Imensa gratidão e alegria por esse presente que guardo para toda a minha vida. Um forte abraço!
https://www.youtube.com/watch?v=UlcOW6jPNas
Emoldurar palavras. Escrever pinturas. Porque arte é construção.
Conto do livro Destinos desdobrados, 2021, Tere Tavares, Editora Penalux
Arte digital; "Árvore"- 2019 Tere Tavares |
Das
coisas que se tornam pelas mãos juntas
Thuarta, fixa os olhos para
bem longe da varanda. Lembra das minúcias marítimas e das fronteiras
insubmissas. Premedita e calcula. As estrelícias revisitam a ave-do-paraíso:
[imitando-a, visando-a]. Clamam pelo não perecimento e pela fuga das
normas. Ouve-as e perambula pelas suas
formas. Por vezes, a perspectiva é embaraçosa, mas evidente. Ir-se, entretanto,
é imprescindível. Sapevo chi sei. Lê como se um floco de frescor pousasse sobre
as úmidas concavidades das avencas – não florescem, mas, para Thuarta, é fácil ver-lhes
as folhas, as hastes vibrantes, os pecíolos frios e negros como cílios de
além-mar, adiante da calmaria sonhada ao pé de alguém que recolhe cada uma de
suas películas; o vento as evita para não as ferir e elas se deixam caber num
vaso à parede feito sentinelas, silhuetas difusas às suas costas.
Estrelas vermelhas em
meio ao verde e tons de terra dizem sóis às metáforas que, mesmo mortificadas,
sobrevivem ao tempo. Ela diz a si mesma:
“Avalio o voo que me devo. Ignoro que aprendo muito sobre os pássaros que nunca
se escusam aos saltos no escuro. Tenho a coragem e a vontade de viver como
primazia. Não me defino, tampouco definho. Defendo-me. Sou humana e falível. É
tão frio morrer de frio. Penso, novamente, no mar. Se os pés deslizarem por
entre as ondas, não haverá nenhuma filosofia que os detenha. Não sei se
acontecerá nem o que penso: se sou outra invenção do que sou, não sei; sou para
mim mesma oculta, escuto essa lição iniciática para além desse ar profano. Novo
ano, será? ”.
Ela retorna à outra
leitura como se antevista: “Uma rosa es todas las rosas. Tus dones son una
extensión de tu alma. Cultivas la sabeduría solo cuando tienes dudas”. Apenas quando
se percorre o mistério da própria obra ela será portadora de alguma perfeição.
A arte permeia a subjetividade como um cão fiel ao seu dono e faz Thuarta sentir-se
como se à própria paisagem. Caminha-se longuíssimas distâncias mesmo quando não
se vive muito. O que é alijado do bem subverte a alma. À espreita, está o que se
eleva ao cansaço, à corda de aço invisível; bravios espaços de parições
incertas. Algumas pérolas nascem do sofrimento, mas também da felicidade. Nem
tudo sucumbe ou fenece no fogo, na fumaça que anoitece a chuva. Porque caminhar
sobre as pedras, confrange-te a viver os muitos depois, desde os breves
estampidos à escuta solitária, do caderno inumerável à necessidade de reintegrares-te
a cada momento. De quando te inscreves em algo inquisitivo. Do intuir e do
ficar perplexo. O nexo que te adivinha. Então, passas a medir-te pelas águas e
transformar todas as dores e todas as faltas num dilúvio.
Fortuna crítica:
Uma tristeza enorme o que se passa na Amazônia , o texto tradu-la bem.
Um texto de qualidade composto em atmosfera, diria, de quase sentido elegíaco. O poeta (no sentido de vate, daquele, vê mais longe), tem os olhos em geral atentos e vigilantes voltados para o que acontece no mundo, num continente, num país específico. Ele solta as asas da imaginação a fim de não só denunciar os males dos homens, mas também de transformar a realidade tenebrosa, desumana, indiferente, em linguagem literária. Poesia também é combate. Nem é preciso citar nomes, lugares, tema situação trágica, nome dos bois para sabermos do que se trata num poema assim elaborado, mal saído do forno, contra as absurdidades dos homens dos homens. O desenho, por si só, reforça a realidade tenebrosa a que podemos chegar em tempos de obscurantismo múltiplo.
