quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Poema Luas de Tere Tavares é musicado por Anand Rao

É com muita alegria e emoção que partilho esse trabalho feito pelo Anand Rao, que vem a ser o poema "Luas", de meu livro "Flor Essência" musicado por ele. Meu agradecimento vai também para Agnes Adusumilli muito especialmente.
A música... ofereço, com igual gratidão, às amigas, amigos, leitoras e leitores que nesse mural me dão o eco da presença. Ouçam a partir dos links abaixo:

https://soundcloud.com/anand-rao/luas-anand-rao-e-tere-tavares

Luas (Anand Rao e Tere Tavares)
http://www.culturaalternativa.com.br/musica/outros/item/9599-tere-tavares


https://soundcloud.com/anand-rao/luas-anand-rao-e-tere-tavares?utm_source=soundcloud&utm_campaign=wtshare&utm_medium=Facebook&utm_content=https%3A%2F%2Fsoundcloud.com%2Fanand-rao%2Fluas-anand-rao-e-tere-tavares

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Um reino entre as formas



Uma sinceridade fingida dava palavras ao silêncio – alimentando as que, pela manhã, despertavam como heroínas sorridentes, sem o lamento da derrota ou o delírio de imaginá-la, para redimirem-se ao final na arena da linguagem, umedecidas, como se fossem compactadas ao corpo em correntezas de um curso sem som, comovendo as raízes das horas que sucumbiam aos enigmas, alimentadas pela clorofila das nervuras folhares – a inevitabilidade.

Os olhos de um verde lavado, os cabelos cacheados a colorir-lhe a beleza com as nuances da terra. Sua impaciência era semelhante à felicidade. O entardecer lento adormecia na areia, as pétalas de espuma perfumando o mar, feito de recifes e algas, deixando no seu rosto de olhar celeste o calor de uma selvagem ternura, como se, entre as ondas, caminhasse seu coração de conchas saltitantes, esverdeado e profundo sob as estrelas do céu.

Em tudo permanecia sua invisível presença, os fabulosos homens do mar, homens do sol, completariam o entardecer com sua tez de cobre e seus músculos de música distantes como o dia, as rochas de pele corroídas pela luz. Sempre adivinhava quando chegavam, amiúde, com agitada conformidade os esperava.

O terror afogava-lhe os gemidos como uma pequena vaga entre os barcos escuros, uma razão sem memória na sua inesquecível insistência de loucura. “Deus, somos uma lâmina de pó no pendor de tuas virtudes”. O rosto banhado de recordações parecia não ter idade como o perfume frio das laranjas. As folhas acolchoadas de tíbia neblina preenchiam o resto da tarde dourada.

Descansava no jardim com seu destino sem confidências ou favores, o assombro de texturas singulares, a tristeza de matriz invariável sobre a névoa espessa das serras num trajeto carregado de vazio e sombras, resplandecia, lama sólida de uma luz agressiva, nascendo num diamante rubro para iluminar outra e outra noite.

As coisas que ao mesmo tempo se alimentam de vida e morte não duram indefinidamente. No hálito frio da madrugada extasiava-se numa curta eternidade. “Todos os rostos são muitos rostos”. Uma espécie inconsciente de felicidade elemental, um estado ao mesmo tempo estático e indiferente que anula as recordações e impede ao homem trabalhado insistentemente pela terra, de confortar-se com ela, apoiado no dorso das argilas.

A secreta umidade das lágrimas deixava-lhe a alma caída junto aos pés, carícias neutralizadas pelo hábito, linhas indecisas, flutuantes, ansiedades pausadas acenando mudanças rodeadas pelo fulgor inolvidável das sementes do luar, como um olhar de criança cega que tivesse visto uma película sem tê-la visto – só os detalhes devastadoramente ternos importavam. A acha do tempo, a respiração das árvores acabaria numa cinza ligeira e rosada. Nuvens de fumo com a mesma e completa inexatidão.

Texto publicada na coletânea "A arte pela escrita IV"  Mosaico das Palavras Editora - Portugal - em 2011.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

A licitude dos olhos


"A licitude dos olhos" é o meu novo livro de contos, publicado pela Editora Penalux em Maio de 2016.

"A licitude dos olhos" foi concebido ao longo de três anos.  
Chegou ao público em 21 de julho de 2016.

Com ilustração da capa feita por mim Tere Tavares.
Projeto gráfico: Dáblio Jotta

Finalização e diagramação: Ricardo Paixão. 

Com prefácio do escritor:  Krishnamurti Góes Dos Anjos
Com Apresentação da escritora:Claudia Manzolillo
Não possuo falas para o apresentar, por isso, o que  digo dele é o que os meus leitores me sopram. Eis alguns que, gentilmente, a Editora Penalux, ( Tonho França e Wilson Gorj) juntamente com esses admiráveis leitores, me apresentaram via Facebook :

"O novo livro da escritora Tere Tavares têm dado o que falar. Leia abaixo alguns comentários a respeito dessa impressionante coletânea de contos.
A LICITUDE DOS OLHOS. Aqui, Tere Tavares, que em geral explode os gêneros e faz uma prosa comprometida com o poético, cria contos com personagens, mas, longe de tramas comuns, procura epifanias, momentos raros, surpresas, revelações e trabalha numa linguagem que parte do prosaico para o transcendente.

Em “Hailla”, Tere escreve: “Real e inclemente é a vida: afiar as linhas, fiar a língua sem a fúria, enfurecer a feiura, tornar menos feio o velho, e o velho menos fúnebre.”

