Pequena ontologia dos ninhos
Os nós são cegos, mas é possível vê-los. O extraordinário reside em recriar-se, reinventar-se, seja como persona ou personagem. Somos, para nós mesmos, estranhezas entranhadas num mundo de orquestração. No outro encontramos, esmiuçadamente, o nosso reflexo.
Feito estátua de sal, ela vai amolecendo como se os cães a seguissem. Ela leva consigo os filhos longínquos de cujos choros foram decodificadas todas as frequências e sintonias, toda a riqueza do que investigou em seus seres de lar, dos seios cedidos como alimento à lágrima branca e gêmea, a escuta do vocábulo mãe como palavra prima, como cerne único: salvação e destino de quanto o fio que conduz, mais que tudo antes, é luminária.
Ela diz a si mesma como se de joelhos: “A beleza nunca é suave, no mais das vezes, é uma espécie de castigo incessantemente cultuado. Tudo que é fere. E ferve. Mas cada ser tem sua conceituação. Há a feiura e ela também pode ser bela, depende do ângulo de quem vê. Tudo é singular, um exercício sem previsão. Ouço um pacífico som de ave, todavia. Astutamente eu passeio entre as pessoas normais porque a normalidade se aproxima intimamente do fracasso. Fui amada em forma de terra, de ferida e angústia. Eu quis a vida e dela me fiz herdeira mesmo sabendo do seu fim, do meu fim que morria na voz enamorada de mim como alvo na linha que nunca saberia de qualquer escrita viva na esfera da cintilação profunda entre uma noite e o raiar dos traços à frente dos que me amaram sem saber nunca se os correspondia. Como uma mulher marítima, eu nunca aceitei porto como presente senão como escolha ou façanha. Fui amada em forma de rio e delta sem que ninguém soubesse das gotas o sabor escorregadio e raro, fui amada sem ser vista, porque assim eu seria amada pelo que realmente sou e nunca pela voz lamuriosa de um partir sem nenhuma devoção. De como riscar os olhos sem falhar na escolha. Saciar o desejo e se dar a um diário sem as folhas para arrancar – porque nunca dizem a verdade”.
 |
Livro destinos desdorados de Tere Tavares |
Fortuna crítica colhida no Facebook, há algum tempo:
Guida Luis, de Portugal,
Excerto fabuloso, querida amiguinha Tere, ao longo de nossa vida, foi uma passagem de
facto, como se fôssemos um rio, não paramos, para nós questionarmos sobre nada,
vivemos apenas, de um modo passageiro, outras vezes menos, floreados pelo meio
para enganar a verdade e pronto!
Geovane Fernandes
Monteiro, do Piauí
Texto do eu que se salva ou se preserva na própria crise. Quando a trama é a
problemática, estamos diante da situação humana no que há de feridas abertas e
sobrevivemos do corte de viver. Não que haja sadismo, mas coragem, vontades sem
nomes, hesitação, devaneios dos destinos, matéria desdobrada. A busca é o
sentido da vida.
Link para leitura na Revista O Bule:
Muito agradecida aos curadores/editores de O Bule.