Apocalipse que se constrói a cada dia. O homem não aprende as lições do passado e incendeia o que não valoriza. Esquece até da sua própria casa. O que se vê hoje? Matança em todos os sentidos.
Lembrei das queimadas
Poeticamente lindo! Triste, sentido na pele. Maravilhoso, você existir.
Adquira seu exemplar com a autora pelo facebook: https://www.facebook.com/tere.tavares.1
Publicar um livro é sempre um desafio, por mais que tenhamos publicado outros livros anteriormente. Cada livro cria a sua correnteza estética e ética, os seus caminhos e estranhamentos. Há acertos e há falhas, mas nunca falta a ardente razão criativa que nos faz escrever. Tudo é novo e tudo é diferente. Estamos celebrando a nossa ousadia e trazendo ao mundo o livro LUZ. Que se torne leitura.
Tere Tavares
Prefácio de Amanada Kristensen |
PREFÁCIO LUZ
Esta página é redutora e
por isso contrasta com toda a prosa vaga-lume que espera os olhos de um leitor
atento e sensível à sua luz.
Como leitora privilegiada da obra Luz
(2024), de Tere Tavares, sou capaz de afirmar que o ato de me embrenhar em suas
escre(vi)vências, ainda no prelo, permitiu-me, ao longo de diversas
atualizações quanto aos sentidos dados e (de)formados pela autora, (re)edificar
um alargamento subjetivo de meus horizontes de expectativas. Isso implica afirmar que a recepção da
obra de Tavares levou-me, pela constante desconstrução do familiar – proposta,
especialmente por meio do potencial semântico de suas combinações lexicais
posteriormente recuperadas – a um enriquecimento não só metalinguístico quanto
ao que considero, por exemplo, o fazer literário, mas especialmente, ao
aprofundamento de uma percepção dialética acerca da corporificação sensível-estética
de conceitos abstratos relativos à
natureza humana, como a inadequação x harmonia; superficialidade x profundidade
etc., dando a tais duplos abstratos carne e osso por meio do complexo existir
de personagens densos. Como prefacerista, e já na esfera do que
conhecemos como crítica literária, tenho de admitir que elaborar meios
didáticos para descrever o efeito estético da prosa poética de Tavares, fez-se
matéria sisífica: quando pensava chegar ao topo das tentativas de parafrasear a
experiência da substância literária propositada pela autora em seus dizeres,
percebia-me apenas limitada à superfície estrutural de sua obra ou, até mesmo,
à estagnação do susto ante um fazer literário-artístico absolutamente original;
teriam assim penado Wolfgang Iser e Benjamin Moser para, respectivamente,
adentrar a literatura de Dickens e Clarice Lispector? Embora
ciente de minhas deficiências perante o inefável prazer estético a que fui
submetida, considerarei meios passíveis de descrição proposicional quanto à
recepção da obra da autora que articula conto, crônica e aforismo[1] para abordar especialmente
a metalinguagem e a dissecação de consciências que, nitidamente, conflitam entre
id, ego e superego, expressando a partir de seus comportamentos discussões
filosóficas, sociais e afetivas acerca das emoções humanas. Para ilustrar faces
desse contexto artístico de produção, recorrerei, especialmente à crônica metalinguística
e filosófica Desescrever e ao conto O pássaro, marcados respectivamente
por monólogos e fluxos de consciência complexos e representações alegóricas das
sensações e comportamentos humanos. Em Desescrever, a temática da metalinguagem,
ou seja, da linguagem
literária que
se debruça sobre si mesma, propõe a palavra literária enquanto palavra
desnuda que preenche artisticamente o ser-poroso: o homem moderno que, embora
cheio – de si e de saberes – existe amplamente fragmentado. Aproximo a proposta
metalinguística de Tere Tavares do dizer literário enquanto dizer nu, pois como
insinua o próprio título, Luz lança um Fiat lux aos olhos gastos
de leitores habituados à (des)informação em excesso advinda por intermédio de
