quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Texto do livro Diário dos inícios - Fortuna Crítica

 


Esquece o desespero o desprezo. Esquece que te desfolham. Esquece que a beleza tem a tez do esquecimento da esfera que se desorienta de ti. Recorda apenas de esqueceres e finge que estás alegre como as cordas de um piano. Lembra-te excessivamente que precisas de alguém que carregue o teu semblante que não prescindes do teu querer para ser o que quiseres. Torna finda a estrada o rito o ritmo a retórica a ingenuidade calada dentro dos teus abutres anônimos. Lembra-te do rebanho que é tristeza é lividez é mundo e anonimato. O misticismo. O minimalismo. Reconduz o fundo inescrutável dos teus horrores quase canções e cais. Abandona a beleza estrada desespero desprezo montanha ritmo rito canções cais mistério. Desesperada e exata é a náusea. Imita Deus quando te deres conta que és rebanho destroçado por que precisas das memórias alastradas no teu sangue mutilado na multiplicação incontável que te tornaste. Sê mais a alma e menos quase e nada. Reafirma o teu invólucro passageiro. Do ser da espera do erro da montanha do modo do para sempre. Sê apenas. Por ti.

Do livro Diário dos inícios, Metanoia Editora, RJ, Selo Mundo Contemporâneo Edições, 2021 – Tere Tavares

 

Francisco da Cunha

O seu texto-ensaio, Tere Tavares, anuncia um estilo de escrita muito pessoal, que se poderia situar entre o espaço ficcional e o do ensaio paramentado de energia poética. Tenho reparado no seu texto, este, por exemplo, que ora estou lendo, que há algo inusitado na sua prosa/poesia na qual o ritmo frasal, o recurso estilístico-sintático, apresenta uma a sucessão de palavras ou frases encadeadas que subverte a regra da norma da pontuação em língua portuguesa. Quero dizer, as frases ou palavras são plantadas na linha do texto sem o sinal de pontuação que se esperava gramaticalmente, no caso, a vírgula, provocando, assim, a novidade estilístico-fônica-rítmica. Decerto isso mereceria um estudo mais profundo tomando o todo da obra em questão ou mesmo vendo se tal ocorrência aparece em outros livros seus. 

 
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Aquisição  do livro pode ser feita na Editora Metanioa, RJ pelo linkk abaixo:
https://loja.metanoiaeditora.com/diario-dos-inicios


segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Fragmento do livro Destinos desdobrados de Tere Tavares - Fortuna Crítica

 As piores feridas são as invisíveis.

Fragmento do conto "Antigamente", Destinos desdobrados, contos, Ed. Penalux 2021
Tere Tavares


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João Esteves
Senti-a aqui perfeita e incrivelmente harmonizada com a voz de Emily Dickinson em seu poema "There's a certain slant of light", embora ambas tratem de temas diferentes, com diferenças também de lugar, momento histórico e idioma.

Francisco da Cunha
Onde a beleza do texto e da arte se dão as mãos e suscitam elevadas discussões em torna da dor humana, a dor na sua dimensão mais íntima.
Sempre bom receber um nova postagem sua, dileta escritora e amiga, Tere Tavares. As artes plásticas sobretudo na contemporaneidade diante das avassaladoras mudanças de concepções do mundo, da vida, da tecnologia e da da Natureza-Mãe, agora em grande risco de afundar-nos nos abismos construídos pelos homens maus: os chamados líderes mundiais que, em vãs promessas mentirosas, não querem enxergar o perigo que nos espreita como seres vivos da Terra. Daí que as artes e a própria literatura : os temas que são imensos diante dessas modificações rápidas, deverão ser tratados no campo da ficção e da poesia, sobretudo. Realmente, "as piores feridas são as invisíveis"

Severina Etelvina Silva
Por isso elas devem ser expressadas, caso contrário ela sufoca o corpo e mata a alma preciosa: Tere Tavares .

