terça-feira, 19 de abril de 2016

Escorregadia



Minha participação na Revista "EisFluências", abril de 2016:

htmhttp://www.carmovasconcelos-fenix.org/revista/eisFluencias/40-Abr16/eisFluencias_Abr_2016_6_40-54.htm

ESCORREGADIA
Por Tere Tavares

“Os homens são anjos nascidos sem asas, é o que há de mais bonito no mundo; nascer sem asas e fazê-las crescer”. (José Saramago)

“Entre nós, a fotografia. Entre palavra e cor, a pausa, o pouso único de vários voos. Pergunto-me o que faz esse fragmento de ferida sobre a alma da minha face? Uso os derivados das abelhas, coisas feitas pelo meu pai antes que descansasse. Tenho saudades da forma como brincávamos a respeito dos ornamentos vincados nas peças de alumínio e ferro torcidas à mão. Sinto dor nos trapézios e nos deltoides. Imagino o que teria feito não fossem esses pesados troncos suspensos nos meus braços. Nas mãos tão finas e longas e elegantes, os meus nervos, trêmulos, já não caçam nos prados. Onde se esconderam os meus pássaros? Quais dunas deslindam o meu deserto, o meu dilúvio irresignável? Meus olhos querem adormecer. Meu sono já não é o mesmo há muito, mas como eu queria dormir. Simplesmente dormir o meu começo dentro do sol. Faço de sílabas a minha tocha, de videiras as minhas frases. Hoje um pouco mais, pois a dor é tátil e sonolenta, e me soletra. E, de certa forma, me une a algo que desconheço, talvez, por ser-me tristemente semelhante. Eu calo e espero, por que as cerejeiras devem deitar as flores e dar vez às folhas que darão vez à sombra luminosa onde descansarei.A vida é feita de nuanças. Que me seja possível, enquanto malga da cor, incorrer no tempo usufruindo mais da companhia dos pássaros do que imaginar-me portadora de asas”.

A fase do sonho havia morrido. O pesadelo abrira as portas e suas bocas falavam.

Que estapafúrdia ilusão havia irrompido dentro de tudo? Avistavam-se as propensões intocáveis, nem mesmo o céu as banhava. Retornava das rochas como se viesse da água, sem saber em que parte derramar seu peso. Nem imaginava o que levitaria à sua direita, se seriam os próprios medos, o corpo formado de afluentes entrecruzados em outra história – toda uma passagem, talvez vida, infância, adolescência, maturidade, o que acreditou que estaria na outra boca do túnel.

Coisas inventadas em que a ingenuidade acredita, o lusco-fusco de quem anda sobre nuvens e conhece a fundo a linguagem emudecida da solidão. De que abertura, de qual imperfeição lhe advinham os avanços de outros pesadelos? Sem salvação? E a vida era as festas e as viagens suspensas nas falhas das janelas, das árvores anônimas, espreitando verdades frívolas. Raramente, enquanto os passos se distanciavam das grutas, uma luz inacessível também esperava. Sustenidos de uma ópera decalcada, no sofrimento, davam-lhe acordes de uma canção ainda mais triste e solitária. As órbitas do rosto já não iluminavam as estrelas. Ecoavam elos de incêndio. Uma música reverberando o que as mãos não tocavam. Os halos de luz eram feixes arbóreos molhando o sopro dos deuses e a impossibilidade de vasculhar o futuro.


“Perduro, só, sem estar sozinha. Afago a sorte se a sorte me sorri. Ninguém me sabe além dos ramos que em mim se calam sem fingir. Nada que já não vicejasse no artifício de mim mesma. Ansiedades que serão, amiúde, uma lembrança benévola.”


O respirar profundo nasce-lhe de um plexo meditativo. Não conhece outro curso que não seja expandir-se, num mimo, num suspiro que se molha ao despir o desespero dos segundos. À contraluz, no reflexo das epigramas, eclodem estrofes de sabiás.


