Uma sinceridade
fingida dava palavras ao silêncio – alimentando as que, pela manhã, despertavam
como heroínas sorridentes, sem o lamento da derrota ou o delírio de imaginá-la,
para redimirem-se ao final na arena da linguagem, umedecidas, como se fossem
compactadas ao corpo em correntezas de um curso sem som, comovendo as raízes
das horas que sucumbiam aos enigmas, alimentadas pela clorofila das nervuras
folhares – a inevitabilidade.
Os olhos de um
verde lavado, os cabelos cacheados a colorir-lhe a beleza com as nuances da
terra. Sua impaciência era semelhante à felicidade. O entardecer lento
adormecia na areia, as pétalas de espuma perfumando o mar, feito de recifes e
algas, deixando no seu rosto de olhar celeste o calor de uma selvagem ternura,
como se, entre as ondas, caminhasse seu coração de conchas saltitantes,
esverdeado e profundo sob as estrelas do céu.
Em tudo
permanecia sua invisível presença, os fabulosos homens do mar, homens do sol,
completariam o entardecer com sua tez de cobre e seus músculos de música
distantes como o dia, as rochas de pele corroídas pela luz. Sempre adivinhava
quando chegavam, amiúde, com agitada conformidade os esperava.
O terror
afogava-lhe os gemidos como uma pequena vaga entre os barcos escuros, uma razão
sem memória na sua inesquecível insistência de loucura. “Deus, somos uma lâmina
de pó no pendor de tuas virtudes”. O rosto banhado de recordações parecia não
ter idade como o perfume frio das laranjas. As folhas acolchoadas de tíbia
neblina preenchiam o resto da tarde dourada.
Descansava no
jardim com seu destino sem confidências ou favores, o assombro de texturas
singulares, a tristeza de matriz invariável sobre a névoa espessa das serras
num trajeto carregado de vazio e sombras, resplandecia, lama sólida de uma luz
agressiva, nascendo num diamante rubro para iluminar outra e outra noite.
As coisas que ao
mesmo tempo se alimentam de vida e morte não duram indefinidamente. No hálito
frio da madrugada extasiava-se numa curta eternidade. “Todos os rostos são
muitos rostos”. Uma espécie inconsciente de felicidade elemental, um estado ao
mesmo tempo estático e indiferente que anula as recordações e impede ao homem
trabalhado insistentemente pela terra, de confortar-se com ela, apoiado no
dorso das argilas.
A secreta
umidade das lágrimas deixava-lhe a alma caída junto aos pés, carícias
neutralizadas pelo hábito, linhas indecisas, flutuantes, ansiedades pausadas
acenando mudanças rodeadas pelo fulgor inolvidável das sementes do luar, como
um olhar de criança cega que tivesse visto uma película sem tê-la visto – só os
detalhes devastadoramente ternos importavam. A acha do tempo, a respiração das
árvores acabaria numa cinza ligeira e rosada. Nuvens de fumo com a mesma e
completa inexatidão.
Texto publicada na coletânea "A arte pela escrita IV" Mosaico das Palavras Editora - Portugal - em 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário