No ovo do novo
Um avião mergulhou no mar. À sua
passagem restaram espécies irremediavelmente sucumbidas.
Eu pensei em como se tornara
possível uma pista subaquática e se os tripulantes e passageiros haviam
evoluído para uma respiração diferente. “Muito provavelmente”.
Disse uma voz irreconhecível
vinda de Não Sei Onde.
Meus pés sentiram o solo úmido,
agradável, vi o mar de outro ângulo, as ondas se arremessavam vagarosamente na
areia. A praia estava repleta de pequenas aeronaves, aves ressuscitando e peixes
vivendo fora da água. Todos respiravam quase à vontade naquela que parecia uma
efervescente revolução biológica confusa, muito distante de chegar ao fim, como
tudo, aliás.
Era um pesadelo ou um prenúncio
de futuro, onde o homem trocava de lugar com os habitantes dos oceanos e rios,
uma maneira de implorar-lhes perdão ou expiar as culpas, por admitir enfim que
os seres aquáticos também têm alma e família.
O mesmo reconhecimento em ralação
aos seres alados, os atropelados pelas malhas invisíveis não tardariam muito.
Muito não tardou mesmo. Num céu delirante os sapiens-sapiens, sem protetor
solar ou qualquer kit de sobrevivência, mal suportavam as asas obesas e
ofegantes e sucumbiam de calor.
O sol trabalhara de forma secretamente inovadora nos últimos
anos – à sorrelfa de astronautas, ciber satélites espiões, ideogramas e
oráculos do I Ching, centúrias de
Nostradamus e profecia Hopi. Da Vinci não errara ao prever – “não prever é já lamentar”– que “um dia o homem teria asas e uma vez tendo
experimentado voar, caminharia para sempre sobre a Terra de olhos postos no
Céu, pois é para lá que tencionaria voltar.”
Os peixes aceitaram o pacto e foram
morar nas casas do homem. Por benevolência – característica intrínseca dos
habitantes das águas – não usariam arpões, nem redes, nem anzóis, sequer iriam
pescar e viveriam somente de aspirar o ar com guelras perfeitamente adaptadas
àquela novíssima forma de obter oxigênio. “Parece muito justo” disse Não Sei Onde.
Quanto aos pássaros, uma nuvem gigante de nome Muito, encarregou-se de levá-los
para o interior das próprias plumas e lá prosperaram felizes para sempre (?)
junto aos seus filhos de algodão.
Muito também tomou para si a
incumbência de cuidar de Não Sei Onde, por ter descoberto ser o seu irmão desaparecido
há milênios da fronteira genealógica espacial. Muito também especulou consigo
mesmo que o Céu era uma árvore inexistente e Não sei Onde, ao ler-lhe o
pensamento, prontamente concordou.
Texto do livro "Entre as Águas" By Tere Tavares
http://www.musarara.com.br/no-ovo-do-novoTexto do livro "Entre as Águas" By Tere Tavares
Publicação no site "Musa Rara".
Imagem: Flying-Machine-Leonardo-da-Vinci-1490
Publicado também na Revista "Grito"
:http://www.revistagrito.com/#!No-ovo-do-novo/cywl/F48DE876-4898-48C1-8A22-3B37B2F778D5
Publicado também na Revista "Grito"
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