“Como chuvas brandas. Na primeira ondulação onde antes explodiam girassóis, retornava ao recôndito da sinfonia, das flores. Afagava-lhe as memórias, onde o espaço de mim era ainda o meu ser estendido na reabertura das ervas, na curva de outrora a confluir nos ecos do presente ao deixar de partir. Um dia – sou o agora, sou qualquer uma dessas fontes sem saber qual, esperando jamais saber – houve a doçura na corrosão do tempo que se perdeu no futuro angular da canção. Houve mais sol e mais lírios, outro nascimento a polinizar as colmeias, onde o vento se molhava com o peso das palavras, e, sim, houve uma brancura no céu e um espelho. Era minha a imagem que brotava das nuvens, o desenho impuro gravando o que se recusava a sucumbir distante do riso, da terra revolvida. Um longo voo aparecia para as breves noites sem asas, para secar o meu corpo onde se costurava o vento e se despiam as lágrimas, e riscar, com os cílios, a dor, e perceber que o ar não chorava, e a força das raízes era profundamente bruta. Eram asas construídas de pedaços para não omitir aos pássaros a boca da paisagem absoluta – até que falasse, por dentro, somente a limpidez de antes. Algo que eu amava e se transformara em partes de mim mesma: uma soberana inocência capturando o silêncio”.
Levou à sua ilha os sentimentos que lhe diziam despertares. No escarlate das percepções, carregou a caligrafia renitente, como cerâmicas derramadas nas calçadas, como a nodulação das argamassas. Sentia paz. Uma paz remendada de tristeza, como se a vida acenasse de longe, com seus campos vincados de solidão, ao meio dia de um pensamento sem nexo e sem registro, apenas para lembrar que já não lembrava. A memória graduando-se como uma pena que sentia, e já não sentia além daquela pena que nada era e só lhe restava beber o sumo da terra antes da ceia.

Depois que tudo cessava sobrava o verbo como subserviência da sede e não fossem esses medidores de restingas, se revalaria à florada dos ipês.

Se soubesse por onde se esculpem os peregrinos. Se as pontas soubessem do cinzel, com que agulhas se afiam os caminhos. Se fosse uma lâmpada a balançar sobre a ruptura das asas acima do que se perdia. Asas solitariamente aninhadas na pedra e no musgo em secura de pedidos. Terra morna onde a tempestade se abre mais do que a nuvem. Se pudesse sorver das areias o que escavava com os olhos e suprimia dos cactos. Se decifrasse a cura das feridas antes de perscrutar porque se machucava. Se a prudência não fosse confundida com a covardia. Se calasse o sedento veio que lhe perpassava os pés, se apontasse em qual céu de arbustos nômades aportaria alguma estrada, algum nome de anjo.

“Por instantes eu odiei aquele nome. Aqueles olhos, sob o casaco, nunca foram manhãs. Esse dia se arrepia dentro de uma avenida de aves. Desce das nuvens, que se abrem em chuva e chama, o sonho de madressilvas, de uma folha, de um livro desamparado, e a folha é um enorme bloco desfeito, uma sereia de quase três décadas. Essa dor se afasta como se cobrisse as ruas, que já não são desertas. Então não há regresso do canto, nem do sol ardente de ontem, que era uma proa reclinada na voz que passava sobre a madeira e iniciava uma canção distante. Como se eu colhesse o eco das madrugadas por nascer, os lugares sem ruídos, onde secasse a intenção de haver raízes, e mordesse as medalhas, as sementes ausentes de águas”.

do livro "Vozes & Recortes" Editora Penalux- 2015.
Tere Tavares
Cascavel - PR - BRASIL
http://m-eusoutros.blogspot.com.br/

Gratidão à Carmo Vasconcelos e Henrique L Ramalho pelo convite e publicação. 

domingo, 3 de abril de 2016

Mulheres pela Paz - Edição Especial da FÉNIX 2016

TUDO É VIDA

Tere Tavares

Desse distanciado recanto que não sabe à conflitos,
Promulga-se uma razão na brancura branda
Onde os barcos aspiram os peixes,
Os rios e as matas intactas.

O homem vive sem outra sede que não seja a da água.

Há um empenho,
Um estado de alma enobrecido pela mansidão
Que se espalha, sossegadamente, em cada coração e em cada criatura.
A chuva adormece e, sobre tudo, paira uma doçura enobrecedora
Antecipada na paz que é tão rara e, Deus, tão necessária.

Tere Tavares
Cascavel - PR - Brasil
http://m-eusoutros.blogspot.com.br/




http://www.carmovasconcelos-fenix.org/LOGOS/PAZ-2016/PAZ-2016-51.htm 
http://www.carmovasconcelos-fenix.org/LOGOS/PAZ-2016/PAZ-2016.htm

Obrigada, muitíssimo, querida Carmo Vasconcelos eHenrique L. Ramalho. pela oportunidade de participar com meu trabalho de poesia e de artista plástica nas ilustrações das páginas 
 Parabéns à vossa valorosa atuação à frente da Arte. Grande abraço.

