Van Gogh - Flor Jardim - 1888 |
Verted’ouro
Não és bom, nem és
mau: és triste e humano...
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se a arder no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.
(Olavo Bilac)
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se a arder no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.
(Olavo Bilac)
O sol continua a sumir por entre as pedras, com seus raios quase
entristecidos. As ondas se esparramam como anjos incansáveis. A mulher com nome
de flor ou de santa tinha a voz intensa, breve, e, principalmente risonha. Assemelhava-se
a uma evolução musical de suave atmosfera.
Não bastasse o canto, tinha o encantamento, o pleno exercício do querer,
aceitando o que não fora possível mudar. Pensava com o sentimento.
Seria um estado de beatitude elaborada para o inestimável
memorial das criaturas iluminadas. Descrevia o que sentia enquanto a outra forma
de si mesma escrevia o que pensava. Quando tudo cessava era o mirar do seu
pensamento sem olhos, nunca o seu sentir sem palavras. “Fui melhor quando não
fui eu”. Constatou ainda com dúvidas que o único meio de obter uma noção, mesmo
que mínima sobre o bem e o mal, é conhecer
as lágrimas com a compaixão de quem é capaz de sentir pelo outro o sofrimento e
a alegria.
Sua pretensa ingenuidade entrou instantaneamente noutro par de
olhos fixos na escuridão. Gostaria de
dizer que não mudara em quase nada e que estava até mais bonita, mais feliz.
“Os recados, às vezes, passam sem ruído, nem sempre cegos”, murmurou imaginando
que viria do infinito algum elfo para esvaecer a sua hesitante decisão.
Não conteve o impulso de retornar e preencher com delicadeza o
que carregaria para sempre no seu importante jardim sem importância.
Ainda que não soubesse, a engenharia das minudências soava
como um límpido cristal, permitindo um quase perfeito retrato, à distância, do
lugar onde estava. As mudanças invisíveis, enganadas, aparentemente
imóveis. Conduzia palavras como se
fossem água e sol, universos autônomos refrescados livremente nas
transparências.
Tentava dissuadir o berço de estrelas longínquas – ninguém é
capaz de tecer melhor sobre o acaso do que a fugaz eternidade que lhe conferiam,
a cada vez que, ingenuamente, as imaginava caladas.
“Com que amor me vive essa porção que me escapa. Sempre
soube que a escreveria e seria com a alma que não domino.” Murmurou no passo
que dava em direção de si mesma, como se aninhasse um segredo revelador. Na
dupla face que a tudo contorna, mesmo veladamente, havia um zelo
imprescindível. Os deuses possuem a mesma e inauferível dimensão que passa
invariavelmente pelo desejo, à presença de perpetuarem-se no âmago das
consciências e revolverem-se na imperfeição do que nunca morre. “Permaneço no
outro como sendo o meu árido exterior re-fletido numa solução inevitável. Com a
beleza párvoa de não estar em mim.”
Do livro "Entre as Águas" (prosa) 2011 By Tere Tavares
Nenhum comentário:
Postar um comentário