terça-feira, 20 de novembro de 2007

Sem pena de ter

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) através de sua Gerência de Eventos e Cursos promove desde o início dos anos 90 uma iniciativa cultural importantíssima para o Brasil. Trata-se do "Banco de Talentos", que identifica e valoriza os bancários que desenvolvem habilidades artísticas. O evento seleciona os trabalhos dos funcionários de bancos de todo o Brasil para participação em mostras e shows, em edições de livros, em calendários artísticos em CDs e DVDs. Os trabalhos contemplados são expostos em galerias de arte, bibliotecas, escolas de artes e disponibilizados para companhias públicas e privadas que investem em atividades culturais, assim como a autoridades e lideranças empresariais. Cumprindo ciclos bienais de caráter permanente, nos anos ímpares são tradicionalmente pesquisadas as categorias Artesanato, Canto Coral, Escultura, Literatura e Teatro. A cada ano são recebidas milhares de inscrições, de mais de 150 municípios de todos os estados brasileiros.

Na edição de 2007, na categoria Literatura-contos, a comissão julgadora foi composta por Caio Porfírio de Castro Carneiro, Hersch Basbaum e Rosani Abou Adal. Dentre os contemplados figuro com o conto “Sem pena de ter”, que foi escolhido unanimente pelos jurados como principal destaque; consta na exposição festiva (gravada em DVD) que aconteceu em 12 de novembro de 2007 no Citibank Hall, em São Paulo e na antologia do Banco de Talentos Febraban 2007. Eis:

Sem pena de ter

A Igreja tinha um cheiro de antiguidades. Um balcão repleto de livros cobertos de pó obstruía o corredor. Algumas abelhas se distraiam pousando em velhas imagens que rodeavam as paredes. O rapaz passou as mãos de leve nos pés quebrados de um Santo Antonio. Uma lástima deparar-se com tudo naquele estado. Ele também tocou os bancos de jacarandá. Sentou-se.
Tanta atenção lhe despertava o lugar que quase esquecia o que o levara até ali. A moça da rua de ontem. Como não atender-lhe as dúvidas, esquecer-lhe o tom suplicante?
Daria cabo do seu egoísmo cumprindo a promessa. Antes rezaria pelos mortos com a mesma devoção que o faria para os vivos. Pediria pelo fim da angústia dita esperar, da enfermidade nominada crer, e tudo o mais que lembrasse as tristes ilusões do mundo. Pediria perdão pelo que pedisse e pelo que pensasse.

Naquela manhã de Maio morrera a morte do seu olhar na moça da rua de ontem. O assíduo assédio daquela alma se estendia sobre o silêncio daquele cenário gasto. A manhã de Maio era ali, com ele, ajoelhado, mentindo qualquer escrúpulo, revelando ocos de fora e de dentro. O resto era medo que o deixava na margem lúcida de próximas águas. O repasto, a moça da rua de ontem.

Vestia a viva ânsia de sair o mais depressa dali e levar-lhe o que a cobriria como a uma rainha. A sua. A imagem de ouro de Santa Rita. Um pé na escadaria e outro na rua. Voltou. Queria também os livros para salvar o amor no amanhecer e no poente.

Tere Tavares
Publicado também no Portal Literário "Ver-o-Poema":