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Para ver as ilustrações basta clicar no número das páginas acima.
Toda a edição dessa revista é um primor, e merece olhares e leituras especiais.

quinta-feira, 17 de março de 2016

So quem nasce pássaro fere o dorso com asas

Só quem nasce pássaro fere o dorso com asas

Quando a incerteza lhe suga a umidade, a pele exala a sede dos passos, a descendência das colorações, das searas na erupção das sementes, o calor dos astros e o arrebol de raízes indizíveis, das fimbrias da terra. Como cascas para além das clausuras, vê-se, à mesa ligeira, um alvo minúsculo posto à prova.
É como o solo dos cardos apertando-se nos prados abertos a cada beijo fito nos mastros de ontem; como um tímido tumulto arfando sobre as tulipas. Desce desmedido o rosto de música vindo de longe, muito longe, estrada e casa. Em soluços ascende-se na inebriante presença do espírito absoluto. Parecer-se a algo para ser alguém, ser alguém para ser um, ou nenhum. E é calor perfumado e quase frio, orientando os arrulhos, o meio-dia que, aos poucos, o conduz ao silêncio que se diz e o dirá, se dará ou será, como se, ao olhar-se, revirasse a eternidade, ou tornasse as fábulas absolutamente reais, para prodigalizar cada segundo em magnífico ideal. Como um outro vindo de si para abrir trilhas e ver, depois, as manadas a pisar o mesmo pasto. Não necessitava adiar a urdidura do seu íntimo. A quem pertenciam afinal as trincheiras?
O fato de ainda respirar, a cinza das águas sempre obedientes à chama, ao cinzel corrosivo de uma alegria nunca sonhada, anunciavam-no qual aroma suspenso na língua silenciosa da erosão. Desocultava-se do encarceramento e simplesmente acontecia. Partindo os juncos, sem diminuir-se, no convexo da nuvem, como se tivesse livros na ponta dos pés, dando ritmos ao som das manhãs. Temia que lhe saísse, pela linguagem, o relicário da alma e fosse morar em drusas de névoa, em florestas irresistíveis, plenitudes, como se, ao dançar, se imobilizasse.
Vem para conferir a fome estonteante do traço, mas alguém lhe dá ciência do que está para além da cor e da forma. É a carne dobrada; o corpo desconexo que salta no escuro, dando-se ao tempo, à indeterminabilidade, à minimidade de tudo o que sente. Percebe e remexe, além do seu itinerário de ostra sem concha, a mina d’água cuja fortuna é somente escorrer dentro da sede: “Conheço-me só nessas gotas, nesses bilros conflitantes de borbulhas e membros doridos. Que acidez me cobre as feridas? Isento-me de tudo, sobra-me uma quase fuga ou desistência, o desencontro da sanidade para prosseguir como fui antes que me fosse infundida a perfeição das máquinas, o desagrado das gentes, os desenganos, a impossibilidade a me cercar, tolher, bramir, submeter. Sou córrego e planta, vitória-régia, ninfeia, limo aguçado a porfiar-me de petúnias, voz clandestina, digna e repleta, que habitam as mãos nuas e cabisbaixas, solo a par do solo... colho a poeira, a dança no escuro, o que restou no desencarceramento da ternura, único círio cuja chama não se dissipa nem adormece, e vem banhar-me, isento de faces. O céu geme o meu silêncio, a metáfora inconclusa que de mim transborda”.
Distraem-se a mente e os soluços nas denúncias do inverno, no perímetro do tempo que, colorindo-se de vácuo, sorvem a flor comunicante que não finda quando eclode, em secura de fontes e seivas, na biologia dos diálogos imperceptíveis, nas dores insistentes, como se lessem as pétalas e pintassem farpas nas tranças, num debrum oxidado de luas – matriz de ar e de crepúsculo. Ele é os desencontros pretéritos, esfumados em palavras invisíveis que a liberdade tece numa voz de elo, e, no calor difuso das geadas, descobre que o segredo é invadir a estranheza das coisas.
Ele planta as cores que não cabem na ânfora ao obedecer à sinuosidade do amor – no matiz gradual dos olhos, o pulsar do impulso de proferir-se, como se, em suas espáduas, tatuasse algum sentido inusitado. A sua alma é também o mundo – ninguém a difere do que é. Exceto a armadura de sonhos que jamais deixa de ser o lado em que nasce inteiro e seguro de si mesmo. Quando então acorda próximo aos caules do ocaso, à sincronia ardente e silenciosa cicunscrita nas migalhas nunca proferidas, sorrindo seus reflexos à lingua exangue d'água – para, e só assim, compreender que a descida é posterior à escalada.
(do livro "Vozes & Recortes" Editora Penalux 2015)
Tere Tavares
Cascavel - PR - Brasil
Agradecimento especial à Carmo Vasconcelos e Henrique L. Ramalho , de Lisboa, PT, pela publicação na Antologia LOGOS Nº 19 MARÇO - 2016. Página 42/Prosa.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Publicação na Germina - Revista de Literatura e Arte

