quinta-feira, 3 de junho de 2010

Reflexões de um seguidor


Reflexões de um seguidor

Não esperava coerência. Enquanto ouvia um “olá, como vai”, administrava a intenção de estar se saindo bem. A simulação do real tornara-se mais interessante à medida que presenciava modelos encontrados no mundo das próprias idéias.

Quando recorria ao imaginário procurava de alguma forma confrontar-se com a realidade. A leitura, antes de mero entretenimento ou universo fictício, era um lenitivo a lançar luzes ao seu modo de ver os sentimentos, uma forma de se divertir, entreter, tocar o coração e clarificar as tessituras da inteligência, além de permitir-lhe um distanciamento, ainda que minúsculo, das vicissitudes impostas pelo cotidiano.

O inviolável prazer de filtrar-se no enredo, no caráter e na personalidade dos personagens o revestiam de irresistível fascínio.

A utopia, lugar e não-lugar passavam a povoar com indescritível fluidez um imponente invólucro de subjetividade; novas eficiências que fazia questão de não interromper.

A magnitude de um alter-ego revelador de aspectos éticos e psíquicos eternamente discutíveis denunciava o erro de rebaixar a experiência direta da vida em função de “outro mundo” como condutor da essência perfeita da personalidade humana, como se a realidade fosse algo enfraquecido. Considerava essa idéia a madrasta de todas as ilusões. Quem não gostaria de uma segunda vida? O simulacro é um risco tão inevitável quanto à atitude de Narciso quando se atirou à própria imagem refletida na água para sucumbir afogado.

Talvez se iludisse por sensatez. A inconseqüência nem sempre seria nociva. A hiper-realidade era, por vezes, capaz de suplantar seu próprio ser. Pouco sabia do intangível e anônimo regresso da verdade implícita em todas as imperfeições.

Embora reconhecesse as presenças espectrais como as mais reais e invisíveis, não se preocupava em deixar esquecidos nomes e rostos, paisagens e almas que nutriam com fé inabalável o que estava ao alcance dos olhos e do toque por revelar-lhes, com todas as interfaces e misérias, a alegria trágica de não querer estar para além daquela janela de braços amigos a socorrê-lo quando, ao sonhar que dormia, caísse em queda livre sobre a cidade.

Tela-Observadores-TT

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Exposição Mar És






Enviado em 28 de mai de 2010
Entrevista com a Artista Plástica e escritora cascavelense Tere Tavares.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Mar és


CONVITE
Caros Amigos e Amigas
É com imensurável alegria que vos participo
 a exposição
Mar és,
misto de marinhas e poesias,
elaboradas pela madurez de perscrutações e sentidos das artes que especulo desde sempre, e que agora ousam, mais uma vez, se apresentar.

A abertura acontece em 06 de maio próximo no
Centro Cultural Gilberto Mayer,
(confiram  detalhes nas imagens/textos abaixo),
e permanece para visitação até 01 de junho de 2010.


quarta-feira, 24 de março de 2010

ordenanças

foram as lágrimas
escaladas
que reconstruíram os meus olhos
de ausência e silêncio
de não obscurecer o tempo
que, ingrato, nubla de ansiedade a minha alma.
 
de que me valem os dias sem a obra-prima
deslizando do que não vê?
o esmero de haver a cor mais sublime
se é isento o céu que me vive?
 
encontro o vazio em toda a plenitude
e não tento, senão em vão
e insana, reencontrar-me em sua lição
isuportavelmente perfeita.
  •  

domingo, 7 de março de 2010

Para cada momento uma palavra


As formas de grafar o tempo:
este canto infinito
que detém o comando,
este Deus que,
em cada partícula,
imprime a sua marca.

Eu o vejo nesta bela colina
antes mesmo de ser mencionado.
Observo a graciosidade
que se desprende da sua plenitude
como se pudesse sujeitar à razão
o que é isto.

E é um juízo final que não chega
e chega com verbos e rubores,
ou a tal ponto cede ao delírio,
que esta mínima parte
deste Deus que me habita
tem livre expressão
e me guia docemente.


  • Foto- Pombo -TT 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Tempo de Lírios


E nem era primavera. Ajustou as meias e os cordões dos sapatos. O tom flamingo se espelhava em cada partícula da paisagem. Dialogando com as abstrações, o instinto persistente da consciência desprovido de qualquer disfarce. As formas brancas, curvas, de centros amarelos e perfumes inolvidáveis permaneciam num emudecido encontro com tudo. A intolerante pergunta era só mais um pássaro entre outros dez mil pássaros pousados em suas vestes. Porque tudo é encontro? A partir dali não haveria brisa.

Reconheceu de imediato o desassossego entrelaçado das árvores. Chegara, finalmente. E era como se também tivessem chegado o ardor pulsante do que não se extinguiria.