Guida Luis
Absolutamente de acordo, querida amiguinha Tere, refletindo nisso deixo aqui um poema de Carlos Drummond de Andrade:
Os Ombros Suportam o Mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Publicado em 1940, na antologia Sentimento do Mundo, este poema foi escrito no final da década de 1930, durante a Segunda Guerra Mundial. É notória a temática social presente, retratando um mundo injusto e repleto de sofrimento.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Fortuna crítica de um texto de Tere Tavares - do livro Campos errantes - contos 2018

                                                                Arte: Tere Tavares
 


Minah

Hoje se cumpre algo mais que uma razão para sorrir um vento mínimo que se instala na garganta e alcança os pulmões adoecidos de uma alegria quase indigente. Ardoroso é o torpor que lhe sai pelas narinas de um tempo tenro e terno como quando havia infância para segredar a orfandade não se sabe por que pacto reza ou culpa. Os afinados esmeros do destino, sem ordem alguma, debulham-se como finas e longas pernas de ave, como se beijassem seu futuro, ainda sem rosto e sem lágrima, por que oculto nas ondas proibidas pela febre e pelo ar pegajoso, rijo como uma pedra que lhe cai sobre os cabelos de seda, deixando-lhe o contraste de uma paz nunca escrita – a órbita a cada guerra. Há quem de si tenha saudade. Aquela de ter sido. E de ter-se ido. A respiração sem angústia seguindo-se nos entretantos, serenando-se em todas as idades que já fora olvido, armadura. “Tudo muda no pouco que me alcança com um capricho silente, incasto. Pertenço a essa inescapável condição humana que, por ser excessiva, é quase nula. Só os ossos sabem sobrar nessa cápsula amarga. Quero distanciar-me do diz-me o que não és para que eu diga o que nunca sou ou fui como essa vegetação que se salvou das explosões. Quero agora uma gota de chá que deixe o cinza menos refratário. Quero esperar tranquilamente pelas espáduas setembrinas e pelas estrelas inconsumíveis enquanto regresso à casa das rotulações inclinadas. É o sabor da novidade que espreito nas diferenças que sobejam entre a sabotagem e o jogo. A palavra ausente de impurezas”.
Minah inebria-se. Alma acima dos rios ainda não conhecidos dos mastros dos navios. Rabisca um firmamento particular, um planeta novo, um coração intocado, sem ser a inapta atitude da servidão. Colhe o arpejo recolhendo-se como uma ostra. Por mais que ela se esforce só diz que não encontra forma de dizer onde termina a inocência – esse precioso sentimento que perfaz a grandeza de ensinar e aprender. Finalmente se prostra por ser pequena, e quão pequena, para intuir a enormidade. Que a passagem sabe-a infinita, sofrida, assustadiça, mas também salvadora. Porque os olhos nunca se calam nem abafam o canto.
Conto do livro "Campos errantes" contos - Penalux, 2018- Tere Tavares
Arte: Tere Tavares 

Fortuna Crítica:

Francisco Da Cunha
Trata-se, enfim, de uma narrativa que, de forma harmônica, une poesia, ficção e um viés filosófico, porquanto é, no plano da inventividade de sentimentos e ações, de abstrações e concretudes, de antinomias que, muitas vezes, encontro em alguns versos pessoanos. Ou seja, o texto de Tere é plural afirmativo, negativo, contraditório, mas todo ele é permeado do poético. É difícil apreende-lhe as estruturas temático-liguísticas ou metalinguísticas nessa escritora que me parece escrever por encantamento diante da palavra escrita e do pensamento múltiplo de que se reveste sua perfomance e competência literária. Não é uma escritora que se presta aos esquemas de alto nivel de narrativas do seculo XIX, quer dizer, de uma forma, ainda que genial) da tradição literária. Ao contrário, a sua narrativa, que é de tessitura contemporânea mas sem abdicar de sabores clássicos percebidos semanticamente aqui e ali, centra-se mais em dois pilares básicos : a) na poeticidade e b) na linguagem voltada para si mesma como forma de tentar entender ou interpretar personagens, conflitos individuas ou coletivos , ações, tramas, espaços, tempos e sobretudo procurar dar um mergulho na precária e imprevisível condição da existência humana.

Adir Luz Almeida
Lindo demais. Tere tem uma escrita poética que me encanta.. Tere é, para mim, a personificação da sensibilidade!!