 Publicação na Revista   Germina - Revista de Literatura e Arte

dezembro - v. 11, n.(2015)



Para leitura acesse o link acima.

Agradeço ao escritor Krishnamurti Góes Dos Anjos pela resenha
 e à Germina - Revista de Literatura e Arte pela publicação.
 Meus agradecimentos à Mariza Lourenço pela recepção e edição. Grande abraço.

Publicação na Revista FÉNIX LOGOS Nº 18 JANEIRO de 2016

UMA EMBARCAÇÃO PENSADA PELAS ÁGUAS
Por Tere Tavares

À lágrima que sorri. À grafia das faces. Há tesouros que preferem ficar nos baús. Os tesouros inúteis.
“Serei sempre algo mais do que os sorrisos que chorei. Não há nenhuma diferença entre mim e essas estátuas; ambas somos estátuas a moverem-se passivamente, ramos de luas onde somente o solo nos retorna ao que somos, por sermos feitas à cava lentíssima das argilas que não cozem, como espelhos ao contrário, prisioneiras da liberdade. Há quantas investigações os olhos? A ausência de verdade? Do trigo ao pão, quanto é grão? Infecundidade dos devires”?
O sal não é mais que a terra. Para Josef, a rebeldia é a natureza do mundo. O silêncio aquoso desaba sobre o dia rendilhado de avencas. Epigramas de gotas colorem as fissuras das casas redobradas de transparências, sem jamais serem as mesmas casas, escorregando num desluzir contínuo e mudo a defluência das janelas, o alinhamento impassível das pausas, no pó descascado pelo vento.
O sol-pôr que adentra esculpe a chávena repleta, nunca meio vazia nem meio cheia. O cascalho se completa com vozes plissadas em halos, com profundas meditações. Nada é infecundo na poética de edificar (se), ou desejar criar um mundo a partir de si. “Deixa-me nascer somente agora, neste pequeno olvido de estrelas”. Perdurava intransferível, suplicante como o ar onde jogava letras, letras e mais nada, para desgrudar o mosto inodoro das asas. Porque não lhe foi dado ser, senão um estar. Não somos antigos nem moços, somos as lacerações ardilosas do tempo, a raça humana, um bando de necessitados. Josef é a incredulidade a dizer que ainda é possível acreditar num coração com orquestras. E há nele um céu aceso e um sopro musical.
“Existem momentos em que redescubro as finalidades da luz, o lusco-fusco remoído à clareza do breu. Porque a palavra carrega a pungência de tudo o que vive, como num trabalhoso ócio, transmutando-se em seiva de linguagem inata do que me integra, ainda que não conheça. Porque fora do tempo existe o espaço, a não existência ou só um retalho metafísico, outras solidões, também sós, a palha que virou chapéu. Quanto de mim sou eu nisso tudo, qual dos meus silêncios murmura o inteiro do que já não mora aqui dentro? Enrolo a língua dentro das folhas, folhas fora, folhas todas, mudas folhas. Sou folhas soltas, línguas soltas. Ondulo nas folhas para existir. O meu rosto é uma folha, um amontoado de folhas nervuradas pela vontade. Lanço-me nos horizontes permissíveis, feito sol, feito raio de borboletas, de não me guardar, não mais. Ah, pudesse eu compreender as ervas, a mastigação dos pássaros, cinco selvas depois dos poros sulcados na escuridão abissal das mãos”.
Josef perdura no cicio oculto das cigarras e para não perder-se na sinceridade de si mesmo, agarra-se ao vento, traindo as amarras que o libertam. Anota o futuro dos papéis dentro das lágrimas. A casa emudece, como antigamente, como sempre, como as palavras e as sínteses ambíguas, sentimentos e sentidos dizendo além dos instantes que veem morar nas linhas quase antigas da sua face, expressão e significância moldando-se entre os desvãos que vão ou não formar.
Josef nunca sabe o alcance, as envergaduras de algo antes do arremesso. Mas, é possível que haja, para ele, algo a intuir claramente, a obscurecer a inexatidão das causas, escassez ou demasia, uma fragrância obtida no ato de camuflar ou exibir, na visão ou na cegueira, um corredor que lhe insinua o caminho ilusório e imenso da linguagem; sementes da cor, do sonho que transfiguram a arquitetura do seu sopro, o balbucio inclemente da imaginação. Dias de decisões escolhidas a esmo que o sangram e o singram como círculos de chuva seca, como páginas sem aridez, como Josef.

