- Atravessou o dia sem que o tumulto o ferisse. Quando venceu a última alameda reforçou a certeza de haver forjado algo mais que uma simples defesa. Fosse de si mesmo, fosse dos grupos que, invariavelmente, se postavam num ponto qualquer do trajeto quiçá para arrebanhar futuros furtos ou consumidores potenciais de mercadorias ilícitas – novas vítimas.
Tinha o resto da tarde livre. Passou pelo portão eletrônico. Desceu do carro, ligou os alarmes. Acelerou os passos para entrar em casa. Sentia-se protegido ali no seu pequeno símbolo de bem estar, ainda que angustiosamente.
Ao chegar à sala viu-a no alto da escada, ignorava se frustrada ou feliz. Parecia calma e convidativa. Diferente dos outros dias, não indagou “porque veio mais cedo hoje”. As cortinas estavam semi-abertas e ainda filtravam das janelas os apegos diurnos.
Ela sentou em silêncio no último degrau. Descalça, descansada. O emprego se fora há dois meses. Não suportou a idéia de que lhe dissessem sempre o que abordar, quando e o que compor – coisas a que nenhuma criatividade, por mais versátil que seja, deixa de sucumbir. Faria o curso tão sonhado com a bolsa de estudos que conquistara com tanto esforço. Já dominava um terceiro idioma. Finalmente o antigo projeto redesenhava-se. Ainda não lhe dissera sobre isso. Ultimamente seu interior parecia maior e mais intransponível do que qualquer outro lugar.
Olhou-o como se não o visse há muito tempo. Os cabelos lisos e bem cortados. O corpo bem feito, jovem como o seu. Com sonhos? Era distante a última vez em que se lembrava haver lhe dito que o amava. A recíproca não era verdadeira.
“Estou aqui imaginando qual a melhor forma de te tocar”, inclinou-se segurando o violino numa fatigada esperança. Nem menos árduo nem menos belo do que sempre fora. Ela pousou a cabeça no seu braço. Sentiu o calor suave da sua presença. Havia algo nele que a iluminava. E ele sabia. Como se ela fosse todas as estrelas e o sol.
Para uma luz que acalenta outra luz nem mesmo o silêncio da música que anseia nascer parecerá opaco. Entre um perfil e uma face há bem mais que um simples testemunho. Não era preciso quebrar o encanto daquela plenitude com nenhuma palavra ou gesto.
Ele não resistiu. “Eu sempre soube quando partias.” Escutou-o sem nenhum sobressalto. Ela balbuciou tepidamente a única dignidade que imaginava restar-lhe para calar o vazio que viria em seguida. “Nunca o fiz sem levar-te comigo.”
Texto do livro "Entre as Águas" (2011)
Foto by Tere Tavares.
domingo, 5 de janeiro de 2014
Porque o amor era profundo e a luz era cheia
sábado, 28 de dezembro de 2013
Acácia - na Germina Revista de Literatura e Arte
Publicação do conto "Acácia" na Coluna "A Genética da coisa" por José Aloise Bahia, a quem agradeço o convite à participação. Agradecimentos extensivos às Editoras Silvana Guimarães e Mariza Lourenço.
Abraço a todos, FELIZ 2014.
PS. Para leitura basta clicar no link acima.
Foto: Germina - Revista de Literatura e Arte, Dezembro/2013.
domingo, 22 de dezembro de 2013
Odara
Odara
Matura-se em
fases tão irresignáveis quanto é certa a sutileza das mudanças, sendo invariavelmente
o resultado do que imagina sem evidenciar o que aparenta ao olhar alheio – um
desabafo pretérito e inescrutável.
Às vezes pensa em enviar-lhe o último
sentimento que o navegou, o passeio que reescrevera no ontem. Lembra-se das
coisas que, quase inconfessavelmente, lhe confessou. Conhece-a talvez mais
profundo do que alguém que tenha convivido consigo, entretanto, é tão triste
perceber que jamais lhe dirá que um dia a percorreu, quanto mais que esteve tão
próximo do seu amor, que foi lancinante a voz da razão a retorná-lo, quiçá, a
um porto seguro – aprendera com o tempo e guarda isso para sempre – é grato por
cada palavra que não trocaram, por cada devaneio que, mesmo agora, ao rebuliço
de lembrar-lhe o sorriso, se avizinha dele, na mente, na pele.
No alto do seu quinhão de vida
nunca perdeu a importância, como se reconhecesse entre todos os anônimos uma
alma similar à dele, à curiosidade, à inquietude que, mesmo madura, ainda o
habita – e como reconheceria a si mesmo no que desejava se assim não fosse?
Fora tão pudico, fora como é, tanta a demora, a fugacidade de estar naquele
lugar, naquele dorso irresponsável. E se pergunta sem encontrar resposta ou
repelindo-a: porque algo tão breve fora suficiente para impregnar-lhe o resto
de todos os seus dias?
Ainda não conhece toda a química
com que foi feito. Fora do seu espaço há outros espaços que o incitam
indefinidamente à busca. Como não identificar-se no que explora, como sendo ele
próprio a descobrir-se? Do
contrário, como nasceriam, quanto se tatuariam de si os ocasos do mundo?