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Meu livro, Destinos desdobrados na leitura e resenha de Nic Cardeal

Na sua coluna "Minha Lavra do teu livro" de Nic Cardeal, que vai publicada na Revista Ser MulherArte e transcrevo na íntegra



:

A PALAVRA EM SEUS 

'DESTINOS

 DESDOBRADOS'


“A Literatura é um estado de alma, uma sensibilidade inata que se talha na constância e na curiosidade: haveria como moldar a alma sem ferir-se? A pele que me veste é uma estratégia. O sonho, quando consciente, é quase a antecipação da realidade. Que essa outra forma de parecer real me seja perene, porque todas as realidades são relativas conforme se adentra na engenharia do mundo.”
(Tere Tavares, in: ‘O aroma da alma ou todos os nomes’, Destinos desdobrados, p. 101)

DESTINOS DESDOBRADOS é um dos mais recentes livros de TERE TAVARES, publicado pela Editora Penalux em 2021. Na maioria dos 73 contos, curtos ou longos, a escritora escreve sobre mulheres, ora sendo a própria protagonista, ora escolhendo suas personagens e as esmiuçando, na busca pela compreensão da alma feminina.

Logo no primeiro texto, deparamo-nos com seu testemunho explícito pela necessidade da palavra para a sobrevivência da mulher no mundo:

“Começo a desorientar a realidade. A ficção nada mais é do que um naufrágio salvador, um outro aspecto do real que possui suas próprias vertentes. Escrevo, seja qual for a estação, porque sou uma eterna enamorada por palavras. Algo de mágico exala-se da paciência que não sei ter. Não se trata de pressa, mas de uma espécie de urgência na mente, a travessia do espanto que me exila da assoberbada lonjura do tempo, da injúria que tenta subtrair o Sol do meu rosto e, inglória, abate-se antes de atingir-me. Enfrento o terror da estrada coberta de perigos, o pasmo ante o silêncio sombrio da morte, o desmoronamento; é tão profundo mergulhar na alma que me reformula como se argila novíssima.
O ritmo vivo do meu ser rente às flores, testemunha-me o sorriso. Dá a ti mesma esse presente e destrói os ídolos, diz-me a voz desde a primeira fêmea nascida. Irmana-te a todas as mulheres que foram testemunhadas pelo assombro. Não coadune com a exortação prenunciadora da perda da sanidade e da aceitação da mentira dos milênios que te concernem culpas e incúrias. (...)” (p. 14) (sublinhado meu).

A escrita de Tere Tavares, embora seja narrativa, também é prosa poética, pois encontramos pura poesia em seu modo de dizer, que me faz lembrar muitas vezes da 'introspecção', ou do 'lirismo' de Clarice, como mencionou Chico Lopes sobre Destinos desdobrados"(...) Certamente, vemos aqui o mesmo lirismo desenfreado, a perplexidade existencial constante, de uma Clarice Lispector em "Um sopro de vida" (...)".

Tere demonstra que é possível, sim, a plenitude da palavra, ainda que na (in)compreensão do universo feminino. Seus contos são permeados de tons filosóficos, de percepções, de insights, de denúncias do cotidiano, e é como se a autora, por meio de suas personagens, desdobrasse os destinos de todas as mulheres em múltiplas possibilidades de compreender o quase intraduzível sentido do feminino – apenas compreensível [ou quase] por aquelas almas que se atrevem a vir à Terra ‘vestidas’ de mulheres. A autora pesquisa a vida em seu âmbito cotidiano – ao mesmo tempo atenta às reflexões, metáforas que o permeiam, como uma fiel observadora das linguagens sutis da alma humana – trazendo à escrita um aviso: é necessário que o mundo se subverta em novos futuros – onde a mulher seja reerguida, considerada em pé de igualdade ao sexo oposto. Por isso mesmo e, creio que propositalmente, seus contos sejam ambientados nesse 'estranho agora', para que possa extrair de suas personagens a urgência que todas sentimos – de nos resgatarmos do luto que perdura há séculos: o luto das violências machistas corriqueiras, misóginas, que nos deixam constantemente atordoadas diante da realidade. Então, ela escreve: “(...) Pelo fim da violência contra o ser feminino (...)” (p. 18); ou, ainda: “(...) No Brasil, morre uma a cada duas horas, de cruzes, de fogueiras, de facas, de balas, de murros, urros, assédios, estupros e vociferações, pelos motivos mais torpes, ou mesmo sem motivos (...)” (p. 132). E adverte:

“(...) Quem escreveu a história sempre foram os misóginos que tiveram em mente um único ponto de vista: as mentiras e a crueldade dos carrascos e dos opressores. Por mais que o tempo passe, a história não erradica a herança dessa ancestralidade; chão de contínua e imperdoável tragédia. Só é possível compreender o mundo com os princípios do ser verdadeiro, a liberdade ampla, o respeito mútuo, a compaixão e sabedoria.
O que nos torna verdadeiramente humanos é a palavra, ainda que não seja pronunciada" (p. 65).

Nós – mulheres (e, quem sabe, alguns, vários, muitos dos homens?) – reconhecemo-nos em Tere Tavares, nas suas mulheres de Destinos desdobrados – 'Umadelas', Aborim, Ela, Deméter, Junaha, Hastha, Menimma, Thessa, Thuarta, Nidaba, Mirmaha, Thagiah, Luiha, 'Vidaedor', Teresa, Tebash, 'Amulherqueescondiaorosto', 'Amulherquefoimãe', Lívia, Lisvaliasa, Freya,  Mirnia, Flordelis, 'Amulherquedesejaser'... quantas mais? – mulheres-metáforas, mulheres-palavras, mulheres-urgências! Porque somos insubmissas e intranquilas, sufocamos ou gritamos, somos sobressalto e quietude em um só ato, porque, como bem disse Gustave Flaubert (citado por Tere), “a mente humana é comparável a uma borboleta que assume a cor das folhas em que pousa. Você se torna o que contempla” – não apenas por fora, no mundo em que caminhas, e mais ainda por dentro, nos campos em que tua alma – original – habita! E a autora anota: “Minha mais bela obra de arte, talvez, seja minha própria vida” (p. 23). Quiçá seja por isso que as mulheres ecoem uníssonas entre passado, presente e futuro, em cada uma de nós:

“(...) Rio, com desespero, as mulheres mães filhas meninas avós que ressoam em mim e dançam em torno da ceia as injustiças que lhe são impostas [todas elas se estampam, impiedosamente, nas instantâneas manchetes midiáticas e logo são esquecidas, enterradas, pranteadas e, contudo, gritam: até quando a tirania sobre o nosso ser, esse caminhar como personagens-espelhos de um solo incerto, sendo servas ou cevas da banalidade e do crime?]. Rio, como um ato de denúncia e revolta perante o inevitável, rio do que minha memória ajunta; rio da solidão; na sorte e no infortúnio, rio de mim; toda a dor sucumbe quando encontra o riso: essa é toda a fortuna, o único pilar que pode levar-me a alguma felicidade, então eu repito como se gritasse, para todas, um porto, uma pista, uma faísca: ama, antes, a ti mesma, ou tudo será em vão. Porque é preciso justificar a velocidade da vida. (...)” (p. 33) (sublinhado meu). 

