terça-feira, 24 de novembro de 2015

VOZES & RECORTES um livro de Tere Tavares

Resenha por:

Krishnamurti Góes Dos Anjos 




A palavra constitui o grande veículo de expressão do conhecimento que o homem tem das coisas. E a imaginação a condição primeira de todo o conhecimento. Verdade consensual no mundo do homo sapiens.Muito bem. De que forma a literatura contribui para a difusão deste conhecimento? Contribui na medida em que lança mão da imaginação criadora transfigurando o real e transformando a realidade palpável, organizando-a dentro de novas sínteses e novos sistemas, que estão atrelados ao universo interior de seus produtores. E é assim que esta experiência colhida no contato com a imaginação criadora do escritor nos enriquece, pois nos insinua novos caminhos a seguir. Verdade também consensual, todavia muito pouco conhecida.

Avancemos mais. Grosso modo, há um modo de ser e vera realidade tipicamente poético e outro tipicamente prosaico. No primeiro o “eu”, matriz das artes, assume-se como espetáculo e espectador ao mesmo tempo; já na prosa, há um movimento do “eu” para fora de si. Em síntese: duas cosmovisões diferenciadas, embora complementares. 

Essas breves considerações nos vêm à mente ao iniciar a leitura de ‘Vozes & recortes’ de Tere Tavares, Editora Penalux – Guaratinguetá – São Paulo, 2015 – 112p. Este livro se nos afigura como obra singular no atual panorama da literatura brasileira contemporânea. Poesia e prosa andam juntas nesta obra e ambas se nutrem do mesmo lastro subjetivista e transfigurador da realidade. Os 28 textos ali reunidos não se prestam à formas engessadas, à “belezas” formais predeterminadas. Com a sabedoria instintiva dos criadores, a autora sabe que a arte é uma consequência da criação, não o cumprimento de uma meta estética preestabelecida. Assim é que prosa e poesia se atraem e se fortalecem em confluências e novos trançados. Dessa recíproca atração advém o fato de que certos trechos constituem verdadeiras clareiras poéticas como o exemplo abaixo extraído do belíssimo texto: “Nada diz mais do que uma folha em branco”: 

“Então se recolhe: ‘A criação é notadamente silenciosa, solitária, até mesmo angustiante – mas traz entranhada consigo o prazer de criar’. E isso é tudo o que lhe importa. Toda a virtuosidade que alcança se alastra através da leitura que faz do mundo ausente das bibliotecas. Então sonha: ‘Com as palavras nas faces quero atravessar o silêncio e suprir a falta das asas, a mística leveza de um retorno a um originário berço de estrelas, e obter, enfim, a alforria do efêmero, de mim.” 

Introspectiva, intuitiva, capaz de descer fundo para abeirar-se do indizível, a autora surpreende-nos com uma linguagem de expressão trabalhada, aflita e profundamente criativa: “O que posso dar ao mundo significa o nascer contínuo, a invenção de um amor original, um gesto genuíno, essencialmente, uma inocência”.Em outros trechos, verdades estonteantes onde o pensamento escapa do óbvio, se esgueira pelos meandros da ambiguidade e revelam frases luminosas que estremecem de súbito a superfície do relato: 

“Porque a palavra carrega a pungência de tudo o que vive, como num trabalhoso ócio, transmutando-se em seiva de linguagem inata do que me integra, ainda que não conheça. Porque fora do tempo existe o espaço, a não existência ou um só retalho metafísico, outras solidões, também sós, a palha que virou chapéu”. 

Tere Tavares roça verdades existenciais com as asas de luminosos trechos esvoaçantes a revelar-nos a estranheza dessa contingência a que chamamos vida: “Não somos antigos nem moços, somos as lacerações ardilosas do tempo, a raça humana, um bando de necessitados. Josef é a incredulidade a dizer que ainda é possível acreditar num coração com orquestras. E há nele um céu aceso e um sopro musical.” 

Prosa poética, poesia em prosa, ou que nome se queira dar à literatura de Tere Tavares, já não importa. O fato inconteste, a merecer aplausos, é que a liberdade estética adotada pela autora, dentre muitas coisas, também nos dá conta de que vivemos em um tempo, no qual nossas almas estão sufocadas, esmagadas em favor de valores para os quais o homem é objeto desimportante. Não seria esta a mais nobre função da literatura? Com efeito.

Krishnamurti Goes dos Anjos é escritor e pesquisador. Autor de “Il Crime dei Caminho Novo” (Romance), “Gato de Telhado”, “Um Novo Século”, “Embriagado Intelecto e outros contos” e “Doze Contos e meio Poema”. Tem participação em várias coletâneas e antologias, algumas resultantes de prêmios literários. Possui textos publicados em revistas literárias na Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro, “O Touro do rebanho”, publicado pela editora portuguesa Chiado, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional de Literatura da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance.

Agradeço imenso caro Escritor Krihnamurti Goes dos Anjos  tuas impressões sobre o livro "Vozes & Recortes" me deixam bastante feliz. Honrada pela leitura e apreciação.
Agradeço, mais uma vez, à Editora Penalux,pela publicação. Grande abraço.

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