Conheço Tere de outros livros e também como pintora (a capa deste Licitude é de sua autoria) e sei o quanto de sensibilidade incomum a perpassa. Vale conhecê-la. (Chico Lopes, escritor. Autor do romance Corpos Furtivos [Penalux], entre outros).

*

Plasticidade é o que brota dos textos deste livro de Tere Tavares. Como se estivesse diante de um quadro de textura delicada, cores, semitons e profundidades surpreendentes é assim que vejo/leio os contos de “A licitude dos olhos”. Aberto o livro, desfolham-se as páginas como se fossem uma sucessão de telas envolventes. O leitor é tragado para essas telas-textos e se mistura às palavras que descerram um mundo natural e místico. Esse é o universo que Tere Tavares descortina a seu leitor. O novo inaugural numa espécie de epifania em meio a folhas, plantas e flores. (...)
A proposta da escritora está, desde a capa do livro, bem delineada. Um ramo de olhares nos instigam à leitura. O convite está feito. “Os olhos acesos...” (Claudia Manzolillo, escritora e revisora. Autora do livro de contos “Dona das palavras”, Penalux).
*
A peculiar prosa de Tere Tavares não se adequa a quadros esquemáticos, bom que assim seja, pois do contrário, se lhe retiraria o vigor de um elemento que não se pode sequer fazer análise: a imaginação. A imaginação criadora que aponta para uma verdade bem sabida e pouco exercida. Cada um deve fazer por si o próprio caminho, um caminho que passa necessariamente pelo intercambio dialético entre espírito e realidade. (Krishnamurti Góes Dos Anjos, crítico e escritor)".


"A licitude dos olhos" derrama-se assim, em cada leitura que recebo e guardo com a flor da experiência. A cada dia ele voa para algum canto do Brasil. Há-de ir longe, muito longe, pois que, publicado, carece das mãos do mundo. Há múltiplas leituras. Há personagens que o folheiam,letra à letra. Contá-lo significa emprestar-lhe a liberdade que toda obra literária requer. Eis pois o que proponho. A leitura. 
Sempre a leitura como ferramenta de eco e partilha.
Para vós, e às vossas vozes, o meu imenso obrigada.



domingo, 26 de junho de 2016

Publicação na Revista EisFluências

A Revista EisFluências, PT, do mês de Junho/2016 na sua 41ª Edição, traz O SUPLEMENTO JUNINO E DIA DOS NAMORADOS, do qual participei com o texto "Rever" do livro "Vozes & Recortes" (Penalux,2015) e também com a ilustração/pintura "Namorados".
Agradecimentos especiais para a equipe editorial:
O Director
Victor Jerónimo
(Portugal/Brasil)
A Directora Cultural
Carmo Vasconcelos
(Portugal)
O Web Designer
Henrique L. Ramalho
(Portugal)
A Proprietária
Mercedes Pordeus
(Brasil)
Confiram!
Boas leituras.:

terça-feira, 17 de maio de 2016

terça-feira, 19 de abril de 2016

Escorregadia



Minha participação na Revista "EisFluências", abril de 2016:

htmhttp://www.carmovasconcelos-fenix.org/revista/eisFluencias/40-Abr16/eisFluencias_Abr_2016_6_40-54.htm

ESCORREGADIA
Por Tere Tavares

“Os homens são anjos nascidos sem asas, é o que há de mais bonito no mundo; nascer sem asas e fazê-las crescer”. (José Saramago)

“Entre nós, a fotografia. Entre palavra e cor, a pausa, o pouso único de vários voos. Pergunto-me o que faz esse fragmento de ferida sobre a alma da minha face? Uso os derivados das abelhas, coisas feitas pelo meu pai antes que descansasse. Tenho saudades da forma como brincávamos a respeito dos ornamentos vincados nas peças de alumínio e ferro torcidas à mão. Sinto dor nos trapézios e nos deltoides. Imagino o que teria feito não fossem esses pesados troncos suspensos nos meus braços. Nas mãos tão finas e longas e elegantes, os meus nervos, trêmulos, já não caçam nos prados. Onde se esconderam os meus pássaros? Quais dunas deslindam o meu deserto, o meu dilúvio irresignável? Meus olhos querem adormecer. Meu sono já não é o mesmo há muito, mas como eu queria dormir. Simplesmente dormir o meu começo dentro do sol. Faço de sílabas a minha tocha, de videiras as minhas frases. Hoje um pouco mais, pois a dor é tátil e sonolenta, e me soletra. E, de certa forma, me une a algo que desconheço, talvez, por ser-me tristemente semelhante. Eu calo e espero, por que as cerejeiras devem deitar as flores e dar vez às folhas que darão vez à sombra luminosa onde descansarei.A vida é feita de nuanças. Que me seja possível, enquanto malga da cor, incorrer no tempo usufruindo mais da companhia dos pássaros do que imaginar-me portadora de asas”.

A fase do sonho havia morrido. O pesadelo abrira as portas e suas bocas falavam.

Que estapafúrdia ilusão havia irrompido dentro de tudo? Avistavam-se as propensões intocáveis, nem mesmo o céu as banhava. Retornava das rochas como se viesse da água, sem saber em que parte derramar seu peso. Nem imaginava o que levitaria à sua direita, se seriam os próprios medos, o corpo formado de afluentes entrecruzados em outra história – toda uma passagem, talvez vida, infância, adolescência, maturidade, o que acreditou que estaria na outra boca do túnel.