uma palavra gasta cuja couraça ideológica – repleta de pré-conceitos – é
preciso despir. O poeta amazônida Thiago
de Mello anteciparia esta percepção da linguagem em Silêncio e Palavra,
direcionando-nos que A couraça das palavras/ protege o nosso silêncio/ e
esconde aquilo que somos. Tere Tavares, por sua vez, vem nos mostrar que a
linguagem literária deve estar além da couraça: é preciso (res)semantizar as
conceptualizações do homem, ou seja, seu processo de compreensão de si e o
mundo, desmistificando-as. Nas palavras da autora quanto à linguagem literária:
“O
dizer é intocável por conter a impassividade do verbete ágrafo, por
refutar as obviedades. Nunca toques as palavras miseráveis,
deixa-as morrer em pré-palavras entre as intolerâncias das coisas gastas”. Diversas
combinações lexicais propostas por Tavares como verbete ágrafo geram um
efeito de estranhamento no leitor pensado, o que Umberto Eco chama de
Leitor-Modelo. Este, num grau complexo de informações enciclopédicas que não
devemos aqui desconsiderar, é direcionado a um caminho de apreensão dos
sentidos pelo desmembramento de contínuas construções semanticamente paradoxais
e inicialmente irreconciliáveis; afinal, um verbete propõe conceituar
verbalmente, ou seja, pela grafia, pela escrita, um conceito. Ao propor que a
linguagem literária é impassiva e comporta-se tal qual um verbete ágrafo, Tere
Tavares confirma um dos diversos aspectos cognitivos gerados pela literatura
moderna, que é a movimentação e deformação semântica: a expansão da fronteira
entre a experiência humana e a articulação linguística, reforçando aspectos
icônicos da linguagem, fazendo-a próxima das sinestesias. Para o teórico da
literatura Gellhaus (2012, p. 7) “[...] a literatura trabalha no limite do não-proposicional e cria novas formas
de articulação [construindo] modelos para a percepção de realidade e para a
reconstrução de experiência”. Considera-se que o âmbito do não proposicional
abarca “[...] impressões sensoriais imediatas e pré-linguísticas, como
experiências de sons, cores, odores e impressões táteis, mas também
experiências altamente complexas, marcadas emocionalmente, como traumas e
recordações” (Gellhaus, 2012, p.7). A temática metalinguística de Tavares
antecipa, pois, o próprio percurso existencial de suas personagens que,
geralmente, em sua nítida ingenuidade, antes sentem a mágica epifânica das
coisas, que podem descrevê-las. Agem como se percebessem, por exemplo, um
arco-íris como o olho nu do mundo e embora quase não o possam descrever como um
fenômeno óptico
e meteorológico, são capazes de experenciar sua beleza; assim, as
personagens de Tavares direcionam o leitor antes à sensação dada pela linguagem
literária que à proposição lexicográfica desta. No conto O pássaro, por exemplo, o leitor é
apresentado a uma ave que já no nascimento passa por diversas dificuldades para
ser-no-mundo e que, posteriormente à maturidade, perde sua característica
genuína: a capacidade de voar. Aproveitando-se do símbolo do pássaro para
propor uma alegoria do comportamento do Homem, Tavares aborda desde o abandono
afetivo nos primórdios da vida até a sensação de uma existência absolutamente
podada em sua própria natureza, uma vez que o pássaro perde a capacidade de
voar e lhe resta uma “cicatriz circunscrita no dorso, o desequilíbrio do corpo
e a humilhante condição psíquica”. Embora inundado pela incompletude, o pássaro
prossegue, fincando sua pulsão de vida no ensinamento dos filhos rumo ao ápice
de suas existências: “[...] o inevitável e definitivo voo que é o sonho e o
prazer inerente de todas as aves sãs”, até que possa, finalmente, “descansar da
vida”: “ele se pôs sob uma árvore ressequida, cerrou os olhos, cabeça pendida
sobre o peito, imaginando o que fora anterior à tragédia de não mais ser, até
que o céu o recolhesse”. O leitor é levado a rememorar suas
