quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Das coisas que se tornam pelas mãos juntas - Fortuna crítica

 Conto do livro Destinos desdobrados, 2021, Tere Tavares, Editora Penalux

Arte digital; "Árvore"- 2019 Tere Tavares



Das coisas que se tornam pelas mãos juntas

Thuarta, fixa os olhos para bem longe da varanda. Lembra das minúcias marítimas e das fronteiras insubmissas. Premedita e calcula. As estrelícias revisitam a ave-do-paraíso: [imitando-a, visando-a]. Clamam pelo não perecimento e pela fuga das normas.  Ouve-as e perambula pelas suas formas. Por vezes, a perspectiva é embaraçosa, mas evidente. Ir-se, entretanto, é imprescindível. Sapevo chi sei. Lê como se um floco de frescor pousasse sobre as úmidas concavidades das avencas – não florescem, mas, para Thuarta, é fácil ver-lhes as folhas, as hastes vibrantes, os pecíolos frios e negros como cílios de além-mar, adiante da calmaria sonhada ao pé de alguém que recolhe cada uma de suas películas; o vento as evita para não as ferir e elas se deixam caber num vaso à parede feito sentinelas, silhuetas difusas às suas costas.

Estrelas vermelhas em meio ao verde e tons de terra dizem sóis às metáforas que, mesmo mortificadas, sobrevivem ao tempo.  Ela diz a si mesma: “Avalio o voo que me devo. Ignoro que aprendo muito sobre os pássaros que nunca se escusam aos saltos no escuro. Tenho a coragem e a vontade de viver como primazia. Não me defino, tampouco definho. Defendo-me. Sou humana e falível. É tão frio morrer de frio. Penso, novamente, no mar. Se os pés deslizarem por entre as ondas, não haverá nenhuma filosofia que os detenha. Não sei se acontecerá nem o que penso: se sou outra invenção do que sou, não sei; sou para mim mesma oculta, escuto essa lição iniciática para além desse ar profano. Novo ano, será? ”.

Ela retorna à outra leitura como se antevista: “Uma rosa es todas las rosas. Tus dones son una extensión de tu alma. Cultivas la sabeduría solo cuando tienes dudas”. Apenas quando se percorre o mistério da própria obra ela será portadora de alguma perfeição. A arte permeia a subjetividade como um cão fiel ao seu dono e faz Thuarta sentir-se como se à própria paisagem. Caminha-se longuíssimas distâncias mesmo quando não se vive muito. O que é alijado do bem subverte a alma. À espreita, está o que se eleva ao cansaço, à corda de aço invisível; bravios espaços de parições incertas. Algumas pérolas nascem do sofrimento, mas também da felicidade. Nem tudo sucumbe ou fenece no fogo, na fumaça que anoitece a chuva. Porque caminhar sobre as pedras, confrange-te a viver os muitos depois, desde os breves estampidos à escuta solitária, do caderno inumerável à necessidade de reintegrares-te a cada momento. De quando te inscreves em algo inquisitivo. Do intuir e do ficar perplexo. O nexo que te adivinha. Então, passas a medir-te pelas águas e transformar todas as dores e todas as faltas num dilúvio.


Fortuna crítica:

Luís Filipe Pereira

Uma tristeza enorme o que se passa na Amazônia , o texto tradu-la bem.

Francisco da Cunha

Um texto de qualidade composto em atmosfera, diria, de quase sentido elegíaco. O poeta (no sentido de vate, daquele, vê mais longe), tem os olhos em geral atentos e vigilantes voltados para o que acontece no mundo, num continente, num país específico. Ele solta as asas da imaginação a fim de não só denunciar os males dos homens, mas também de transformar a realidade tenebrosa, desumana, indiferente, em linguagem literária. Poesia também é combate. Nem é preciso citar nomes, lugares, tema situação trágica, nome dos bois para sabermos do que se trata num poema assim elaborado, mal saído do forno, contra as absurdidades dos homens dos homens. O desenho, por si só, reforça a realidade tenebrosa a que podemos chegar em tempos de obscurantismo múltiplo.

Claudia Manzolillo

Apocalipse que se constrói a cada dia. O homem não aprende as lições do passado e incendeia o que não valoriza. Esquece até da sua própria casa. O que se vê hoje? Matança em todos os sentidos.

Marcio Sales Saraiva

Lembrei das queimadas

Geozenira Alves Nogueira

Poeticamente lindo! Triste, sentido na pele. Maravilhoso, você existir.

 

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