domingo, 5 de fevereiro de 2012

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INTERIORES

Tere Tavares


Resisto a tudo, menos à tentação. (Oscar Wilde)




Entre a qualidade e a natureza da própria construção, houve algum dia um céu para as minúsculas evidências, múltiplos destinos e harmonias entrelaçadas?

Percebe a tristeza gasta dos sapatos. É vago porque é vário, porque não é. Reencontra desconheceres que o presenciam. Tenta expor o que há nas falas da visão. Muito além do branco, em paz no próprio desassossego, abstrato. Não passa de tentativas de preenchimento. Um rumoroso enternecer corrompendo o silêncio atroz e doce, passos requeridos palidamente de uma pequena metrópole da alma. Tudo claro e iluminado. Tudo muito pacífico. Imenso. Onde as estrelas nunca mentem sua luz nem o pescador retorna sem o bulício solto das redes.

E os passos se redimem no extrato do estranho dono dos sapatos, do medo exausto de temer o gosto do estranho. Não ter seguidores talvez seja o melhor mérito. O intuito da negação que não se detém a falar de limites, de incongruências. Só de si. Dúbias. E que diante do subterfúgio, inaugura o prazer de pisar. Mas é o nome, apenas o próprio nome a melhor alegoria dos seus pés – E cadê o céu para revelar-lhe a fórmula indolor, o eu preciso de um talvez paulatinamente amadurado na insônia que não cansa?

O fio diluído do menino que voava ultrapassou as farpas. Fugindo sempre que possível de qualquer traço que lhe referisse uma imagem ilusória, improvável. A percepção deve estar diretamente ligada a uma carga elucidativa potencial para instaurar-se no campo da consciência. Temia, acima de tudo, o desconhecimento do objeto que a produzia. O solo não era um fantasma, nem a biologia um aparato tecnológico simplista. Fechou o laptop. Havia sussurros em todas as janelas. Não se deteria a fragmentar os estigmas do silêncio em outro idioma para meia dúzia de pessoas. O painel. O laboratório. A platéia irredutível dos tubos de ensaio. Experiências alegremente concentradas em teorias e teses. As moléculas e as células continuariam a vê-lo. Envelheceu pesquisando como se rejuvenesce. Uma borboleta diáfana e branca pousou em seus cabelos anelados. “Sou um doutor?”


Texto do livro "Entre as Águas".
Publicado também na SEXAGÉSIMA QUARTA LEVA da revista eletrônica DIVERSOS AFINS em 31.01.12. 
Foto da Autora
http://diversos-afins.blogspot.com/ 

3 comentários:

Tere Tavares disse...

Obrigada e parabéns à Leila Andrade e Fabrício Brandão por essa nova dimensão dada à Literatura. Grande abraço.

Carlos Val disse...

Excelente amiga Tere

abraço amigo

Val

Ricardo e Regina Calmon disse...

Intenso, para "fechar,fim de noite essa,madrinha inesquecível!
Quanto ao meu "semear, madrinha caríssima,advém até hoje, de emanações poéticas suas,assim como sua amizade fraterna!

Viva la Vie

Girassóis em braçadas para colorir casa sua!

Viva La Vie

Regina e Ricardo