Coisas inventadas em que a ingenuidade acredita, o lusco-fusco de quem anda sobre nuvens e conhece a fundo a linguagem emudecida da solidão. De que abertura, de qual imperfeição lhe advinham os avanços de outros pesadelos? Sem salvação? E a vida era as festas e as viagens suspensas nas falhas das janelas, das árvores anônimas, espreitando verdades frívolas. Raramente, enquanto os passos se distanciavam das grutas, uma luz inacessível também esperava. Sustenidos de uma ópera decalcada, no sofrimento, davam-lhe acordes de uma canção ainda mais triste e solitária. As órbitas do rosto já não iluminavam as estrelas. Ecoavam elos de incêndio. Uma música reverberando o que as mãos não tocavam. Os halos de luz eram feixes arbóreos molhando o sopro dos deuses e a impossibilidade de vasculhar o futuro.


“Perduro, só, sem estar sozinha. Afago a sorte se a sorte me sorri. Ninguém me sabe além dos ramos que em mim se calam sem fingir. Nada que já não vicejasse no artifício de mim mesma. Ansiedades que serão, amiúde, uma lembrança benévola.”


O respirar profundo nasce-lhe de um plexo meditativo. Não conhece outro curso que não seja expandir-se, num mimo, num suspiro que se molha ao despir o desespero dos segundos. À contraluz, no reflexo das epigramas, eclodem estrofes de sabiás.


“Como chuvas brandas. Na primeira ondulação onde antes explodiam girassóis, retornava ao recôndito da sinfonia, das flores. Afagava-lhe as memórias, onde o espaço de mim era ainda o meu ser estendido na reabertura das ervas, na curva de outrora a confluir nos ecos do presente ao deixar de partir. Um dia – sou o agora, sou qualquer uma dessas fontes sem saber qual, esperando jamais saber – houve a doçura na corrosão do tempo que se perdeu no futuro angular da canção. Houve mais sol e mais lírios, outro nascimento a polinizar as colmeias, onde o vento se molhava com o peso das palavras, e, sim, houve uma brancura no céu e um espelho. Era minha a imagem que brotava das nuvens, o desenho impuro gravando o que se recusava a sucumbir distante do riso, da terra revolvida. Um longo voo aparecia para as breves noites sem asas, para secar o meu corpo onde se costurava o vento e se despiam as lágrimas, e riscar, com os cílios, a dor, e perceber que o ar não chorava, e a força das raízes era profundamente bruta. Eram asas construídas de pedaços para não omitir aos pássaros a boca da paisagem absoluta – até que falasse, por dentro, somente a limpidez de antes. Algo que eu amava e se transformara em partes de mim mesma: uma soberana inocência capturando o silêncio”.
Levou à sua ilha os sentimentos que lhe diziam despertares. No escarlate das percepções, carregou a caligrafia renitente, como cerâmicas derramadas nas calçadas, como a nodulação das argamassas. Sentia paz. Uma paz remendada de tristeza, como se a vida acenasse de longe, com seus campos vincados de solidão, ao meio dia de um pensamento sem nexo e sem registro, apenas para lembrar que já não lembrava. A memória graduando-se como uma pena que sentia, e já não sentia além daquela pena que nada era e só lhe restava beber o sumo da terra antes da ceia.

Depois que tudo cessava sobrava o verbo como subserviência da sede e não fossem esses medidores de restingas, se revalaria à florada dos ipês.

Se soubesse por onde se esculpem os peregrinos. Se as pontas soubessem do cinzel, com que agulhas se afiam os caminhos. Se fosse uma lâmpada a balançar sobre a ruptura das asas acima do que se perdia. Asas solitariamente aninhadas na pedra e no musgo em secura de pedidos. Terra morna onde a tempestade se abre mais do que a nuvem. Se pudesse sorver das areias o que escavava com os olhos e suprimia dos cactos. Se decifrasse a cura das feridas antes de perscrutar porque se machucava. Se a prudência não fosse confundida com a covardia. Se calasse o sedento veio que lhe perpassava os pés, se apontasse em qual céu de arbustos nômades aportaria alguma estrada, algum nome de anjo.

“Por instantes eu odiei aquele nome. Aqueles olhos, sob o casaco, nunca foram manhãs. Esse dia se arrepia dentro de uma avenida de aves. Desce das nuvens, que se abrem em chuva e chama, o sonho de madressilvas, de uma folha, de um livro desamparado, e a folha é um enorme bloco desfeito, uma sereia de quase três décadas. Essa dor se afasta como se cobrisse as ruas, que já não são desertas. Então não há regresso do canto, nem do sol ardente de ontem, que era uma proa reclinada na voz que passava sobre a madeira e iniciava uma canção distante. Como se eu colhesse o eco das madrugadas por nascer, os lugares sem ruídos, onde secasse a intenção de haver raízes, e mordesse as medalhas, as sementes ausentes de águas”.

do livro "Vozes & Recortes" Editora Penalux- 2015.
Tere Tavares
Cascavel - PR - BRASIL
http://m-eusoutros.blogspot.com.br/

Gratidão à Carmo Vasconcelos e Henrique L Ramalho pelo convite e publicação. 

domingo, 3 de abril de 2016

Mulheres pela Paz - Edição Especial da FÉNIX 2016

TUDO É VIDA

Tere Tavares

Desse distanciado recanto que não sabe à conflitos,
Promulga-se uma razão na brancura branda
Onde os barcos aspiram os peixes,
Os rios e as matas intactas.

O homem vive sem outra sede que não seja a da água.

