Estação Violeta
Cada ser possui o próprio tempo e o tempo possui todos os
seres.
Por tantos dias seguira sem surpreender as surpresas, não
houve como evitar, nem teria razões. Fora sem ir. Caríssimo. Formal, gostava de
o ser em determinadas ocasiões.
Apesar de tudo, dava-se à entrega quase não havida. E lucevam le stelle. Como carícias
perdidas. Olhava para a esperança que lhe antecipava silêncios sonoros, como
todos os pássaros insones, enfatizando no canto calado, o prenúncio da noite quando
fingem adormecer.
Nesse ponto os labirintos o confundem ainda mais. Engole uma
pílula. E outra. Amanhã certamente diminuirá a quantidade e estará mais lúcido
que as tonturas. Será mais fácil subir a escada, e poderão falar-lhe alto que
não lhe importará em
nada. Ouvirá com o mesmo prazer com que ouve os luares
maiores. Mas por enquanto lhe é tão agradável o silêncio... e tão morna a
solidão que nem o frio lhe faz mal.
Um anseio teimoso arrebata-lhe os olhos – o tempo demora
passar para quem espera, dói àquele que o vê ansiando que passe depressa. Vive
o calor que trafega pelo frio e lhe diz que continuará. Queria que deus o
alcança-se. Primavera dentro ao menos com o calor confortável das flores.
Pergunta-se então: por que o alcança justamente quando aprende a não ser Deus?
Para si é tão real o anjo que imagina: “...é como se pudesse tocá-lo, e toda vida foi só isso que eu tive.” Como
num passado recente quando as nuvens sem forma o quiseram levar para lá do
mundo, disse não, que apenas ficassem consigo, e lhe amainassem de leve a
cabeça.
Cerrou os olhos e quis serenar. Se não fosse ele palavras não
expressas naquele momento: um patchwork de
confusões distorcidas. Permitiu que não houvesse despedida – e todos os instantes renovados de fúria, atônitos,
vasculharam-lhe as onipresenças iniludíveis.
Texto do livro "Entre as Águas"
Foto by Tere Tavares
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