A autora parece se tatuar em cada texto, como se os vários destinos de si mesma, no universo da escrita, também se desdobrassem em realidades paralelas, onde sua alma navega – íntegra – ainda que feita das múltiplas peças de um mosaico. Nessas suas ‘tatuagens metafóricas’, encontramos diversas reflexões sobre seu viver no mundo. Por exemplo: “(...) Que o pesadelo é estar acordado, que o Universo nem sabe que existimos, apenas compreendemos que temos um papel, um átrio onde agimos; isso nos importa e é parte do que tanto investigamos; nanopartículas, nanométricas, nanofios mensuráveis ou anônimos, mas sempre em movimento a traçar os destinos. (...)” (p. 71). Embora essas ‘tatuagens’ sejam em sua  maioria femininas, a palavra de Tere é amplificada para além do gênero, da forma, da matéria. Seus contos não são apenas contos de narrativas estanques no espaço e no tempo. Não. São devaneios metafísicos e, pensando assim, lembro do filósofo e poeta francês Gaston Bachelard: A imaginação, em nós, fala, nossos pensamentos falam. Toda atividade humana deseja falar. Quando essa palavra toma consciência de si, então a atividade humana deseja escrever, isto é, agenciar os sonhos e os pensamentos. A imaginação se encanta com a imagem literária. A literatura não é, pois, o sucedâneo de nenhuma outra atividade. Ela preenche um desejo humano. Representa uma ‘emergência’ da imaginação (in: ‘O ar e os sonhos’, p. 257 – sublinhados meus). Em seus devaneios, Tere Tavares escreve contos que se entrelaçam em uma única meada, pois podemos lê-los como fios condutores que nos conduzem a uma mesma direção – aquela da 'consciência de si' de que fala Bachelard, que vai preencher essa emergência da imaginação humana – como UM todo. Então, é como se finalmente acordássemos do sonho por dentro de nós, sob o olhar 'clínico' de C. G. Jung: “Quem olha lá fora sonha, quem olha por dentro acorda” (também citado por Tere, p. 73). E, nesse meu devaneio sobre os devaneios de Tavares, volto a citá-la: “(...) Às vezes, o afeto é como um fio finíssimo que, para viver, necessita apenas que o saibamos unir para que nos acompanhe para sempre, como um contínuo fato de resistência. Há que multiplicar os olhos usando todos os sentidos, os visíveis e invisíveis. (...)” (p. 87).

Sim, os Destinos desdobrados de Tere vergam-se até que ela mesma também se desdobre quase biograficamente – na metáfora da palavra o escritor constantemente se desenha – e nós, leitores atentos, teremos a possibilidade de reconhecê-lo, ainda que sejamos [todos] limitados em nossa capacidade de decifrar o outro. Ela diz: “(...) Se me perguntarem da Mulher anterior a mim, direi que a conheço porque dela sou descendente; se me perguntarem da Mulher que represento hoje, sou eu, e eu não me conheço, e, nesse não conhecer de mim, eu caminho sabendo do rumo que não chorará o balançar das minhas saias e saídas, do tempo lento que, como o piar de um pássaro, sustenta as asas que não sei ter, porque sou humana e voo no imaginar. (...)” (p. 97).
 
Há muitas perguntas nas reflexões de Tere Tavares. Ela sabe disso, porque diz: “tudo existe na procura” (p. 105). Por isso, seus contos se sucedem em uma contínua busca por respostas, fazendo-me [outra vez] lembrar de Clarice: “Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever” (in: ‘A hora da estrela’, p. 15). Ao mesmo tempo em que procura, Tere já sabe de antemão, como se lesse em si mesma o presságio da palavra: “(...) Nada tenho a dizer, senão que a vida tem sua própria sabedoria e, embora o esforço, nem sempre compreendo tudo. Viver cada momento, ultrapassar cada linha que se fecha no horizonte, rir à vontade ainda que haja motivos para não rir – eu te compreendo e estendo as minhas mãos, ouso ser todas as mulheres que te possam dar sossego, mesmo ao seguir-te sem que repares, erguendo-me como irmã ou amante ou mãe, de um sangue anterior ao meu, ao nosso, talvez a que não se importa com a garganta do tempo: imaginando-o pelo tremeluzir dos olhos, prevendo o quanto ainda viverás e, que o fim, quando vier, será indolor (...)” (p. 144). Talvez, por esta razão que a autora não sossegue da escrita – ou será a literatura seu melhor descanso, na tarefa tantas vezes extenuante de viver? Quem sabe... então, ela diz: “(...) Só a alma é capaz de responder e, comumente, ela nada exige senão que a encontremos em nossa armadura de carne e osso (...)” (p. 99). Penso que Tere Tavares já a encontrou, pois sobre ela – a alma – escreve sua palavra. Ela também já sabe que nenhum voo será tardio, porque somos – todos os que navegamos nas 'escrituras' – os construtores da imaginação. Quando regressarmos aos ‘princípios do devaneio’, como já advertira Bachelard, por certo compreenderemos que o voo não está na asa, nem o caminho nas pegadas – “porque tudo é vastidão” (p. 169).

