quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Tempo de Lírios


E nem era primavera. Ajustou as meias e os cordões dos sapatos. O tom flamingo se espelhava em cada partícula da paisagem. Dialogando com as abstrações, o instinto persistente da consciência desprovido de qualquer disfarce. As formas brancas, curvas, de centros amarelos e perfumes inolvidáveis permaneciam num emudecido encontro com tudo. A intolerante pergunta era só mais um pássaro entre outros dez mil pássaros pousados em suas vestes. Porque tudo é encontro? A partir dali não haveria brisa.

Reconheceu de imediato o desassossego entrelaçado das árvores. Chegara, finalmente. E era como se também tivessem chegado o ardor pulsante do que não se extinguiria.

Quem sabe do regresso, quem pode dizer sobre o que parte e acorda da sombra, da saga vulgar dos impulsos, das substâncias e rupturas floridas da ilusão que, a cada irromper do amanhã, desprezam algo de si mesmas? Desabrochar é um vício necessário. Do espírito.

Haveria de se perder tantas vezes quantas fossem sublimadas as suas forças. Tinha a impressão de levar consigo mais do que lhe era possível.

Soprando de um lugar ignorado um retalho igualmente irreconhecível debruçava-se sobre a nudez da claridade – a segregação de tudo quanto era conhecido e tênue. “Talvez não fosse eu” disse sobriamente.

Tudo parecia se materializar, a despeito das folhas caídas e dos anseios impacientes.

No jardim, no instante lento e perplexo do luar, nem o pai, nem o irmão, nem os filhos. Só uma crédula brancura. A que, irredutivelmente, colhia na sinuosidade do próprio rosto.

Editado a partir do original publicado em:
http://historiaspossiveis.wordpress.com/2010/02/07/tempo-de-lirios/

Foto - Lírios -TT

26 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Tere,

sinto-me profundamente encantado com esta escrita que me prende a cada palavra e me divide entre a vontade de permanecer e o desejo de avançar, em leituras e meditações refluentes que se renovam e recriam à medida que se expandem pelo texto.
Um quadro de significações latentes com uma virtualidade poderosa de deslumbrar.
Abraço.

João Esteves disse...

Sendo de lírios o tempo [e nem era primavera], há inspiração em você e este resultado, que podemos apreciar. Felizmente.
Beijos

Ramosforest.Environment disse...

"E nem era primavera", mas "desabrochar é um vício necessário. Do espírito".
Uma maneira de desabrochar sempre é produzir textos como este que Você pincelou/digitou para nosso deleite.
Abraços
Luiz Ramos

☆Lu Cavichioli disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
chica disse...

Maravilhoso teu texto,Tere! Vim conhecer teu blog e adorei!beijos,chica

Ricardo e Regina Calmon disse...

Boa Tarde Madrinha de Vida Virtual minha!lembra-se de mim??huhu!by Ivan Lins!
Nunca me esquecerei docê!jamais!
Pouco tempo ter para a amada madrinha atenção dar,é responsabilidade absolutamente sua!@OBRIGADO!
VIVA LA VIDA!

Unknown disse...

Desabrochar é a palavra. O texto inteiro parece esconder/revelar em uma mensagem cifrada, aonde a perda também é presente, soprando de um lugar ignorado. Como se autora não soubesse o destino, apenas o percurso. E ele nos envolve a todos. Beijos, poetisa em prosa também.

Salete Cardozo Cochinsky disse...

Querida tere
É sempre um prazer ler teus textos. São essências... de subjetividade. Uma subjetividade elaborada a partir de profundos saberes e da experiência bem vivenciada de tantos e tantos momentos, fatos, circunstâncais do quê a vida se faz.
Beijos

Ricardo e Regina Calmon disse...

Caríssima Madrinha Tere Tavares,voce não imagina a alegria de te-la em flor forma em blog posts meus!merci,jamais esquecerei doces!
Viva La Vida!

luís filipe pereira disse...

Estimada Tere Tavares,
belíssimo este texto, este "tempo de lírios", de invocação e de evocação, com uma fragrância de imagens em múltiplas e estimulantes variações e deambulações metafóricas que vão do caule da perda à colheita extasiada do encontro, do apaziguado reflorescimento,
Belíssimo!
saudações,
luís filipe pereira

Tere Tavares disse...

