"A linguagem dos pássaros" é o quarto livro da escritora Tere Tavares, também artista plástica, e o primeiro pela Patuá. Costurado por figuras como, obviamente, pássaros e voos, mas ainda outros temas como romãzeiras e romãs como metáforas, o amor a dois e a existência natural, o livro convida o leitor a adentrar o universo íntimo de Tere.
Em praticamente todos os poemas, sejam os longos e de sintaxe sofisticada como "cada vez mais te pertenço", seja nos curtos como "Poema de uma folha que voa", há sempre um "eu" marcado explicitamente na tessitura da trama que se faz de sons e silêncios, movimentos e suspensões, voos e pousos.
Há mesmo um poema que é em si no título: "O sorriso nasce no ventre das estrelas para tornar-se pássaro."
Uma das características poéticas de "A linguagem dos pássaros" é o alongamento dos versos no fim dos poemas, criando um ritmo um tanto esquisito, como em "Cantas como a água sobre o livro", um belo metapoema sem obviedades linguísticas:
"cultivas o pomar na alegria rota das aves
como se soubesses aferir os aniversários do tempo
carregas as drusas da melodia nas costuras das portas,
esqueces as ranhuras entre as flores
a um toque irresistível de Bach,
trazes à mão o bailado para saciar a fome do som,
e deixar somente o fragor das palavras,
arrebanhando árvores de céu, de lavra,
sobre o clamor da sombra feliz da tua morada,
linguagem de pássaros na compulsão do verso
a verdade não é nada; o que crês ser a verdade é tudo.
regressas à primavera dos invernos, trazes sóis, pois te acendem as faces, no fio luminoso que não pensa florir - é a esfera dos arcanjos voláteis que notas, porque é no ar das estrelas que surfas e descobres que és multidão, que és música à dança da alma - terra que te segue."
Como é possível notar no mesmo poema, as outras artes fazem parte do fazer poético da escritora. Em outros, ela fala em "tintas" e "claves".
Entre os poemas de amor está "Éramos a nossa pele rouca":
"Quando um pequeno cílio se abriu no meu peito
Senti, os teus olhos se enraizaram nos meus.
Aquela folha inerte sabe que há um rosto
que a deseja de outra cor.
A ficção sem corpo e sem alma
foge do olho nu - porque nada nela é inteiro.
Então eu existi porque existias comigo."
Pode ser um poema de amor, mas pode, novamente, ser metalinguagem e, nesse caso, bastante discreta e bela, uma dubiedade que torna o poema bastante belo.
Os jogos de sentido também estão presentes no livro de Tere Tavares, como em "FloRir": "E nos tons distantes dissolveu a modorra,/ o siso de viver: Flor Ir... é preciso." E o poema espelhado na outra página, "Garbo", nos derrama aos olhos e ouvidos os seguintes versos:
"E porque os seus sonhos musicais saltitavam
é que havia dança
E porque suas asas ainda não existiam
houveram girassóis
E porque seria pássaro algum dia
deixaria para sempre de ser cativo
E porque o voo é inesquecível
inscreveria a eternidade
com o crivo silencioso dos corajosos."
Parece que Tere Tavares se apropriou da capacidade de se comunicar como os pássaros, ou seja, com beleza e melodia. "A linguagem dos pássaros" é um livro conceitual, bonito e bem amarrado. Uma leitura inspiradora.
http://www.editorapatua.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=273&Itemid=53
VIVIAN DE MORAES é escritora, com três livros de poesia lançados de forma independente, com tiragem de 200 cada, entre 2012 e 2013, rapidamente esgotados. São eles: “Sonetos Sombrios”, “Poemas e Canções” e “haicais/ vivian/ de moraes”. O quarto livro de poemas sairá pela Editora Patuá nos próximos meses. Jornalista não atuante, mantém dois blogs literários com resenhas de livros das editoras Patuá e Companhia das Letras, respectivamente: amuletospatua.blogspot.com e resenhascompanhia.blogspot.com, além do seu blog pessoal (viviandemoraes.blogspot.com). A autora já foi publicada por revistas como Cult, Pacheco, Samizdat, Zunái, Gente de Palavra e Mallarmargens. Seu próximo projeto é a edição eletrônica da Revista Nefelibata, cujo primeiro número deverá ir ao ar até janeiro de 2015.