Há um empenho,
Um estado de alma enobrecido pela mansidão
Que se espalha, sossegadamente, em cada coração e em cada criatura.
A chuva adormece e, sobre tudo, paira uma doçura enobrecedora
Antecipada na paz que é tão rara e, Deus, tão necessária.

Tere Tavares
Cascavel - PR - Brasil
http://m-eusoutros.blogspot.com.br/




http://www.carmovasconcelos-fenix.org/LOGOS/PAZ-2016/PAZ-2016-51.htm 
http://www.carmovasconcelos-fenix.org/LOGOS/PAZ-2016/PAZ-2016.htm

Obrigada, muitíssimo, querida Carmo Vasconcelos eHenrique L. Ramalho. pela oportunidade de participar com meu trabalho de poesia e de artista plástica nas ilustrações das páginas 
 Parabéns à vossa valorosa atuação à frente da Arte. Grande abraço.

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Para ver as ilustrações basta clicar no número das páginas acima.
Toda a edição dessa revista é um primor, e merece olhares e leituras especiais.

quinta-feira, 17 de março de 2016

So quem nasce pássaro fere o dorso com asas

Só quem nasce pássaro fere o dorso com asas

Quando a incerteza lhe suga a umidade, a pele exala a sede dos passos, a descendência das colorações, das searas na erupção das sementes, o calor dos astros e o arrebol de raízes indizíveis, das fimbrias da terra. Como cascas para além das clausuras, vê-se, à mesa ligeira, um alvo minúsculo posto à prova.
É como o solo dos cardos apertando-se nos prados abertos a cada beijo fito nos mastros de ontem; como um tímido tumulto arfando sobre as tulipas. Desce desmedido o rosto de música vindo de longe, muito longe, estrada e casa. Em soluços ascende-se na inebriante presença do espírito absoluto. Parecer-se a algo para ser alguém, ser alguém para ser um, ou nenhum. E é calor perfumado e quase frio, orientando os arrulhos, o meio-dia que, aos poucos, o conduz ao silêncio que se diz e o dirá, se dará ou será, como se, ao olhar-se, revirasse a eternidade, ou tornasse as fábulas absolutamente reais, para prodigalizar cada segundo em magnífico ideal. Como um outro vindo de si para abrir trilhas e ver, depois, as manadas a pisar o mesmo pasto. Não necessitava adiar a urdidura do seu íntimo. A quem pertenciam afinal as trincheiras?
O fato de ainda respirar, a cinza das águas sempre obedientes à chama, ao cinzel corrosivo de uma alegria nunca sonhada, anunciavam-no qual aroma suspenso na língua silenciosa da erosão. Desocultava-se do encarceramento e simplesmente acontecia. Partindo os juncos, sem diminuir-se, no convexo da nuvem, como se tivesse livros na ponta dos pés, dando ritmos ao som das manhãs. Temia que lhe saísse, pela linguagem, o relicário da alma e fosse morar em drusas de névoa, em florestas irresistíveis, plenitudes, como se, ao dançar, se imobilizasse.
Vem para conferir a fome estonteante do traço, mas alguém lhe dá ciência do que está para além da cor e da forma. É a carne dobrada; o corpo desconexo que salta no escuro, dando-se ao tempo, à indeterminabilidade, à minimidade de tudo o que sente. Percebe e remexe, além do seu itinerário de ostra sem concha, a mina d’água cuja fortuna é somente escorrer dentro da sede: “Conheço-me só nessas gotas, nesses bilros conflitantes de borbulhas e membros doridos. Que acidez me cobre as feridas? Isento-me de tudo, sobra-me uma quase fuga ou desistência, o desencontro da sanidade para prosseguir como fui antes que me fosse infundida a perfeição das máquinas, o desagrado das gentes, os desenganos, a impossibilidade a me cercar, tolher, bramir, submeter. Sou córrego e planta, vitória-régia, ninfeia, limo aguçado a porfiar-me de petúnias, voz clandestina, digna e repleta, que habitam as mãos nuas e cabisbaixas, solo a par do solo... colho a poeira, a dança no escuro, o que restou no desencarceramento da ternura, único círio cuja chama não se dissipa nem adormece, e vem banhar-me, isento de faces. O céu geme o meu silêncio, a metáfora inconclusa que de mim transborda”.
Distraem-se a mente e os soluços nas denúncias do inverno, no perímetro do tempo que, colorindo-se de vácuo, sorvem a flor comunicante que não finda quando eclode, em secura de fontes e seivas, na biologia dos diálogos imperceptíveis, nas dores insistentes, como se lessem as pétalas e pintassem farpas nas tranças, num debrum oxidado de luas – matriz de ar e de crepúsculo. Ele é os desencontros pretéritos, esfumados em palavras invisíveis que a liberdade tece numa voz de elo, e, no calor difuso das geadas, descobre que o segredo é invadir a estranheza das coisas.
Ele planta as cores que não cabem na ânfora ao obedecer à sinuosidade do amor – no matiz gradual dos olhos, o pulsar do impulso de proferir-se, como se, em suas espáduas, tatuasse algum sentido inusitado. A sua alma é também o mundo – ninguém a difere do que é. Exceto a armadura de sonhos que jamais deixa de ser o lado em que nasce inteiro e seguro de si mesmo. Quando então acorda próximo aos caules do ocaso, à sincronia ardente e silenciosa cicunscrita nas migalhas nunca proferidas, sorrindo seus reflexos à lingua exangue d'água – para, e só assim, compreender que a descida é posterior à escalada.
(do livro "Vozes & Recortes" Editora Penalux 2015)
Tere Tavares
Cascavel - PR - Brasil
Agradecimento especial à Carmo Vasconcelos e Henrique L. Ramalho , de Lisboa, PT, pela publicação na Antologia LOGOS Nº 19 MARÇO - 2016. Página 42/Prosa.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Publicação na Germina - Revista de Literatura e Arte

 Publicação na Revista   Germina - Revista de Literatura e Arte

dezembro - v. 11, n.(2015)



Para leitura acesse o link acima.