incompletudes e, em seu imaginário, enquanto persegue o caminhar existencial do
pássaro, acaba por associar sua condição à sua própria catarse – a um efeito
transformador – que o direciona ao exercício reflexivo-hipotético acerca do que
vem a se configurar uma natureza humana que não pode exercer seu fim humano: um
homem que não encontrou o amor? Uma mulher infértil cujo sonho era ser mãe? Uma
filha que, amando a mãe, jamais pôde receber esse amor de forma recíproca? O sofrimento patológico de um acumulador de
riquezas incapaz de perceber a fome do outro? Muitas seriam as possibilidades
proposicionais, mas nenhuma delas é mais semanticamente profícua, no sentido de
ressemantizar o que conhecemos por inadequação, que a recepção da sensação
dolorosa de (re)conhecer sensivelmente, num pássaro sem asas, sua total perda
identitária. Ainda quanto a esse conto, em seu desfecho, a narradora propõe uma
reflexão filosófica acerca da incompletude dos sujeitos, que parece (re)problematizar
a própria natureza do ser humano – ser necessariamente incompleto que continua
sendo, mesmo sem quase poder sê-lo: “Ser-te eu quando nem mais. Remar mesmo sem
asas, porque se foram. Remar, em ti, as fraturas do sem mar”. Comportando-se tal qual a personagem do conto Saga, Tavares é uma “[...] grande mulher que mesmo na estiagem chove”. Resta, então, ao leitor moderno acomodado às prosas gastas fazer-se capaz de, como uma criança que engatinha o mundo, esquecer-se um pouco do conforto adulto da água morna do chuveiro elétrico ou da couraça das palavras e aventurar-se a uma chuva de Luz jamais passível de repetição, mesmo num calendário de 365 oportunidades, ou num repertório tão numeroso tal qual o é a Literatura Brasileira Contemporânea. Amanda
Kristensen Escritora
das obras Pelas Frestas, Entre-Terras e Os segredos de Vó
Trudes. Doutora
em Letras, pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Mas
principalmente amiga, admiradora e leitora de Tere Tavares.
[1] O aforismo é um
gênero na fronteira entre o literário e filosófico. Propõe definições breves
pautadas pela subjetividade. A forma aforística em Tere Tavares perpassa por um
dizer poético e é definida pela autora como “fragmentos de luz”. Dentre os
diversos ‘fragmentos’ propostos pela escritora ilustra-se sua definição quanto
ao valor da arte estar menos na questão autoral e mais na matéria artística: “O
valor da Arte está no que, a ela, se dispensou de trabalho até autografá-la”.
Posfácio de Giovanni Francomacaro, Itália Posfácio LUZ "Madame Bovary sono
io" dichiara Flaubert, volendo così affermare che in ogni personaggio
l'autore mette un po' di sé stesso; pertanto ogni racconto potrebbe essere
inteso come una biografia in cui l'autore gioca a nascondino con sé stesso. Tere Tavares non mente,
non si nasconde, possiede una scrittura che non posso definire in altro modo
che limpida; nelle sue storie non appare il percorso di un personaggio e
nemmeno la cronaca di una vita, ma la storia di una trasformazione; c'è una
ricerca del sé più intimo e questa ricerca avviene proprio come i suoi disegni:
con tratti privi d'incertezza che fluttuano decisi e sicuri come il volo di un
colibrì. Il senso delle storie di
Tere è ricercare la propria unicità che si può manifestare solo nel proprio io;
ma non l'io egoistico, che sconfina nell'ego, ma l'Io importante, perché
portante di una intera esistenza che non può terminare con la parola fine ma si
rinnova ogni volta con la parola "conoscere", una parola che nasconde
fra le pieghe delle lettere una parola ancora più misteriosa: nascere, e
rinascere. Tere Tavares è inquieta
come la sua terra, rivolta emozioni come fossero sassi conficcati nel cuore,
non si nasconde ma combatte contro la crudezza del mondo e della vita, e si
pone di fronte al male con la sua arte, che innalza come uno stendardo, oppure
un'arma che invece di uccidere genera vita. Giovanni Francomacaro,
Itália.
