sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

TEXTO: "Minah" -do livro de contos "CAMPOS ERRANTES' - 2018 - Tere Tavares - Com fortuna Crítica

 Minah

Hoje se cumpre algo mais que uma razão para sorrir um vento mínimo que se instala na garganta e alcança os pulmões adoecidos de uma alegria quase incandescente. Ardoroso é o torpor que lhe sai pelas narinas de um tempo tenro e terno como quando havia idades pequenas para segredar a orfandade não se sabe por que pacto reza ou culpa. Os afinados esmeros do trajeto, sem ordem alguma, debulham-se como finas e longas pernas de ave, como se beijassem seu futuro, ainda sem forma e sem lágrima, por que oculto nas ondas proibidas pela febre e pelo ar pegajoso, rijo como uma pedra que lhe cai sobre os cabelos de ouro, deixando-lhe o contraste de uma paz nunca escrita – a órbita a cada guerra. Há quem de si tenha saudade. Aquela de ter sido. E de ter-se ido. A respiração sem angústia seguindo-se nos entretantos, serenando-se em toda a ação que foi olvido, armadura.
“Tudo muda no pouco que me alcança com um capricho silente, casto. Pertenço a essa inescapável condição humana que, por ser excessiva, é quase nula. Só os ossos sabem sobrar nessa estrutura amarga. Quero distanciar-me do diz-me o que não és para que eu diga o que nunca sou ou fui – como essa habitação que se salvou das explosões. Quero uma gota de água que deixe os lilases menos cordatos. Quero esperar tranquilamente pelas espáduas setembrinas e pelas estrelas inconsumíveis enquanto regresso à casa das rotulações inclinadas. É o sabor da novidade que espreito nas diferenças que sobejam entre a sabotagem e o jogo. A palavra ausente de impurezas”.
Minah inebria-se. Consumição acima dos rios ainda não conhecidos pelos mastros dos navios. Rabisca um firmamento particular, um planeta novo, um coração intocado, sem ser a inapta atitude da servidão. Colhe o arpejo, recolhendo-se como uma ostra. Por mais que ela se esforce, só diz que não encontra forma de dizer onde termina a sensibilidade – esse precioso sentimento que perfaz a grandeza de ensinar e aprender. Finalmente, se prostra por ser pequena, e quão pequena, para suportar a enormidade. Que a passagem sabe-a infinita, sofrida, assustadiça, mas também salvadora. Porque os olhos nunca se calam nem abafam o canto.
do livro "Campos errantes" contos -Editora Penalux, SP - 2018 by Tere Tavares. Fortuna Crítica:

Francisco Da Cunha

Trata-se, enfim, de uma narrativa que, de forma harmônica, une poesia, ficção e um viés filosófico, porquanto é, no plano da inventividade de sentimentos e ações, de abstrações e concretudes, de antinomias que, muitas vezes, encontro em alguns versos pessoanos. Ou seja, o texto de Tere é plural afirmativo, negativo, contraditório, mas todo ele é permeado do poético. É difícil aprender-lhe as estruturas temático-linguísticas ou metalinguísticas nessa escritora que me parece escrever por encantamento diante da palavra escrita e do pensamento múltiplo de que se reveste sua performance e competência literária. Não é uma escritora que se presta aos esquemas de alto nível de narrativas do século XIX, quer dizer, de uma forma, ainda que genial, da tradição literária. Ao contrário, a sua narrativa, que é de tessitura contemporânea, mas sem abdicar de sabores clássicos percebidos semanticamente aqui e ali, centra-se mais em dois pilares básicos: a) na poeticidade e b) na linguagem voltada para si mesma como forma de tentar entender ou interpretar personagens, conflitos individuas ou coletivos, ações, tramas, espaços, tempos e sobretudo procurar dar um mergulho na precária e imprevisível condição da existência humana.


Francisco Da Cunha

TRECHO FICCIONAL DE SEU LIVRO ACIMA-CITADO. É UMA EPIFANIA PRA MIM. AO LER O TEXTO POR INTEIRO E ME DELICIAR ORA COM AS BELEZAS RETORICAS PELA VIA DA POESIA, ORA PELAS TRISTEZAS QUE TEIMAM EM CHEGAR A MIM , LEITOR APEGADO AO TEXTO LITERÁRIO TANTO EM POESIA QUANTO EM PROSA. ESSE TRECHO É ADMIRÁVAEL E ME PARECE PERMEADO INTEIRAMENTE DO LIRISMO, MAS DE UM LIRISMO AINDA RESISTENTE A LAMENTAÇÕES DE CERTO LIRISMO DA TRADIÇÃO LITERÁRIA, VISTO QUE, A MEU VER, SEU TEXTO TEM UMA SINTAXE HÍBRIDA DE SABOR ,POR VEZES, CLÁSSICO, EMBORA O SEU MODO DE NARRAÇÃO SE SITUE NO PRESENTE DE UM TEMPO TÃO DIFÍCIL À HUMANIDADE. TRECHO FEITO DE BONDADE E DE PRESSÁGIOS, DE ALEGRIA E PESARES, DE POESIA E FICÇÃO, SEGUNDO JÁ MENCIONEI. HÁ ALGO TAMBÉM DE BARROCO, MA NECESSITARIA DE MAIS LEITURA, OU SEJA, DA LEITURA POR INTEIRO DA OBRA EM QUESTÃO. AQUI LHE FAÇO UM BREVE COMENTÁRIO QUE NÃO CHEGA ÀS EXIGÊNCIAS PROTOCOLARES DE ENSAIO NEM MESMO DE UMA MERA RESENHA. SÃO REFLEXÕES QUE O SEU TRECHO NARRATIVO DESPERTAM NESTE VELHO LEITOR DE LITERATURA TANTO BRASILEIRA SOBRETUDO, QUANTO ESTRANGEIRA TRADUZIDA OU LIDA NO ORIGINAL. MEUS PARABÉNS PELO SEU TALENTO VERBAL. DEUS A ABENÇÕE, QUERIDA AUTORA.

Francisco Da Cunha  

Que texto refinado na sua linguagem diferente! Quando digo diferente é porque me impressiona a conjugação entre o pensamento do narrador e a forma de linguagem de lugar comum Seria essa a linguagem que se aproxima da poesia. de um parágrafo mais extenso cujas frases se sobrepõem umas às outras a fim de produzir no leitor um sentimento de interioridade É una prosa incomum que nos propicia sentidos novos;como se estivéssemos a ler um poema falando sobre ações humanas de mistura com referências múltiplas a todos os seres da Natureza .Abracos, Tere

Sandra Maria De Andrade Freitas

AHHH, querida e talentosa Tere Tavares, tua escrita recria "um firmamento particular" quer na exigente forma... quer na emoção de um conteúdo para encontrar "um planeta novo" seja ele fisico e/ou ficcional!!!! Bjs, querida amiga, que por generosidade de talento, recorre às tintas para dar contorno das artes plásticas à tua brilhante escrita!!!!

Joao Pinto É uma prosa intimista, me parece mais poética onde o símbolo predomina como criação. Bravo, sua escrita sinuosa onde o adjetivo faz-se como teia solta e se precipita.



Arte: Tere Tavares


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