(Nic Cardeal)


    capa do livro Destinos desdobrados 








Dois contos de Destinos desdobrados:

1)

LAGO

Os pássaros – esses seres que não refutam a própria cor: ela poderia falar a vida inteira sobre eles. A Natureza toda lhe é motivo de palavras e emudecimentos. Como ontem, quando andou sob o olhar das araucárias, uma delas recebeu seu abraço enquanto seu companheiro a aguardava. Esqueci-me de tudo, por instantes, mas não de ti. Ela disse. Eles observaram o quero-quero que, receoso, afastava-se, a garça pequena à beira do barranco, seus passos conjuntos brilhando n’água. Viram o martim-pescador entre os galhos de uma árvore baixa semelhante ao mangue. Conversaram, ao longo do percurso, sobre os filhos. Do quanto ambos se maravilhavam em vê-los adultos e seguros por lhes terem dado a liberdade de se encontrarem e se aperfeiçoarem continuamente. No retorno, estampavam-se em flocos, as azaleias arroxeadas, ainda com orvalho entre as pétalas. Ela guardou o chapéu de largas abas na mão esquerda. Quis falar-te dessas palhas trançadas e uma sílaba aquática saltou de junto aos peixes com o silêncio da profundidade: o que é, para mim, sublimação; essa água pura resgatando-nos para um amanhã de trilhas diáfanas que ainda não conhecemos. Enquanto a grama se aquece, o mulungu – cuja tintura induz ao sono profundo – abre mais uma flor excentricamente vermelha. A gama de sombras quase secas, esse amor ameno, sucinto e translúcido laço a nos dar direções para além desse lugar extremo que nos permite durarmos – por querermo-nos tanto. Ela disse e ele sorriu-lhe: Somos tanto, juntos!

(pp. 68-69)


2)

MEDITAÇÃO 

O tempo, esse ser ausente, tem suas maneiras de acordar-nos. É uma dádiva, uma carícia abrir os olhos a cada manhã.

A linguagem é pluralidade em si mesma, não se esgota jamais, e se engrandece na criatividade, na engenhosidade e maestria. Engana-se quem pensa que há facilidade nessas tramas, tampouco há dramas, mas se tu amas as palavras fazes delas escritas em fases, ases a jogar nos mares da leitura. Como alguém que respira avesso aos estilos de nados e que não se submete às águas pesadas, à turbidez excessiva. As gotas de luz emanam do céu e se arredondam à minha janela como lágrimas invertidas. Nada é prematuro, nada é tardio. Tudo é agora. O som me encanta e interrompe a dor por alguns momentos.

(p. 84)


Tere Tavares


TERE TAVARES é natural de São Valentim/RS e atualmente reside em Cascavel/PR. É escritora, pintora e artista visual.

Fez parte da Mostra ‘Poesia Agora’, em 2015. Em 2018, concedeu entrevista ao ‘Como eu escrevo’; e, em 2020, ao ‘Café Pós-moderno’ da ‘Obvious’, sediada em Portugal. Também em 2020 publicou diversos textos no’ Museu da Língua Portuguesa’, no projeto ‘A Palavra no Agora’. É participante do ‘Portal Lusófono Lítero-artístico EscrtArtes’. Integra a ‘Academia Cascavelense de Letras’. Edita o blogue ‘M-eus Outros’.
 
Participou de publicações em diversas revistas literárias virtuais, tais como: ‘Germina – Revista de Literatura e Arte’; ‘Escritoras Suicidas’; ‘Mallarmargens – Revista de Poesia e Arte Contemporânea’; Revistas ‘Fénix-Logos’ e ‘EisFluências’, de Portugal; Revista ‘Soletras’, de Moçambique; ‘Vitabreve – Revista de Arte e Cultura’; ‘Acrobata Literatura – Artes Visuais e Outros Desequilíbrios’; ‘Amaité Poesia & Cia’; ‘Fotos e Grafias’; ‘Escrita Droide’; 'Germina- Revista de Literatura e Arte' ‘Quatatê: Página Brasileira de Poesia do Mundo’; ‘Revista Ser MulherArte’; entre outras.
 