do livro "Vozes & Recortes"  Contos -Editora Penalux -2015

Tere Tavares
Cascavel - PR - Brasil
http://m-eusoutros.blogspot.com.br/

sábado, 30 de janeiro de 2016

Vozes & Recortes - Resenha por João Paula Santos Pires.

Editora Penalux
23 h
Resenha do Livro: "Vozes & Recortes", contos. Autora: Tere Tavares.
“Eu não quero ser compreendida, o amor me parece ser importante.” A frase de Lygia Fagundes Telles parece dialogar com Vozes & Recortes, quinto livro da escritora Tere Tavares. Resguardado por imagens que se ondulam em frases belas, Vozes & Recortes cintila por composições que, no âmago, têm um propósito sublime. Tavares propõe ao leitor a magia de lhe sublimar a essência, de fazê-lo [re]crer no amor como um construtor de cisternas.
Outrossim, o brilho representado pelo texto conserva sua força quando se quebram os diques da contenção formal e dos padrões estáticos e estéticos. Os escritos esboçam o lavrar singelo e terno de mundos que pedem compreensão, mas de onde os olhares são condoreiros e se pontilham de cima para baixo, na multiplicidade das recepções: Nada escapa a quem tem em si o fragmento de todos os sóis.
Tere Tavares se reveste em âmbares de subjetividade e afinco, que palmilham os caminhos da utopia e do sonho. Aliás, os contos se fantasiam de imagens oníricas que desafiam as lentes do mundo categórico e perene. No limite entre parágrafos e expectativas, cabe ao leitor admirar o inebriare da criação lúcida e do sentimento desinibido. Afinal, Vozes & Recortes é o compêndio de uma lucidez que há muito deixou de ser peremptória. Nos contos de Tere, o instante não é definitivo e não existem versos indiscutíveis. Irrefutável é o poder da autora de metamorfosear os domínios da realidade e de expressar horizontes inefáveis no céu de sua literatura:
“Eram asas construídas de pedaços para não omitir aos pássaros a boca da paisagem absoluta – até que falasse, por dentro, somente a limpidez de antes. Algo que eu amava e se transformara em partes de mim mesma: uma soberana inocência capturando o silêncio”.
Em suas Vozes & Recortes, Tere Tavares captou muitos silêncios, que se desenharam de flores e introspecção, de incógnitas, de poesia e de caminhos escuros que clamam por luz. No universo de liberdade da autora, os silêncios podem ser musicais e mesclados, acomodados e plenos. E toda plenitude precisa de recantos estrelados para despontar. Quanto de mim sou eu nisso tudo, qual dos meus silêncios murmura o inteiro do que já não mora aqui dentro?
Caberá também ao leitor conservar a cautela, sobre o agradável risco de se perder em contemplação. Quando voltar a si, poderá já ter sido envolvido pelo silêncio da sonoridade e pelas estrelas de ritmo, com as quais a autora faz questão de nos presentear. De volta à compreensão racional, o emaranhado de palavras terá cumprido seu especial intento: emocionar. E então a arte resplandece na atmosfera paisagística de Tere. Afinal, suas palavras podem caminhar livres em jardins silenciosos. Podem se renovar em mesclas, vozes, laços, recortes. Antes que o parágrafo termine.

Tere Tavares Emocionadamente agradecida ao Joao Paula Santos Pires e àEditora PenaluxWilson Gorj e Tonho França por esse presente, essa resenha que guardo com o maior apreço. Estou deveras feliz, De perder a fala. Obrigada. Merci. Gracias. Thanks. Grazie.