segunda-feira, 22 de junho de 2015

Adágios

Uva e Vinho - Aquarela 2014 BY Tere Tavares


Adágios

Entre aceitações e esperanças, a presença do temor não pressupõe covardia, ausência de lucidez ou verdade, porventura uma incorrigível curiosidade ambiguamente vivaz, não absoluta, pela mesma propositura de que nada é absoluto.

Como se o relógio caminhasse em inação, não recebia ecos no oco da emoção, solar – fruto do distanciamento que não obtinha. O chapéu e os óculos esquecidos, como o amontoado de endereços onde a ousadia escorregava por denunciar no rubor do silêncio o ridículo perdão da fala.

Objetando-se à hipocrisia, continua a dispor na mesa os pratos com verdades convenientes e loucuras aceitáveis. Abre a longitude nas toalhas inodoras das uvas, das vinhas, clamando a supressão de sarmentos, cordões e troncos – os cachos frondosos como as folhas que os vem proteger, para não se transformarem em videiras sem braços. Contudo, a morfologia será a mesma, na essência ou na gema não há nada para suplantar... quando o cálice é a retirada dos brotos, a desfolha amadura o  fruto à cumplicidade dos carvalhos, o mosto fecundo dos vinhos.

Depois de She obteve a certeza de que possivelmente havia um talvez que lhe pertencesse. Ao traduzir a leitura, especulando os últimos anos de quase completa deserção desfruta a graça que afinal não se perdera. Não em She.

Apesar de perceber a palidez, imersa na decoração, mais diminuta a cada vez que se punha em frente à luz...a  diluição das possíveis modelagens , não tinha certeza, era culpa da sua ingenuidade, falta de atitude ou excesso de cuidado. Atitudes drásticas também não eram afetas de She.

Queria ser como uma touça de bambu e seqüestrar muito carbono, dirimindo a poluição da alma que  não se originava na queima das folhas, mas de algo que em She era fóssil por reconhecer há tempo aquela feliz desconhecida.

Na difusão dos pormenores havia têmperas de futuro. Ousar sonhá-lo passa distante de supor obtê-lo, pois de verdadeiro, talvez nem o hoje exista. O que importa é a troca –  moedas infantis e frágeis, revestidas de uma inocência quase reprovável –  sem  perda de validade.

Convalescendo a fios precisos pede sobretudo, que a sua saudade não sucumba na mesma intensidade quanto a que lhe deixam,  que não lhe neguem permanecer recordando o inextinguível quando a areia lhe alcançar a cor que a reservará.
  
O silêncio carrega a mesma crueldade e indiferença da fala –  deseja não sentir nada por ninguém. Rebusca o solo, repisa-o. Nada. Ainda a mesma coisa. Absolutamente impossível. Em cada lado do lodo resgata esculturas multiformes, sonhos talhados à força de não negar forças. Cegueiras que enxergam feito um ser pequenino que espreita com ansiedade às ríspidas aberturas, suaves adormecimentos de Natais esmerados, alinhavando perspectivas no esmaecido tropel de esperanças à guarda de uma oferta que o devir  lhe oculta. Somente a loucura lhe entrega uma fração da verdade – diversa da razão – por refletir-se na mais absoluta verdade: a inexistência do temor que só aos insanos é concedida.


do livro Entre as Águas (prosa 2011) By Tere Tavares

Um comentário:

João Esteves disse...

Quanta coisa boa de ler, assim comprimida em tão poucas palavras.