Carências
Para OArtistaNuncaVisto existe a suprema inconstância das coisas, o processo recolhido no irrealismo subscrito na ignorância da técnica. A favor da incompletude, chegam-lhe conjuntos para recolhê-lo antes que possa evitar o ato da criação, a resignação que lhe permite digerir o fluxo inevitável da sua força construtiva. Encontra isso na dormência involuntária que o assoma impetuosamente, desguarnecendo o sofrimento, transmutando-o em beleza, como última e possível opção diante da verdadeira e inapelável projeção de si mesmo, como ramos de frescor que, sagradamente, perfuram a terra. “Engano-me para não trair a arte; da minha penumbra extraio o néctar que é quase nada.”
Seu espaço só lhe oferece mais espaço e o percorre até a mais ínfima entranha – que o dissessem os projetos que o cérebro registrara no trauma dos dias. A partir do que recordam os sentidos forja-se a viagem, como as floradas que adornam e camuflam as árvores. “Não tentem decifrar-me. É inútil. De mim, guardem apenas o que esvoaça, a neutralidade do meu rosto a fecundar as opções como um morcego que acorda no seio da noite”.
Agora o presente são todos os seus suspiros, tardios como os talentos que não possui, como as ilusões cavadas numa essência de embriaguez. “O adorno adentrando em mim, preenchendo cada célula, sem ordenação, tomando-me os pulmões, os nervos, a derme, as veias que tingem os meus rastros, sem auxílio ou injúria, amadurando-me precocemente a alma ágil, agre e enrijecida, submetida noutra estrutura, quando, e só então, minha angústia aprende a sorrir porque algo do que fiz, finalmente, toca alguém”.
As lastimações são obras pousadas no espaldar das recordações, que já não o respiram como outrora. “O que penso quando não penso?” E pensa na falta indecorosa da veemência que o trás rente à escada – partícula de uma coisa única, como se quisesse adormecer para constituir-se noutra dimensão. Aborda a aflição e o amor como se retirasse, dos sentimentos, a sua biologia, onde se encolhe para expandir-se, confiante, sem notar se há preenchimento ou falta.
É, quem sabe, alguma sobra míope, parte do todo, no seu existir, enxergando resignado, desafortunado, feito caliça, meio, indo e vindo, nunca findando. Algo que não identifica o induz a permanecer entre dúvidas e zimbros e contar algo, constar de um núncio enigmático de coisas alheias e mesmo assim suas; como um domador a dançar sobre as papoulas e um coração que e o batiza com uma nova medalha.
Ele contempla os espelhos que não costumam mentir, e, apesar dos nódulos ocultos sob os músculos fortes, abre a estreiteza, o risco, e se completa porque finalmente vê. “Foi ali entre a desova dos peixes e o ardor dos areais que colhi a água que me traria novamente à vida.” Resgata-se apesar do sigilo, da polidez afinada nas emoções, lamenta a perda de um bosque que jamais apertou entre os braços, porque, na verdade, era uma selva temporária, uma casca.
OArtistaNuncaVisto, num ínterim, está novamente no topo e escava, coreografa, na ausência, as fuligens distanciadas do chumbo, seus inúmeros oásis, a sagrada e meticulosa investigação onde encontra, por instantes, um frêmito de paz, como quando se entretece nas brancas flores dos ipês e possui, numa quase obsessão, o ápice do que não esmorece. Como se minguasse nas próprias mutações, debruçado numa digníssima fecundidade, sorrí ao reconhecimento dos vales: “Fecho em concha as mãos para aquecer-me nos gumes das minhas obras. Sonho porque meu sonhar é fiel a todos os meus ritos e às minhas chaves”.
do livro "A licitude dos olhos" Editora Penalux contos 2016 .
Ora, , uma passagem de um livro como esta dá o que pensar e pensar num aforma nova e de ponta no domínio da crítica literária e do julgamento favorável ou não. Numa primeira leitura,antevejo uma narrativa enigmática e profundamente poético- filosófica, a qual pediria com urgência um aparelhamento teórico a fim de desenvolver uma hermenêutica para o texto ficcional. Há uma voz narradora que combina história de vida e experimentação de linguagem límpida na sintaxe e incomum na forma de narrar. Creio que estamos, diante dessa leitura e dos inúmeros ângulos narrativos, de um nova maneira de ser ficcional, na qual há uma predominância muito forte no contar e no como contar e no por que contar uma história imaginária e pejada de conceituações como se fossem aforismos . Creio ainda que,na análise desses relatos que nos surpreendem favoravelmente e desafiam a nossa argúcia interpretativa está na dimensão do Poético, na forma de comunicar o fluxo de vida em palavras, num torrencial contínuo no qual retalhos da vida humana são interligados na sintaxe e na semântica geral do texto. Abraços".