À moda de Iara
"É difícil se abrir, mas
quem disse que é fácil encontrar alguém que escute?" (Cecília Meireles)
Despretensiosamente, dava campo ao
ímpar redesenho do efêmero – a linha da transitoriedade – algo em que é
possível crer, um sim contínuo para demorar-se no reanimar dos espelhos, reconhecer-se
e novamente navegar a existência – quando desapropriada de si fosse toda gente,
e todo “eu”.
Haveria como não pensar? Luzir sem
verter? Embriagar-se de índoles e indulgências onde construções e intuições
fossem capazes de mostrar sem exibir, onde não se relegasse o ritmo ao vazio, com
tantas estranhezas quanto há estrelas no céu?
Solitariamente perambula em águas
incômodas, tiaras de aguapés. Não quer ser apenas técnica ou sentimentos com o
propósito de se tornarem egoisticamente inesquecíveis, grafismos inelutáveis dados ao tropel dos
ventos, qual oblações irrefletidas cujos desígnios nada comandam.
Agora é quase uma auréola a confessar-se
surpresa com o descanso de ocasos fugidios, a dúvida e a ineficácia da culpa –
quiçá uma fórmula de driblar o confronto e a verdade.
Que fosse algures enfático... se
deslindaria em consentimentos – quem não parte ou nunca diz adeus, que
assassino não se diz repetidamente inocente?
A veste desnuda imita o amor quando
não escolhe formas ou defensores. Há que vivê-lo somente, imperfeito, com a
lucidez habilidosa da escuridão, como se nada restasse – nem os personagens.
Silhueta altiva, Iara, como a urgência
das macieiras, rotunda, serva de igarapés e ninféias, quase igapó, como se
acreditasse ou soubesse de antemão todos os segredos e ainda assim afirmar multiplicar-se
– entre experimentar e adquirir – um rio obsequente.
Mestres sabem calar... segregou o
leito dos veios às manobras das falésias.
A menos metade é agora uma
necessidade irreprimivelmente líquida, socorrendo os sentidos com uma
sinceridade oblíqua. “Quando eu vier não ouvirei além do que me interessa.”
O sol se estendia na finura da
chuva que assomava correntes maiores, como um vício de verbos extasiados no
olho dos fios de água. ”Não os posso ver abandonados. É como se ao retomá-los
me retomasse num fulcro inolvidável.” Quanto às pedras, se pensavam ou ouviam
vozes – não eram diamantes e não soavam falsas em nada.
Reconhecera a fluência do que lhe
correspondia. Sem sumir, ou obscurecer. Sem objetivar ou premeditar. Na
claridade obstinada que doava, obtinha das faces dos olhos o curso das águas
que, fatalmente, se aglomeram no mar.
do livro "Entre as Águas" By Tere Tavares
Imagem by Tere Tavares
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