Posfácio LUZ – Tradução por
Tere Tavares "Madame Bovary sou
eu" declara Flaubert, querendo, assim, afirmar que, em cada personagem, o
autor põe um pouco de si; portanto, cada história pode ser entendida como uma
biografia em que o autor brinca de esconde-esconde consigo mesmo. Tere Tavares não mente,
não esconde, tem uma escrita que não consigo definir senão clara; em suas
histórias não aparece a trajetória de um personagem ou mesmo a crônica de uma
vida, mas a história de uma transformação; há uma busca pelo eu mais íntimo e essa
busca se dá exatamente como em seus desenhos: com pinceladas livres de
incertezas que flutuam decidida e confiantemente como o voo de um colibri. O significado das
histórias de Tere é buscar a própria singularidade que só pode se manifestar no
próprio eu; mas não o eu egoístico que faz limite com o ego, mas o eu
importante porque é o portador de toda uma existência que não pode terminar com
a palavra fim, mas se renova, a cada vez, com a palavra "conhecer",
palavra que esconde, entre as dobras das letras, uma palavra ainda mais
misteriosa: nascer e renascer. Tere Traves é inquieta
como a sua terra, revira as emoções como se fossem pedras confinadas no seu
coração, não se esconde, mas luta contra a crueza do mundo e da vida, e
enfrenta o mal com a sua arte, que ergue como um estandarte, ou uma arma que,
ao invés de matar, gera vida. Giovanni Francomacaro,
Itália.
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Consigo inventar a partir do que sinto
Foto: Intuições - 2020- Tere Tavares |
No seu texto, denso de subjetividades, Tere, ficcional ou mesmo poético ou poético-ficcional, a escrita literária me lembra por vezes, um poema de Fernando Pessoa, ou seja, uma afirmação é contrastada por um negação, como nas aporias, no luz e sombra, no céu e no inferno, mas é uma narrativa, neste caso aqui, de viés metalinguístico, na qual fala o narrador da própria forma de se exprimir, de fazer literatura com ideias, num diapasão que vai de um extremo a outro do mundo do pensamento interior e dos sentimentos íntimos indevassáveis do personagem. Mas, sem citar nomes de personagens, segundo assinala o texto, cria-se, destarte, no corpo do enunciado, uma multidão de caminhos, de atalhos, com notas autorais, ou mesmo autobiográficas filtradas pela criatividade da narrativa que jamais dará ao leitor o pulo do gato, porque, se o fizer , o texto se revela e, desta maneira, , se livra daquilo que é bem precioso na ficção: as ambiguidades, quer nas ideias ou pensamentos de quem narra, quer no desafio que o crítico vai encontrar para o deslinde da complexidade própria da ficção contemporânea.
Si, Tere, buscadora indomable!!!! Tus hallazgos son el regalo que le haces al mundo!!
E eu consigo perceber a partir do que vejo, a beleza que a
natureza vai deixando no caminho, o perfume que os jardineiros vão deixando no
ambiente. Tere Tavares é uma honra ler seus textos e ter-te em minha vida. Se a alma
caminhante se deixa encontrar o coração prepara a morada para os viajantes.
Arte:Tere Tavares - Pescador ao pôr do sol.
Clemente
O sol sumia por entre as pedras entristecidas. As ondas, como enormes maços de nostalgia, esparramavam-se incansavelmente sobre a imensidão difusa da praia.
Era uma vez um desvairado pairando sobre a vastidão. Atravessou a crueza da sombra e foi ter com os rochedos. Era possível que estivesse num lugar onde provasse toda a sorte de sensações. Seu objetivo era o lado oposto. Lá encontrou ondas maiores e ameaçadoras. Alguém vendia ilusões a cinco reais.
Resolveu retornar ao lugar de onde viera. Sentia-se vigiado. Sequer se lembrava dos seus. No brilho dos finos grãos de areia, como redigidos por uma estrela de meio-dia, lia-se o motivo de cada ser que ali houvesse aportado. Seriam legíveis aos outros os passos que dava na mesma proporção que lhe eram nítidos os rastros dos outros?
O desvairado, contorcido pelas bifurcações do pensamento, almejava estar diante de outro cenário. Mal podia conter o torpor da sua terrível ansiedade. “Deves sentir cada direção escolhida, seja como for”. Aplaudiu ao sinal como quem se agarra ao intransponível. “Terás de sentir também esses ares recém-plantados, e os infinitos. Queres? Quem sabe as areias movediças? Não recomendo que te satisfaças tão rapidamente”.
Atendeu sorrindo com a febril consciência de um ponto sem ponto. Provara a todos e a si mesmo – a mente liberta o fazia sentir-se lucidamente fecundo, eufórico. O primeiro nascimento, o segundo viver, o terceiro término. Não lutou contra a canção espiralada no peito. Brincou com os seixos. Guardou alguns búzios. Não se tornaria opaco outra vez. Era como se repartisse a própria vida sobre um tabuleiro interminável, o delírio cinza e sublime – sem perceber a loucura que o acompanharia até o céu.
