como num trabalhoso ócio, transmutando-se em seiva de linguagem inata do que me integra, ainda que não conheça. Porque fora do tempo existe o espaço, a não existência ou só um retalho metafísico, outras solidões, também sós, a palha que virou chapéu. Quanto de mim sou eu nisso tudo, qual dos meus silêncios murmura o inteiro do que já não mora aqui dentro? Enrolo a língua dentro das folhas, folhas fora, folhas todas, mudas folhas. Sou folhas soltas, línguas soltas. Ondulo nas folhas para existir. O meu rosto é uma folha, um amontoado de folhas nervuradas pela vontade. Lanço-me nos horizontes permissíveis, feito sol, feito raio de borboletas, de não me guardar, não mais. Ah, pudesse eu compreender as ervas, a mastigação dos pássaros, cinco selvas depois dos poros sulcados na escuridão abissal das mãos”.
Josef perdura no cicio oculto das cigarras e para não perder-se na sinceridade de si mesmo, agarra-se ao vento, traindo as amarras que o libertam. Anota o futuro dos papéis dentro das lágrimas. A casa emudece, como antigamente, como sempre, como as palavras e as sínteses ambíguas, sentimentos e sentidos dizendo além dos instantes que veem morar nas linhas quase antigas da sua face, expressão e significância moldando-se entre os desvãos que vão ou não formar.
Josef nunca sabe o alcance, as envergaduras de algo antes do arremesso. Mas, é possível que haja, para ele, algo a intuir claramente, a obscurecer a inexatidão das causas, escassez ou demasia, uma fragrância obtida no ato de camuflar ou exibir, na visão ou na cegueira, um corredor que lhe insinua o caminho ilusório e imenso da linguagem; sementes da cor, do sonho que transfiguram a arquitetura do seu sopro, o balbucio inclemente da imaginação. Dias de decisões escolhidas a esmo que o sangram e o singram como círculos de chuva seca, como páginas sem aridez, como Josef.

(texto do livro "Vozes & Recortes" contos Editora Penalux 2015)
BY Tere Tavares
Cascavel - PR - Brasil
http://m-eusoutros.blogspot.com.br/

Grata à Carmo Vasconcelos e Henrique L. Ramalho de Lisboa, PT, pela publicação desse texto na revista "EisFluências" Edição de Outubro 2016 em seu 7º ANIVERSÁRIO.
Com meus cumprimentos e parabenizações.