Queridos amigos e amigas,
agradeço a presença e os comentários, sempre estimulantes, permitindo releituras inusitadas, e partilhas que muito aprecio.
Abraço!

Madalena Barranco disse...

É assim como uma pintura viva! Tere, querida, você sempre me encanta. Parabéns pela publicação de seus belíssimo texto. Beijos, Madá.

Ana Guimarães disse...

Seu eu lírico está cada vez mais dominante, ou é impressão? Simplesmente sublime, esse texto - parabéns! É como uma tela famosa,que poderia/deveria nos deixar extasiados, mas, vindo de você, já nem me espanta, amiga.
bjs

Tere Tavares disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tere Tavares disse...

Madá querida, obrigada pelo brilho de "sol naciente"! Quando teremos "morangos" novos? Abraço

Ana, saudades! Mimese, já deve conhecer não? De qualquer modo, há a literatura e suas mais variadas acepções. Abraço

Anônimo disse...

Oi, Tere. Que saudade. Você tem muita afinidade com lírios, não é? Amei este poema. Ando meio adoentada, daí que não tenho ido muito ao Clube do Conto. Mas o Clube continua firme e forte. Beijo.

Dôra (em João Pessoa)

Tere Tavares disse...

Saudades "too" Dôra. Estimo as tuas melhoras. E, sim, o Clube é alvo de minhas leituras, sempre.
Beijos

Ricardo e Regina Calmon disse...

Caríssima sorver letras suas viver é a vida!

Viva La Vida!

Felina Mulher disse...

Olá Tere, o teu sobrenome Tavares me chamou atenção, pois é meu sobrenome também.Belíssimo poema querida...
Que este lírios te dê sempre esta linda inspiração...
Passa uma paz silenciosa quando se lê...
Precisei ler mais uma vez e entender...
Felicidades
Bjs no coração
Felina.

Sandra Gonçalves disse...

É lindo demais teu texto.
Quando comecei a ler, pensei que falasse do outono, quando as folhas caem e ressurgem depois, mas fizeste um paralelo maravilhoso, entre o outono e nossa vida, onde tantas vezes temos que renascer...
Espero ter entendido o contexto.
Se não...É lindo assim mesmo e me falou profundamente a alma.
Bjos achocolatados!

Anônimo disse...

Boa tarde minha amada poeta.
Teu blog foi indicado por um grande amigo meu e seu também, o Calmon.
Vim constatar a belezura q segundo ele eu encontraria aqui.Ele ñ se enganou aqui é um encanto.
Os Lírios são fonte de inspiração e lindos por sinal.
Parabéns pelo bom gosto minha querida.A sua postagem demonstra q és muito sensível.
Estou a te seguir agora mais desabrochada.
Um beijo grande e uma linda tarde.

Graça Pereira disse...

"Desabrochar é um vício necessário..." Soubessemos nós desabrochar também em sentimentos, em flores da partilha daquilo que temos para dar aos outros.
Maravilhoso texto onde apesar das folhas caídas, há promessas de renovação.
Um beijo
Graça

Unknown disse...

Olá! Vi aqui aconselhada pelo meu querido padrinho virtual Ricardo Calmon... Que me falou muitíssimo bem do seu trabalho!
Agora vejo que ele tem toda a razão!

Belissímo blog seu! E mui belo o seu trabalho! Mais uma admiradora e seguidora tens ^^

Abraços

Tere Tavares disse...

A esses novos (as), aludindo aqui a um dizer do escritor Luis Felipe Pereira, "intertextuantes"...estou deveras agradecida às vossas palavras, ao Calmom,especialmente, pela indicação dessa modesta morada.
Somos, nessa esfera a que integramos, ainda que virtualmente, escopos de verdades e emoções - algo que só a arte integra ou dissolve.
O meu reiterado agradecimento, Felina, Sandra, Pérola, Graça, May.

Beijos

TERESA disse...

Desde CÓRDOBA (eSPAÑA) HE DESCUBIERTI TU INTERESANTE BLOG.Soy gallega pero resido en Andalucia.Lembranzas agarimosas.Teresa

Tere Tavares disse...

Gracias Teresa! Abrazo.