Tere Tavares, livro Entre as águas, Contos, 2011.
Texto belíssimo tanto nas descrições quanto na narração.Antes de tudo, é um texto lírico entre contrastes e alegiras UM texto em que os eleitos inanimados se ani.izam ao mês.o tempo,realizando uma simbiose de beleza de pensa.entos saudáveis a alusões não bem aceitas pela voz narrativa.
A narrativa é de terceira pessoa, mas as frases da enunciação aspeadas parecem ser como se fossem orientações conduzidas pelo narrador de terceira pessoa. A linguagem da autora, através do discurso tanto do narrado quanto do que ouve um personagem interlocutor, por vezes, dá a impressão de que que são uma mesma personagem transitando do discurso do enunciado para o discurso da enunciação. Essa é uma estratégia da autora para lidar com a complexidade da história que é transmitida a nós, leitores. O mais intrigante ou instigando é que a disjunção do narrador de terceira pessoa com o discurso do narrador da enunciação, se causam embaraços de vozes narrativas, ela, a disjunção é compensada pelo todo do texto em si. Que dirigimos nosso olhar para as ideias e pensamentos do texto. É nesse ponto que o tema de alguém determinado a atravessar para um outro lado pelo que o texto diz ou oculta torna a história de alguém muito palatável e atraída a amar a continuidade na leitura dessa narrativa, como disse, permeada pelo lirismo, pela poeticidade textual. No discurso narrativo, no chamado "récit”, o ponto mais elevado da comunicação literária se faz graças ao poder e magia encantaria da linguagem que desliza suavemente, por assim dizer, na realidade entendida no plano individual pelo recurso do lirismo envolvente e pelas ideias transmitidas através de dois espaços literários: o da ida e o do regresso. Penso que ler uma narrativa de Tere Tavares é adentrar no reino da poesia de mãos dadas com a prosa. Ler essa autora é predispor-se a enfrentar a magia, a fábula, a indeterminação, o domínio do oráculo, ou, por outras palavras, a entidade pelo espelho de Carroll. Enfim, é penetrar na desautomizaçâo exigida como um vetor sofisticado do sublime poético.
By Francisco da Cunha e Silva Filho, RJ
Encantador seu texto, Tere! Consegue com maestria conduzir o leitor a
soltar as mãos e abrir os olhos diante da linha malabarista da boa e confiável
literatura. Havemos de cair? Eis a responsabilidade que o texto de Tere
Tavares nos possibilita.
Giovanni
Francomacaro - Itália.
Dipinto stupendo! E Stupendo anche il brano. Non so spiegarti perché ma nel Folle , pellegrino, ho visto l'anima femminile. La follia appartiene a chi non sa dove si trova e dove andare. Il tuo folle ha in se la sua meta: l'inferno e il paradiso, il cielo e la terra, e l'abbraccio del mare che tutto sublima. Clemente è una Donna.
Tradução by Tere Tavares: Pintura incrível! Estupenda também a canção. Não consigo explicar porquê, mas na Loucura, peregrinação, vi a alma feminina. A loucura pertence àqueles que não sabem onde estão e para onde ir. Sua loucura tem seu objetivo: inferno e céu, céu e terra, e o abraço do mar que tudo sublima. Clemente é uma mulher.