Quem sabe do regresso, quem pode dizer sobre o que parte e acorda da sombra, da saga vulgar dos impulsos, das substâncias e rupturas floridas da ilusão que, a cada irromper do amanhã, desprezam algo de si mesmas? Desabrochar é um vício necessário. Do espírito.

Haveria de se perder tantas vezes quantas fossem sublimadas as suas forças. Tinha a impressão de levar consigo mais do que lhe era possível.

Soprando de um lugar ignorado um retalho igualmente irreconhecível debruçava-se sobre a nudez da claridade – a segregação de tudo quanto era conhecido e tênue. “Talvez não fosse eu” disse sobriamente.

Tudo parecia se materializar, a despeito das folhas caídas e dos anseios impacientes.

No jardim, no instante lento e perplexo do luar, nem o pai, nem o irmão, nem os filhos. Só uma crédula brancura. A que, irredutivelmente, colhia na sinuosidade do próprio rosto.

Editado a partir do original publicado em:
http://historiaspossiveis.wordpress.com/2010/02/07/tempo-de-lirios/

Foto - Lírios -TT

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O Homem que brilhava


Andou para um lado e para outro. Seu entusiasmo não sabia se diria adeus à liberdade ou reconhecia onde estava. Ali o esperava o mar, aquele mar que podia contemplar por intermináveis momentos, e sempre mostraria algo diverso: uma concha, uma profundidade mais transparente, o rastro de uma nuvem, o rumo de outra corrente e as instantâneas ondulações espumando na margem. O som que ouvia assemelhava-se ao terno perfume de um presente recebido há muito tempo, bem distante.
Cada sensação era um tesouro inestimável, de uma euforia irreflexiva, como se pertencesse a um todo que imediatamente se desintegrasse. Onde acabaria alguém de alma demasiado sensível? “Aqui tens o coração de um homem”.

Não podia parar. Era para si mesmo um reflexo luminoso desprovido de qualquer significado. Olhava-se como a gaivota olha o cardume ou como o cardume olha o pássaro. Era um sondar repleto, de luz profunda, uma recompensa inolvidável do prazer de quem vê além do simples esforço das pupilas. Era-lhe irrefragável o sorriso, quase inocente, como quem soubesse ter guardados muitos mais para trazer aos lábios. Seguiu olhando ininterruptamente. Algo brilhava na areia limpa. A água morna molhava seus pés. Não recordava onde havia deixado a última lembrança, tampouco queria encontrá-la. Novamente percebeu o brilho na areia. Inclinou-se e recolheu o que lhe parecia ser um metal precioso. Já contava com algo. Fez uma pequena pausa. Em sua multidão de silêncios a voz do mar era o próprio corpo do mar que o domava e o refazia. Estendeu as mãos contra o sol. O brilho sumiu por entre os dedos. Consumiram-se os elos das coisas secretas.

Uma suave ironia marcou sua fronte persistente. Sorriu com a mesma bondade de antes. O mar agora era verde, brilhantemente verde e solitário. Com a cabeça inclinada caminhou como sabem caminhar os que não perdem jamais o que tanto se custa a conseguir ou não tem qualquer preocupação com as vis necessidades humanas – alimento, descanso ou amor.

Como se entrelaçado em incomensuráveis variantes e obviedades dirigiu-se ao indefinível com a doçura de quem só podia murmurar: “Aqui tens uma estrela mais intensa do que a minha”.
Tela: Rocha e Mar-TT

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009



Queridos Amigos e Amigas,


Desejo a todos um Feliz Natal e Ano Novo!


Saúde, paz, amor, amizade, prosperidade, inspiração!




  • Foto-Romãs-TT

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Histórias Possíveis - Edição 54

André de Leones, Daniela dos Santos, Daniela Mendes, Dheyne de Sousa, Erwin Maack, Gerusa Leal, Leandro Resende, Lucia Bettencourt, Maurício Melo Júnior, Nereu Afonso, Susana Fuentes, Wesley Peres, Izabel Roriz, Paulo Guicheney, Tere Tavares: “A costura dos braços no sono, urbanas fotografias humanas, acordado dentro do corpo, crônica de enfermeira, peguete, tratado absorto de um ser inadvertido, HQ do tempo estacionário, terceiro movimento, cabras da peste, os cães, roda, estou completamente idiota, uma estranha no vento, não aconteceu muita coisa no primeiro assalto, no crepúsculo todas as cordas são pardas”
...descubra quem escreve o que em “Histórias Possíveis - Edição 54”.
Boa leitura.
https://historiaspossiveis.wordpress.com/2009/11/23/no-crepusculo-todas-as-cordas-sao-pardas/