Agradeço ao escritor Krishnamurti Góes Dos Anjos pela resenha
 e à Germina - Revista de Literatura e Arte pela publicação.
 Meus agradecimentos à Mariza Lourenço pela recepção e edição. Grande abraço.

Publicação na Revista FÉNIX LOGOS Nº 18 JANEIRO de 2016

UMA EMBARCAÇÃO PENSADA PELAS ÁGUAS
Por Tere Tavares

À lágrima que sorri. À grafia das faces. Há tesouros que preferem ficar nos baús. Os tesouros inúteis.
“Serei sempre algo mais do que os sorrisos que chorei. Não há nenhuma diferença entre mim e essas estátuas; ambas somos estátuas a moverem-se passivamente, ramos de luas onde somente o solo nos retorna ao que somos, por sermos feitas à cava lentíssima das argilas que não cozem, como espelhos ao contrário, prisioneiras da liberdade. Há quantas investigações os olhos? A ausência de verdade? Do trigo ao pão, quanto é grão? Infecundidade dos devires”?
O sal não é mais que a terra. Para Josef, a rebeldia é a natureza do mundo. O silêncio aquoso desaba sobre o dia rendilhado de avencas. Epigramas de gotas colorem as fissuras das casas redobradas de transparências, sem jamais serem as mesmas casas, escorregando num desluzir contínuo e mudo a defluência das janelas, o alinhamento impassível das pausas, no pó descascado pelo vento.
O sol-pôr que adentra esculpe a chávena repleta, nunca meio vazia nem meio cheia. O cascalho se completa com vozes plissadas em halos, com profundas meditações. Nada é infecundo na poética de edificar (se), ou desejar criar um mundo a partir de si. “Deixa-me nascer somente agora, neste pequeno olvido de estrelas”. Perdurava intransferível, suplicante como o ar onde jogava letras, letras e mais nada, para desgrudar o mosto inodoro das asas. Porque não lhe foi dado ser, senão um estar. Não somos antigos nem moços, somos as lacerações ardilosas do tempo, a raça humana, um bando de necessitados. Josef é a incredulidade a dizer que ainda é possível acreditar num coração com orquestras. E há nele um céu aceso e um sopro musical.
“Existem momentos em que redescubro as finalidades da luz, o lusco-fusco remoído à clareza do breu. Porque a palavra carrega a pungência de tudo o que vive, como num trabalhoso ócio, transmutando-se em seiva de linguagem inata do que me integra, ainda que não conheça. Porque fora do tempo existe o espaço, a não existência ou só um retalho metafísico, outras solidões, também sós, a palha que virou chapéu. Quanto de mim sou eu nisso tudo, qual dos meus silêncios murmura o inteiro do que já não mora aqui dentro? Enrolo a língua dentro das folhas, folhas fora, folhas todas, mudas folhas. Sou folhas soltas, línguas soltas. Ondulo nas folhas para existir. O meu rosto é uma folha, um amontoado de folhas nervuradas pela vontade. Lanço-me nos horizontes permissíveis, feito sol, feito raio de borboletas, de não me guardar, não mais. Ah, pudesse eu compreender as ervas, a mastigação dos pássaros, cinco selvas depois dos poros sulcados na escuridão abissal das mãos”.
Josef perdura no cicio oculto das cigarras e para não perder-se na sinceridade de si mesmo, agarra-se ao vento, traindo as amarras que o libertam. Anota o futuro dos papéis dentro das lágrimas. A casa emudece, como antigamente, como sempre, como as palavras e as sínteses ambíguas, sentimentos e sentidos dizendo além dos instantes que veem morar nas linhas quase antigas da sua face, expressão e significância moldando-se entre os desvãos que vão ou não formar.
Josef nunca sabe o alcance, as envergaduras de algo antes do arremesso. Mas, é possível que haja, para ele, algo a intuir claramente, a obscurecer a inexatidão das causas, escassez ou demasia, uma fragrância obtida no ato de camuflar ou exibir, na visão ou na cegueira, um corredor que lhe insinua o caminho ilusório e imenso da linguagem; sementes da cor, do sonho que transfiguram a arquitetura do seu sopro, o balbucio inclemente da imaginação. Dias de decisões escolhidas a esmo que o sangram e o singram como círculos de chuva seca, como páginas sem aridez, como Josef.

do livro "Vozes & Recortes"  Contos -Editora Penalux -2015

Tere Tavares
Cascavel - PR - Brasil
http://m-eusoutros.blogspot.com.br/

sábado, 30 de janeiro de 2016

Vozes & Recortes - Resenha por João Paula Santos Pires.