Participação em coletâneas e antologias: A arte pela escrita III (Portugal, 2010); Saciedade dos Poetas Vivos (vol. 11, 2010); Cartas ao Desbarato (Portugal, 2011); A arte pela escrita IV (Portugal, 2011); A arte pela Escrita VIII (Portugal, 2015); Antologia Poética 29 de abril 
 o verso da violência (Patuá, 2015); Sobre lagartas e borboletas (Selo Editorial Scenarium, 2015); Aquafúria  uma antologia de poetas sedentos (2015); A arte pela escrita IX (Portugal, 2016); Diversos – poesia e tradução (Edições Sempre em Pé, Portugal, 2016); I Antologia digital de poesia ‘Porque somos Mulheres’ (Revista Ser MulherArte ,2020); Antologia ‘Parem as máquinas’ (categorias poesia, conto e crônica, Selo Off Flip, 2020); entre outras.

Livros publicados: Flor essência (poesia, edição da autora, 2004); Meus outros (poesia e prosa, Coluna do Saber, 2007); Entre as águas (contos, edição da autora, 2011); A linguagem dos pássaros (poesia, Patuá, 2014); Vozes & recortes (contos, Penalux, 2015); A licitude dos olhos (contos, Penalux, 2016); Na ternura das horas (ensaios, Assoeste, 2017); Campos errantes (contos, Penalux, 2018); Folhas dos dias (e-book, ensaios, Selo Ser MulherArte Editorial, 2020); Destinos desdobrados (contos, Penalux, 2021); e Diário dos inícios (poesia/ensaios, Meatanoia Editora/Selo Mundo Contemporâneo Edições, 2021).

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Fortuna crítica para textos e artes de Tere Tavares

 Pinturas

O lugar uma pequena praia, a hora o final da tarde, o personagem o mesmo – muitos e ninguém, todos e nenhum – imaginários de um mundo, de presenças ausentes.
E um veneno me cobre o corpo. Outra vez a dor dá a certeza de que isso não mata. Então eu vivo pelo que precisa de mim, porque adivinho o que se passa na minha cabeça. Eu prometo não prometer nada senão cumprir a promessa de não prometer.
Juro, a minha jura é verdadeira. Juro a verdade pela sua raridade. Choro pela florescência que aflora perto de mim, e pelos gestos que se perdem no mundo e não brilham sobre as pessoas e sobre o mundo. Eu choro pela galáxia suspensa na axila de uma política ruim de um político mau que nem se importa se vou estar aqui amanhã ou se a desconhecida não sabe que a conheço e falo com ela. Eu falo de coisas grandes de pessoas pequeninas que jamais perdem a graça; os prismas de uma grandeza de um pequeno hoje, que pode ou não se repetir.
E por isso atendi os pincéis naquele plano. Então pintei a esperança no sorriso daquela mulher de vestido branco. E suas mãos finas escondi sob a cabeleira que se derramava sobre os ombros corajosos. Eu lhe dei um tom mais branco no rosto e proclamei a transparência da sua felicidade. Eu lhe dei uma casa com telhas novas e vasos de cerâmica no jardim. Eu lhe dei um par de olhos e uma boca de meio-sorriso imitando a Mona Lisa.
E suas belas formas estão refletidas em tudo o que é da sua natureza. Apesar do meio-sorriso, ninguém imagina uma inteligência fora do comum por trás do carmim daqueles lábios e o fulgor daquele olhar. Nem triunfos, nem menos valia. Eu a pintei apesar de tudo. Eu lhe dei as nuvens claras e o sol iluminado. Eu lhe dei o céu mais bonito que pude ver.
Outro dia, quando for novamente amanhã, lembrará de ontem e de hoje de uma forma tão particular que nada se parecerá com algo que tenha sido somente um tempo ido.
do livro "Meus Outros" (2007) By Tere Tavares

"Flor de Maio" -OST- 50x60 2007
By Tere Tavares

Carlos Emílio Corrêa Lima (In memoriam)

Seu conto “A Viagem” , de seu livro "A licitude dos olhos" é uma revolução narrativa, estrutural, imagética, algo realmente extraordinariamente inesperado em nossa literatura brasileira. Tê-la como escritora nesse país é um privilégio cultural, estético, de larga indução, amiga Tere Tavares.


José Maria Alves Nunes
Com o esmero e competência característicos.

Marie France Bonnefoy
Magnifique portrait bonne journée mon amie.