No crepúsculo todas as cordas são pardas


Tere Tavares
As sutilezas do céu derramavam-se confusas no seu dorso. O cristal árduo e indefinível dos dias não declinaria de nutrir-lhe as veredas com os lirismos da Terra e a sintonia do homem superior. Irrompeu num porto revolto e destroçou o inalcançável para ferir de imensidão aquela ingênua intensidade. Um tanto disforme e irresignável iniciou um andar trêmulo e mortiço sobre as pedras que poderiam ser cães ferozes ou uma cidade quase sem escândalos. Não fora programado para crer na escuridão. Queria encontrar uma abreviatura em que coubesse como aquele pequenino. Apesar de ter-se transformado, o recanto da sua calma não se modificara enquanto esteve lutando – por uma nova máscara, por qualquer transição calada que se levantasse, ainda que momentaneamente, numa parcela de misericórdia e outra de segurança.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Eu em mim; de um outro lado

O Banco de Talentos, iniciativa cultural da Febraban - Federação Brasileira de Bancos, há 15 anos identifica e valoriza os bancários que desenvolvem habilidades artísticas. Ciclos bienais pesquisam nos anos pares, as categorias Fotografia, Música e Pintura e, nos anos ímpares, Artesanato, Canto Coral, Escultura, Literatura e Teatro. Em 2009 aconteceu a décima sexta edição.

Desprovido de caráter competitivo, o evento não premia e não atribui classificações. Todos os selecionados têm seus trabalhos divulgados em exposições, shows, livros e CD's que são gratuitamente dirigidos a críticos especializados, galerias de arte, bibliotecas, escolas de artes e empresários que investem em atividades culturais, assim como a autoridades e lideranças empresariais.

Na categoria Literatura-Poesia a comissão de jurados foi composta pelos especialistas Carlos Francisco de Morais, Betty Vidigal e Milton de Godoy Campos.

O poema “Eu em mim; de um outro lado” de minha autoria, foi um dos escolhidos!

Na noite de 09 de novembro de 2009, no Citibank Hall em São Paulo, houve a exposição dos trabalhos selecionados nas várias categorias, com apresentação da dupla Sá & Guarabyra fazendo a abertura do show, e na seqüência os cantores e cantoras do Banco de Talentos - Música. Uma festa linda da qual tive a alegria de participar.


Eu em mim; de um outro lado

Estes ramalhetes de alvoradas
que seguro entre os dedos
são para descansar os pés retintos
os medos abandonados
a escorrer de um revés
são sais inteiros que ensaiam infinitos
nos mares que não meço
nem penso sem ver
são autos de bondade,
são segredos iluminados
com a amplitude secular do criador.

- mar és: disse-me a porção da procura –

Estes maços de crepúsculos
são a jura da saudade que impeço
a intenção de reter o instante
são pretextos invariáveis
diante da suposição de tornar visível
o desnível das ondas em que se adora permanecer
com a solitude salutar do navegador
urdindo a âncora, a loucura de vir a ser.

- torna-te o que és: disse-me Píndaro.

Este aro de razão
é a estrofe do estupor
a catástrofe difusa
a chuva do amor que se confunde
na ínfima virtude da ilusão
do que será somente – senão.

sábado, 10 de outubro de 2009

Sobre uma concepção




Recolhi um coração do chão e o cobri com sentimentos azuis. O dia não oferecia nada além do dia, e a cor da terra era um vilarejo macio.
De um fio vindo de um barco e suas metades, alguém foi buscar um peixe – o animal de sangue-frio – e voltara sem ele. Degraus quase invisíveis descansavam na areia. Brinquei com a metade direita, enquanto depositava seixos e conchas no que não seria, em absoluto, uma natureza morta.
O sol intimidou-se e pousou em silêncio na outra metade. O amarelo que aquece e ilumina. Quanto é possível extrair dos movimentos que pulsam incessantemente e jamais adormecem! Quatro espátulas em vigília. Quanto é necessária a intermitência das sombras e das cores?
O outro lado irradiava uma brancura feliz. Não foi possível determinar quem, nem onde, nem quando. A paisagem servia infinitos olhares. A vida era vermelha e disse aos azuis que jamais negaria qualquer possibilidade de novos matizes. Ainda que fossem confusos e indecisos. O mundo não declinaria de colorir-se, afinal, nada havia se partido.
    • Tela - O Barqueiro - TT

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sinfonias de Setembro


















Cheguei antes que o pêndulo do tempo me visse
Sou rubra como é azul a pele do
céu
Sou tão suave e tão versátil e tão mansa
Sei quase sempre o fruto em que me
tornarei
A semente infatigável que me vigiará
Sei dos olhares estranhos e admirados que me
investigam.



  • Não interrogo. Nem sei se penso.
    O vento é a seiva da minha voz que
    é nada
    E é cor.

Foto-Cerejeiras-TT

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A unidade que me transforma e me divide


Não me pertenço.

Penso ser deste mundo
pressupondo que outro mundo
não exista além deste.
O que tenho é o espaço onde estou.
Onde estou sou o que tenho,
(tenho?) a mim mesma quando muito,
o café escuro que bebo.

Este pouco de mim
é tudo o que aparento e sinto.

Estabelecer não me cabe
e se me cabe não estabeleço.


  • Desenho: Olhares de flores-TT