Editora Penalux
23 h
Resenha do Livro: "Vozes & Recortes", contos. Autora: Tere Tavares.
“Eu não quero ser compreendida, o amor me parece ser importante.” A frase de Lygia Fagundes Telles parece dialogar com Vozes & Recortes, quinto livro da escritora Tere Tavares. Resguardado por imagens que se ondulam em frases belas, Vozes & Recortes cintila por composições que, no âmago, têm um propósito sublime. Tavares propõe ao leitor a magia de lhe sublimar a essência, de fazê-lo [re]crer no amor como um construtor de cisternas.
Outrossim, o brilho representado pelo texto conserva sua força quando se quebram os diques da contenção formal e dos padrões estáticos e estéticos. Os escritos esboçam o lavrar singelo e terno de mundos que pedem compreensão, mas de onde os olhares são condoreiros e se pontilham de cima para baixo, na multiplicidade das recepções: Nada escapa a quem tem em si o fragmento de todos os sóis.
Tere Tavares se reveste em âmbares de subjetividade e afinco, que palmilham os caminhos da utopia e do sonho. Aliás, os contos se fantasiam de imagens oníricas que desafiam as lentes do mundo categórico e perene. No limite entre parágrafos e expectativas, cabe ao leitor admirar o inebriare da criação lúcida e do sentimento desinibido. Afinal, Vozes & Recortes é o compêndio de uma lucidez que há muito deixou de ser peremptória. Nos contos de Tere, o instante não é definitivo e não existem versos indiscutíveis. Irrefutável é o poder da autora de metamorfosear os domínios da realidade e de expressar horizontes inefáveis no céu de sua literatura:
“Eram asas construídas de pedaços para não omitir aos pássaros a boca da paisagem absoluta – até que falasse, por dentro, somente a limpidez de antes. Algo que eu amava e se transformara em partes de mim mesma: uma soberana inocência capturando o silêncio”.
Em suas Vozes & Recortes, Tere Tavares captou muitos silêncios, que se desenharam de flores e introspecção, de incógnitas, de poesia e de caminhos escuros que clamam por luz. No universo de liberdade da autora, os silêncios podem ser musicais e mesclados, acomodados e plenos. E toda plenitude precisa de recantos estrelados para despontar. Quanto de mim sou eu nisso tudo, qual dos meus silêncios murmura o inteiro do que já não mora aqui dentro?
Caberá também ao leitor conservar a cautela, sobre o agradável risco de se perder em contemplação. Quando voltar a si, poderá já ter sido envolvido pelo silêncio da sonoridade e pelas estrelas de ritmo, com as quais a autora faz questão de nos presentear. De volta à compreensão racional, o emaranhado de palavras terá cumprido seu especial intento: emocionar. E então a arte resplandece na atmosfera paisagística de Tere. Afinal, suas palavras podem caminhar livres em jardins silenciosos. Podem se renovar em mesclas, vozes, laços, recortes. Antes que o parágrafo termine.

Tere Tavares Emocionadamente agradecida ao Joao Paula Santos Pires e àEditora PenaluxWilson Gorj e Tonho França por esse presente, essa resenha que guardo com o maior apreço. Estou deveras feliz, De perder a fala. Obrigada. Merci. Gracias. Thanks. Grazie.


quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Publicação na Revista eisFluências - Dezembro de 2015.



Revista eisFLUÊNCIAS -Dezembro/2015-38ª Edição-EDIÇÃO ESPECIAL DE NATAL com
232 participações de 16 países. Eu consto na página 35.

Grata pela publicação Carmo Vasconcelos e Henrique L. Ramalho nessa belíssima e especial edição de Natal da Revista eisFluènciasl, ao mesmo tempo que os parabenizo pelo exímio trabalho! Um feliz Natal! Grande e fraternal abraço.


POR JESUS CRISTO
Tere Tavares

Há muito espaço no tempo que foi por Ele dividido.
Sobram ternura e acolhimento nos Seus olhos que no céu se misturam às estrelas, porque a Ele semelhantes.
E Sua sabedoria nos deixou uma herança de bens intocáveis e nunca extintos.
Antes Dele e Depois Dele.
Esse que nos visita estejamos onde estivermos
E nos abençoa ainda que não lhe peçamos
E partilha conosco a sua vida e com sua presença oculta nos contempla como Irmão e como Pai e como Amigo inseparável. 
Porque Nascido para morrer sobre nós a Sua Vida
O amamos para sempre e sempre.

Tere Tavares
Cascavel, Paraná, Brasil


https://www.facebook.com/tere.tavares.1

http://www.carmovasconcelos-fenix.org/revista/eisFluencias/38-DEZ15/eisFluencias_Nov_2015_6_38-35.htm


terça-feira, 24 de novembro de 2015

VOZES & RECORTES um livro de Tere Tavares

Resenha por:

Krishnamurti Góes Dos Anjos 




A palavra constitui o grande veículo de expressão do conhecimento que o homem tem das coisas. E a imaginação a condição primeira de todo o conhecimento. Verdade consensual no mundo do homo sapiens.Muito bem. De que forma a literatura contribui para a difusão deste conhecimento? Contribui na medida em que lança mão da imaginação criadora transfigurando o real e transformando a realidade palpável, organizando-a dentro de novas sínteses e novos sistemas, que estão atrelados ao universo interior de seus produtores. E é assim que esta experiência colhida no contato com a imaginação criadora do escritor nos enriquece, pois nos insinua novos caminhos a seguir. Verdade também consensual, todavia muito pouco conhecida.

Avancemos mais. Grosso modo, há um modo de ser e vera realidade tipicamente poético e outro tipicamente prosaico. No primeiro o “eu”, matriz das artes, assume-se como espetáculo e espectador ao mesmo tempo; já na prosa, há um movimento do “eu” para fora de si. Em síntese: duas cosmovisões diferenciadas, embora complementares. 

