Acaba de cruzar o Atlântico, direto de Portugal para minha casa,
a Coletânea de prosa e poesia - 2015 -"A Arte pela Escrita Oito"
da qual participo com as prosas "Depois do céu", "Estro" e "Acácia", numa publicação conjunta com EscritArtes Goretidias e a editora Mosaico de Palavras.
Gratidão imensa à Goreti Dias e Dionísio Dinis pelo convite. Parabenizo-os pelo belo formato e conteúdo da Coletânea, resultado do excelente trabalho e dedicação à Literatura. Parabéns também a todos os participantes de todas as nacionalidades. Tim-Tim!
Acácia
By Tere Tavares
Onde se esgarçavam os labirintos sorridentes do céu? Quando se despira a noite para que dançassem sobre si as estrelas?
“Os peixes beijam arbustos à linha da água que se perfila na argila da minha alma. Teu corpo. Eu sorrio para que venhas banhar-me a fronte com o burburinho dos pássaros. Será que o sono dos pássaros é um dormir? Germinei em ravinas as telas melódicas da realidade. Como dizer-me se não seria eu a falar o motivo da minha vinda incontornável. Numa lua que não vejo, penso cultivar o teu sorriso telúrico, a tua tez de orvalho num incêndio sem direção a ranger no horizonte, onde nascem as ancas anônimas do recomeço. Alguém indica onde está o arborescer que falta? À boca das proas alicerçadas nos teus olhos de harpa, tuas mãos de navios dedilhando-me em lentíssimas vagas, docemente”.
Inventou a luz, mas as estrelas não se perderam. Precisava de um manto para encobrir a desilusão na perícia inconclusa das metamorfoses para suster os pontos ínvios, coragem era tudo que lhe restava – mesmo ante o medo de perdê-la. A espessura lúcida evidenciava a volúpia vital que lhe envolvia os lábios, no diafragma das primícias diluídas e sem regresso, para onde confluem as palpitações das pedras, os alvéolos do vento. Não é somente as cepas de um espécime extinto ainda tilintando num sem rumo de solidão soprando-lhe os ombros, num tropeço entre espuma e água: marés, dardos e grãos.
“Não nos perdemos, apenas nos distraímos. Sabes? Aquele tempo incolor em que descascamos. Como gravetos de chuva. Criamos beleza, nunca o distanciamento”.
Então pousou os olhos sobre o seu brilho. Seu corpo. A terra em mais um pomar consumido em seu início intacto. À sua similitude.
Escreveu esquecendo o tempo, abstraindo-se de tudo. As palavras pululavam em sua mente, num primeiro momento, fragmentadas em pensamentos e sentires, para não furtar-se à sinceridade dos personagens. O leitmotiv surgiu-lhe a partir da reflexão sobre o quanto é possível a des-configuração da imagem de si mesmo ou de outrem, ante os atropelos instados constantemente pelos acontecimentos e vicissitudes cotidianas, que a tudo querem dar forma brevíssima, por atalhos e caminhos imprevisíveis.
Deu lugar às paisagens que comumente não vemos, ao detalhe que muitas vezes nos escapa, nunca, porém, sem impregnarmo-nos dos seus rastros. Promoveu um prelúdio onde as emoções, aparentemente, se destroçavam.
O único e o outro, também único, tracejam, coincidem num pacto capaz de promover resgates, aproximações impensadas. Sentiu e quis insinuar ou subverter como objetivo daquele instante criativo, a possibilidade, sempre existente, de um momento de busca que se bifurca entre uma e outra alma. Como na confluência de dois rios: o encontro.
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Estro
“Há um Silêncio enorme em nós que nos chama acenando, e a entrada neste Silêncio é o começo de um ensinamento sobre a linguagem do céu. Porque o Silêncio é, em si, uma linguagem de profundidade infinita, mais fácil de entender porque não contém palavras, mais rica em compaixão e em eternidade do que qualquer forma de expressão humana. Não há nada no mundo que se pareça tanto com Deus quanto o Silêncio.” - Mestre Eckhart de Hochheim
Não sei se fecho os olhos reservando-me num ruído onde os casulos não vibram. Sou uma canção que navega impérvia, na espessura do limbo; uma erva errante que sucumbe sobre as pedras, isenta da sabedoria das vindimas e dos favos. A angústia é uma grade invisível, um anseio por gotas e fogo que me desarma. Com esse diminuto par de luas quero silenciar o incêndio, a água, os fins, o eriçar das épocas. A voz do que amo é um sorriso, um salvamento que se dissipa para desordenar-me. Minha pele é uma canoa que guarda o momento de ser nascente e rio e mar e foz. Algo é brisa e é renúncia e esquecimento ou vício em meus azuis anúncios. Desejo ver na minha nudez a serenidade que cobre a fuga, o jejuar da palavra, a migração das mariposas sem destino. Ou ninguém. Angelical e temporário, persistente como a juventude, como o sol que se recolhe numa pausa sem pálpebras. Não me dei conta das escalas profusas, das perfurações que se desprendiam numa linha indevassável e quase definitiva, inquirindo-me impiedosamente, onde eu havia perdido o melhor de mim. Onde estive quando não estive comigo? Arrependo-me, mas não é suficiente... um pássaro sem murmúrios adormece-me o peito, como cios que não se findam, como a sombra que ilumina a estranheza difundida nas pupilas. Porque é o sol que faz girar a flor. Porque os olhos se acostumam com a luz e aceitam a circularidade retornando àquilo que precede e ofusca. Porque é necessário ser todos e nenhum.
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Depois do céu
“Ele [Deus] é a riqueza em profusão porque é Um. Ele é o primeiro e o supremo porque é Um. Por isto, o Um penetra todas e cada uma das coisas, e permanece Um, unificando o separado. Por isto é que seis não são duas vezes três, mas seis vezes Um”. (Mestre Eckhart de Hochheim )
“Tenho todas as faces, sou todos os rostos que desconheço. A palavra não se perde no candeeiro do horizonte e é sempre outra palavra. E tem faixas e agulhas lúcidas sobre o fervilhar azul da pele, o calor glacial dos nervos. Quando enfim se reconstituirão os meus ossos em nódulos robustos beijando-me como estrofes de orvalho postas num piano ou as tranças de uma rede perdida num sorriso ondulado, numa quase amnésia do vento, elã.”
Enquanto dormia despertou e viu que o amor era somente o amor.
“Arrisco a riscar o chão, coberto por flocos de solidão.”
O que lhe sombreia os ombros são os imensos letreiros arrebanhados nas restingas rudes, nas arenas vazias, são dorsos que destoam o drama das coexistências, os volumes e tramas dos vincos e vivências, intenções desmaiadas no encalço do que se ausenta e persiste e desencontra o tempo que soçobra nos movimentos e assoma em constelações supérfluas, em brilhos escuros que suplicam o arrematar das chuvas, dedilhando deidades e ferrugens, um sol resplandecente para ouvir-lhe a arte que arquiteta nos resgates das analogias e das contenções. Sabe apenas uma pista de si:
“Hoje fui a asa que não tive. Meu quinhão é a incerteza dos dias. Por saber a pássaros e prolongar-me neles.”
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textos By Tere Taavares