In facebbok em 12 03 24
lhttps://www.facebook.com/tere.tavares.1/posts/pfbid08LhJDK6Fc6Z66ZrUTb8Nag8wFqGaP1UXU6EFQScDinUwuco2jjRis96Q5CXy7edml
Odara
Minah
Trata-se, enfim, de uma narrativa que, de forma harmônica, une poesia, ficção e um viés filosófico, porquanto é, no plano da inventividade de sentimentos e ações, de abstrações e concretudes, de antinomias que, muitas vezes, encontro em alguns versos pessoanos. Ou seja, o texto de Tere é plural afirmativo, negativo, contraditório, mas todo ele é permeado do poético. É difícil aprender-lhe as estruturas temático-linguísticas ou metalinguísticas nessa escritora que me parece escrever por encantamento diante da palavra escrita e do pensamento múltiplo de que se reveste sua performance e competência literária. Não é uma escritora que se presta aos esquemas de alto nível de narrativas do século XIX, quer dizer, de uma forma, ainda que genial, da tradição literária. Ao contrário, a sua narrativa, que é de tessitura contemporânea, mas sem abdicar de sabores clássicos percebidos semanticamente aqui e ali, centra-se mais em dois pilares básicos: a) na poeticidade e b) na linguagem voltada para si mesma como forma de tentar entender ou interpretar personagens, conflitos individuas ou coletivos, ações, tramas, espaços, tempos e sobretudo procurar dar um mergulho na precária e imprevisível condição da existência humana.
TRECHO FICCIONAL DE SEU LIVRO ACIMA-CITADO. É UMA EPIFANIA PRA MIM. AO LER O TEXTO POR INTEIRO E ME DELICIAR ORA COM AS BELEZAS RETORICAS PELA VIA DA POESIA, ORA PELAS TRISTEZAS QUE TEIMAM EM CHEGAR A MIM , LEITOR APEGADO AO TEXTO LITERÁRIO TANTO EM POESIA QUANTO EM PROSA. ESSE TRECHO É ADMIRÁVAEL E ME PARECE PERMEADO INTEIRAMENTE DO LIRISMO, MAS DE UM LIRISMO AINDA RESISTENTE A LAMENTAÇÕES DE CERTO LIRISMO DA TRADIÇÃO LITERÁRIA, VISTO QUE, A MEU VER, SEU TEXTO TEM UMA SINTAXE HÍBRIDA DE SABOR ,POR VEZES, CLÁSSICO, EMBORA O SEU MODO DE NARRAÇÃO SE SITUE NO PRESENTE DE UM TEMPO TÃO DIFÍCIL À HUMANIDADE. TRECHO FEITO DE BONDADE E DE PRESSÁGIOS, DE ALEGRIA E PESARES, DE POESIA E FICÇÃO, SEGUNDO JÁ MENCIONEI. HÁ ALGO TAMBÉM DE BARROCO, MA NECESSITARIA DE MAIS LEITURA, OU SEJA, DA LEITURA POR INTEIRO DA
OBRA EM QUESTÃO. AQUI LHE FAÇO UM BREVE COMENTÁRIO QUE NÃO CHEGA ÀS
EXIGÊNCIAS PROTOCOLARES DE ENSAIO NEM MESMO DE UMA MERA RESENHA. SÃO REFLEXÕES QUE O SEU TRECHO NARRATIVO DESPERTAM NESTE VELHO LEITOR DE LITERATURA TANTO BRASILEIRA SOBRETUDO, QUANTO ESTRANGEIRA TRADUZIDA OU LIDA NO ORIGINAL. MEUS PARABÉNS PELO SEU TALENTO VERBAL. DEUS A ABENÇÕE, QUERIDA AUTORA.
Que texto refinado na sua linguagem diferente! Quando digo diferente é porque me impressiona a conjugação entre o pensamento do narrador e a forma de linguagem de lugar comum Seria essa a linguagem que se aproxima da poesia. de um parágrafo mais extenso cujas frases se sobrepõem umas
às outras a fim de produzir no leitor um sentimento de interioridade É una prosa incomum que nos propicia sentidos novos;como se estivéssemos a ler um poema falando sobre ações humanas de mistura com referências múltiplas a todos os seres da Natureza .Abracos, Tere
Sandra
Maria De Andrade Freitas
AHHH, querida e talentosa Tere Tavares, tua escrita recria "um firmamento particular" quer na exigente forma... quer na emoção de um conteúdo para encontrar "um planeta novo" seja ele fisico e/ou ficcional!!!! Bjs, querida amiga, que por generosidade de talento, recorre às tintas para dar contorno das artes plásticas à tua brilhante escrita!!!!
Joao
Pinto É uma prosa intimista, me parece mais poética onde o símbolo predomina
como criação. Bravo, sua escrita sinuosa
onde o adjetivo faz-se como teia solta e se precipita.
Arte: Tere Tavares |
Livro Diário dos inícios - poesia- 2021- Matanoia Editora, RJ