Essas breves considerações nos vêm à mente ao iniciar a leitura de ‘Vozes & recortes’ de Tere Tavares, Editora Penalux – Guaratinguetá – São Paulo, 2015 – 112p. Este livro se nos afigura como obra singular no atual panorama da literatura brasileira contemporânea. Poesia e prosa andam juntas nesta obra e ambas se nutrem do mesmo lastro subjetivista e transfigurador da realidade. Os 28 textos ali reunidos não se prestam à formas engessadas, à “belezas” formais predeterminadas. Com a sabedoria instintiva dos criadores, a autora sabe que a arte é uma consequência da criação, não o cumprimento de uma meta estética preestabelecida. Assim é que prosa e poesia se atraem e se fortalecem em confluências e novos trançados. Dessa recíproca atração advém o fato de que certos trechos constituem verdadeiras clareiras poéticas como o exemplo abaixo extraído do belíssimo texto: “Nada diz mais do que uma folha em branco”: 

“Então se recolhe: ‘A criação é notadamente silenciosa, solitária, até mesmo angustiante – mas traz entranhada consigo o prazer de criar’. E isso é tudo o que lhe importa. Toda a virtuosidade que alcança se alastra através da leitura que faz do mundo ausente das bibliotecas. Então sonha: ‘Com as palavras nas faces quero atravessar o silêncio e suprir a falta das asas, a mística leveza de um retorno a um originário berço de estrelas, e obter, enfim, a alforria do efêmero, de mim.” 

Introspectiva, intuitiva, capaz de descer fundo para abeirar-se do indizível, a autora surpreende-nos com uma linguagem de expressão trabalhada, aflita e profundamente criativa: “O que posso dar ao mundo significa o nascer contínuo, a invenção de um amor original, um gesto genuíno, essencialmente, uma inocência”.Em outros trechos, verdades estonteantes onde o pensamento escapa do óbvio, se esgueira pelos meandros da ambiguidade e revelam frases luminosas que estremecem de súbito a superfície do relato: 

“Porque a palavra carrega a pungência de tudo o que vive, como num trabalhoso ócio, transmutando-se em seiva de linguagem inata do que me integra, ainda que não conheça. Porque fora do tempo existe o espaço, a não existência ou um só retalho metafísico, outras solidões, também sós, a palha que virou chapéu”. 

Tere Tavares roça verdades existenciais com as asas de luminosos trechos esvoaçantes a revelar-nos a estranheza dessa contingência a que chamamos vida: “Não somos antigos nem moços, somos as lacerações ardilosas do tempo, a raça humana, um bando de necessitados. Josef é a incredulidade a dizer que ainda é possível acreditar num coração com orquestras. E há nele um céu aceso e um sopro musical.” 

Prosa poética, poesia em prosa, ou que nome se queira dar à literatura de Tere Tavares, já não importa. O fato inconteste, a merecer aplausos, é que a liberdade estética adotada pela autora, dentre muitas coisas, também nos dá conta de que vivemos em um tempo, no qual nossas almas estão sufocadas, esmagadas em favor de valores para os quais o homem é objeto desimportante. Não seria esta a mais nobre função da literatura? Com efeito.

Krishnamurti Goes dos Anjos é escritor e pesquisador. Autor de “Il Crime dei Caminho Novo” (Romance), “Gato de Telhado”, “Um Novo Século”, “Embriagado Intelecto e outros contos” e “Doze Contos e meio Poema”. Tem participação em várias coletâneas e antologias, algumas resultantes de prêmios literários. Possui textos publicados em revistas literárias na Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro, “O Touro do rebanho”, publicado pela editora portuguesa Chiado, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional de Literatura da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance.

Agradeço imenso caro Escritor Krihnamurti Goes dos Anjos  tuas impressões sobre o livro "Vozes & Recortes" me deixam bastante feliz. Honrada pela leitura e apreciação.
Agradeço, mais uma vez, à Editora Penalux,pela publicação. Grande abraço.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Coletânea A arte pela escrita Oito

Acaba de cruzar o Atlântico, direto de Portugal para minha casa, 
a Coletânea  de prosa e poesia - 2015 -"A Arte pela Escrita Oito" 
da qual participo com as prosas "Depois do céu", "Estro" e "Acácia", numa publicação conjunta com EscritArtes Goretidias e a editora Mosaico de Palavras.

Gratidão imensa à Goreti Dias e Dionísio Dinis pelo convite. Parabenizo-os pelo belo formato e conteúdo da Coletânea, resultado do excelente trabalho e dedicação à Literatura. Parabéns também a todos os participantes de todas as nacionalidades. Tim-Tim!




Acácia
By Tere Tavares

Onde se esgarçavam os labirintos sorridentes do céu? Quando se despira a noite para que dançassem sobre si as estrelas?

“Os peixes beijam arbustos à linha da água que se perfila na argila da minha alma. Teu corpo. Eu sorrio para que venhas banhar-me a fronte com o burburinho dos pássaros. Será que o sono dos pássaros é um dormir? Germinei em ravinas as telas melódicas da realidade. Como dizer-me se não seria eu a falar o motivo da minha vinda incontornável. Numa lua que não vejo, penso cultivar o teu sorriso telúrico, a tua tez de orvalho num incêndio sem direção a ranger no horizonte, onde nascem as ancas anônimas do recomeço. Alguém indica onde está o arborescer que falta? À boca das proas alicerçadas nos teus olhos de harpa, tuas mãos de navios dedilhando-me em lentíssimas vagas, docemente”.