Antonio De Jesus Anjes
Ela pincela com a fluência que os outros verbalizam os seus sentimentos. Porém, nem todos conseguem dizer o que ela diz nas pinceladas de diferentes matizes. Outro dia, olhando em seus olhos, vi bem no fundo da sua alma, pincéis e caracteres brincando de contar histórias que só ela e uns poucos privilegiados amigos seus conseguem ver e entender. Azuis dizem da sua paixão pelas ondas do mar. O branco, dos embates entre a força das águas e a dureza das rochas teimosas das águas rasas dos costões onde ela costuma passear, pés descalços. As ondas, enciumadas, apagam as suas pegadas na areia. Já a sua alma, tem a profundeza das paragens abissais, onde ela se reserva para tricotar contos e poemas de rara beleza. E, em silêncio, coleciona uma a uma as suas deliciosas conchinhas literárias e as telas sobre o seu tema recorrente: as belezas do mar.

Francisco Da Cunha
Trecho de um livro que me parece lidar com a reconhecida matéria poética de sua ficção . A linguagem é tudo que, em primeiro lugar, sinaliza a ficção de Tere Tavares. E, na narrativa, instantes há de poeticidade com crítica social. Combinar beleza de formas de linguagem artística e plasticidade com alusão à má política me parece uma função literária de alta relevância ao papel de um escritor em qualquer parte. Uma observação: o quadro de pintura é belíssimo e cheio de vivacidade de espírito. Parabéns.

Giovanni Francomacaro
Bellissimo...Questa vota un'ottima traduzione, da brividi. La Piccola Venere si colloca fra cielo e terra, e pare accogliere, ma nello stesso tempo respingere lo sguardo. Essa ha il pudore e la meraviglia dell'adolescenza, che ogni donna porta con sé per tutta la vita, anche se divenire grandi significa crescere nel dolore.

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Abaixo, fortuna crítica do conto "Live the life" do livro Destinos desdobrados, prosa, 2021, Penalux. By Tere Tavares

Maravillosa Tere Tavares:
..."para a claridade do sentir." 

Dorotea Duval Son palabras tan extraordinarias en su simpleza que solamente un alma de poeta y visionaria puede expresar su significado. Querida amiga, me han llegado al corazón y en este momento son como un oráculo precioso. Gracias al Universo que te ha dado tanta luz y la generosidad para darlo a todos que te aman.

Dorotea Duval  La hermosa lengua portuguesa puede registrar matices de una finura infinita y Tere Tavares es una sacerdotisa de ese rito maravilloso: "la claridad del sentimiento" resulta un logro maravilloso del ser humano pleno y completo, un equilibrio perfecto ente la razón y la emoción, un don de los ángeles.. Una frase como esta justifica cien años de oír estupideces vacías. Adoro a Tere Tavares, un sol, una luna, un Universo, un tesoro...es como amanecer con La Luz que nace, con el canto sabio de los pájaros, con el olor sanador del bosque y del mar, con un fuego sagrado en el corazón.

E, abaixo , mais algumas manifestações de Dorotea Duval, sobre escritas e pinturas:

Dorotea Duval Mi querida amiga Tere Tavares, en tus palabras, en tus imágenes pintadas, en tus fotografías... en todo lo que haces hay siempre un "ainda mais", un algo más iluminado por la presencia de tu inmenso Espíritu. Creo que todo lo que haces y dices no es sino la manifestación de Algo Superior que necesita ser expresado para que lo tomemos en este estado en el que estamos. Eres un Ser de Luz. MARAVILLOSA reina de las palabras y del cariño inmenso a la sabiduría perfecta. Tere Tavares, Es un don de Dios: hermosa, inteligente, humilde, talentosa... Una verdadera maravilla que nos colma de amor con las palabras y las imágenes nacidas de su alma. Es un honor conocerla.

Dorotea Duval, perfil do facebook, de uma mulher extraordinária, cidadã do mundo, plena, de espírito livre, engrandecendo a todos com sua existência. Ela se descreve(ia) assim: Dorotea Duval. Nacida en Detroit en 1927, de padres españoles. Viví en Francia y España. Actualmente vivo en Riano, Lazio, Italia.
Tem ainda um perfil dela aqui: 
https://www.instagram.com/rosasdeinvierno/