Inventou a luz, mas as estrelas não se perderam. Precisava de um manto para encobrir a desilusão na perícia inconclusa das metamorfoses para suster os pontos ínvios, coragem era tudo que lhe restava – mesmo ante o medo de perdê-la. A espessura lúcida evidenciava a volúpia vital que lhe envolvia os lábios, no diafragma das primícias diluídas e sem regresso, para onde confluem as palpitações das pedras, os alvéolos do vento. Não é somente as cepas de um espécime extinto ainda tilintando num sem rumo de solidão soprando-lhe os ombros, num tropeço entre espuma e água: marés, dardos e grãos.

“Não nos perdemos, apenas nos distraímos. Sabes? Aquele tempo incolor em que descascamos. Como gravetos de chuva. Criamos beleza, nunca o distanciamento”.

Então pousou os olhos sobre o seu brilho. Seu corpo. A terra em mais um pomar consumido em seu início intacto. À sua similitude.

Escreveu esquecendo o tempo, abstraindo-se de tudo. As palavras pululavam em sua mente, num primeiro momento, fragmentadas em pensamentos e sentires, para não furtar-se à sinceridade dos personagens. O leitmotiv surgiu-lhe a partir da reflexão sobre o quanto é possível a des-configuração da imagem de si mesmo ou de outrem, ante os atropelos instados constantemente pelos acontecimentos e vicissitudes cotidianas, que a tudo querem dar forma brevíssima, por atalhos e caminhos imprevisíveis.

Deu lugar às paisagens que comumente não vemos, ao detalhe que muitas vezes nos escapa, nunca, porém, sem impregnarmo-nos dos seus rastros. Promoveu um prelúdio onde as emoções, aparentemente, se destroçavam.

O único e o outro, também único, tracejam, coincidem num pacto capaz de promover resgates, aproximações impensadas. Sentiu e quis insinuar ou subverter como objetivo daquele instante criativo, a possibilidade, sempre existente, de um momento de busca que se bifurca entre uma e outra alma. Como na confluência de dois rios: o encontro.

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Estro

“Há um Silêncio enorme em nós que nos chama acenando, e a entrada neste Silêncio é o começo de um ensinamento sobre a linguagem do céu. Porque o Silêncio é, em si, uma linguagem de profundidade infinita, mais fácil de entender porque não contém palavras, mais rica em compaixão e em eternidade do que qualquer forma de expressão humana. Não há nada no mundo que se pareça tanto com Deus quanto o Silêncio.” - Mestre Eckhart de Hochheim

Não sei se fecho os olhos reservando-me num ruído onde os casulos não vibram. Sou uma canção que navega impérvia, na espessura do limbo; uma erva errante que sucumbe sobre as pedras, isenta da sabedoria das vindimas e dos favos. A angústia é uma grade invisível, um anseio por gotas e fogo que me desarma. Com esse diminuto par de luas quero silenciar o incêndio, a água, os fins, o eriçar das épocas. A voz do que amo é um sorriso, um salvamento que se dissipa para desordenar-me. Minha pele é uma canoa que guarda o momento de ser nascente e rio e mar e foz. Algo é brisa e é renúncia e esquecimento ou vício em meus azuis anúncios. Desejo ver na minha nudez a serenidade que cobre a fuga, o jejuar da palavra, a migração das mariposas sem destino. Ou ninguém. Angelical e temporário, persistente como a juventude, como o sol que se recolhe numa pausa sem pálpebras. Não me dei conta das escalas profusas, das perfurações que se desprendiam numa linha indevassável e quase definitiva, inquirindo-me impiedosamente, onde eu havia perdido o melhor de mim. Onde estive quando não estive comigo? Arrependo-me, mas não é suficiente... um pássaro sem murmúrios adormece-me o peito, como cios que não se findam, como a sombra que ilumina a estranheza difundida nas pupilas. Porque é o sol que faz girar a flor. Porque os olhos se acostumam com a luz e aceitam a circularidade retornando àquilo que precede e ofusca. Porque é necessário ser todos e nenhum.

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Depois do céu

“Ele [Deus] é a riqueza em profusão porque é Um. Ele é o primeiro e o supremo porque é Um. Por isto, o Um penetra todas e cada uma das coisas, e permanece Um, unificando o separado. Por isto é que seis não são duas vezes três, mas seis vezes Um”. (Mestre Eckhart de Hochheim )

“Tenho todas as faces, sou todos os rostos que desconheço. A palavra não se perde no candeeiro do horizonte e é sempre outra palavra. E tem faixas e agulhas lúcidas sobre o fervilhar azul da pele, o calor glacial dos nervos. Quando enfim se reconstituirão os meus ossos em nódulos robustos beijando-me como estrofes de orvalho postas num piano ou as tranças de uma rede perdida num sorriso ondulado, numa quase amnésia do vento, elã.”

Enquanto dormia despertou e viu que o amor era somente o amor.

“Arrisco a riscar o chão, coberto por flocos de solidão.”

O que lhe sombreia os ombros são os imensos letreiros arrebanhados nas restingas rudes, nas arenas vazias, são dorsos que destoam o drama das coexistências, os volumes e tramas dos vincos e vivências, intenções desmaiadas no encalço do que se ausenta e persiste e desencontra o tempo que soçobra nos movimentos e assoma em constelações supérfluas, em brilhos escuros que suplicam o arrematar das chuvas, dedilhando deidades e ferrugens, um sol resplandecente para ouvir-lhe a arte que arquiteta nos resgates das analogias e das contenções. Sabe apenas uma pista de si:

“Hoje fui a asa que não tive. Meu quinhão é a incerteza dos dias. Por saber a pássaros e prolongar-me neles.”
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textos By Tere Taavares