Nas
linhas cujo espelho inevitavelmente o reflete, não é possível refletir –
suspenso como um ponto hesita entre ser sensato ou enlouquecer. Percebe que as
margens jamais se encontram e, talvez por isso, permaneçam inseparáveis
singrando, indeléveis, o placentário espaço de onde tudo surge.
Com deuses bons
e maus a lhe agarrarem o pensamento confia nas palavras como alguma coisa que
não degenera. “Mesmo que o amanhã não surja não será por que o mataste, mas por
que terás morrido antes que ele chegasse”.
Ouve de um Sadhu
que a verdade não supera a busca pela verdade. E que belas sílabas sibilam por
entre os minutos esculpidos de sua presença. Vê-se como um anjo azul que se
recusa a cair, um velho cancioneiro que ainda é juventude.
Um reino entre as formas
Uma sinceridade fingida dava palavras ao
silêncio – alimentando as que, pela manhã, despertavam como heroínas
sorridentes, sem o lamento da derrota ou o delírio de imaginá-la, para redimirem-se
ao final na arena da linguagem, umedecidas, como se fossem compactadas ao corpo
em correntezas de um curso sem som, comovendo as raízes das horas que sucumbiam
aos enigmas, alimentadas pela clorofila das nervuras folhares – a
inevitabilidade.
Os olhos de um verde lavado, os cabelos
cacheados a colorir-lhe a beleza com as nuances da terra. Sua impaciência era
semelhante à felicidade. O entardecer lento adormecia na areia... as pétalas de
espuma perfumando o mar, feito de recifes e algas, deixando no seu rosto de
olhar celeste o calor de uma selvagem ternura, como se, entre as ondas,
caminhasse seu coração de conchas saltitantes, esverdeado e profundo sob as
estrelas do céu.
Em tudo permanecia sua invisível
presença, os fabulosos homens do mar, homens do sol, completariam o entardecer
com sua tez de cobre e seus músculos de música distantes como o dia, as rochas
de pele corroídas pela luz. Sempre adivinhava quando chegavam, amiúde, com
agitada conformidade os esperava.
O terror afogava-lhe os gemidos como uma
pequena vaga entre os barcos escuros, uma razão sem memória na sua inesquecível
insistência de loucura. “Deus, somos uma lâmina de pó no pendor de tuas
virtudes”. O rosto banhado de recordações parecia não ter idade como o perfume
frio das laranjas. As folhas acolchoadas de tíbia neblina preenchiam o resto da
tarde dourada.
Descansava no jardim com seu destino sem
confidências ou favores, o assombro de texturas singulares, a tristeza de
matriz invariável sobre a névoa espessa das serras num trajeto carregado de
vazio e sombras, resplandecia, lama sólida de uma luz agressiva, nascendo num
diamante rubro para iluminar outra e outra noite.
As coisas que ao mesmo tempo se
alimentam de vida e morte não duram indefinidamente. No hálito frio da
madrugada extasiava-se numa curta eternidade. “Todos os rostos são muitos
rostos”. Uma espécie inconsciente de felicidade elemental, um estado ao mesmo
tempo estático e indiferente que anula as recordações e impede ao homem
trabalhado insistentemente pela terra, de confortar-se com ela, apoiado no
dorso das argilas.
A secreta umidade das lágrimas
deixava-lhe a alma caída junto aos pés, carícias neutralizadas pelo hábito,
linhas indecisas, flutuantes, ansiedades pausadas acenando mudanças rodeadas
pelo fulgor inolvidável das sementes do luar, como um olhar de criança cega que
tivesse visto uma película sem tê-la visto – só os detalhes devastadoramente
ternos importavam. A acha do tempo, a respiração das árvores acabaria numa
cinza ligeira e rosada. Nuvens de fumo com a mesma e completa inexatidão.
Contos Publicados na Antologia EscritArtes
"A Arte Pela Escrita IV` (2011), Editora Mosaico de Palavras- Portugal
"A Arte Pela Escrita IV` (2011), Editora Mosaico de Palavras- Portugal
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Um reino entre as formas
domingo, 15 de dezembro de 2013
Depois do céu
Estro
“Há um Silêncio enorme em nós que nos chama acenando, e a entrada neste Silêncio é o começo de um ensinamento sobre a linguagem do céu. Porque o Silêncio é, em si, uma linguagem de profundidade infinita, mais fácil de entender porque não contém palavras, mais rica em compaixão e em eternidade do que qualquer forma de expressão humana. Não há nada no mundo que se pareça tanto com Deus quanto o Silêncio.” - Mestre Eckhart de Hochheim
Não sei se fecho os olhos reservando-me num ruído onde os casulos não vibram. Sou uma canção que navega impérvia na espessura do limbo, uma erva errante que sucumbe sobre as pedras, isenta da sabedoria das vindimas e dos favos. A angústia é uma grade invisível, um anseio por gotas e fogo que me desarma. Com esse diminuto par de luas quero silenciar o incêndio, a água, os fins, o eriçar das épocas. A voz do que amo é um sorriso, um salvamento que se dissipa para desordenar-me. Minha pele é uma canoa que guarda o momento de ser nascente e rio e mar e foz. Algo é brisa e é renúncia e esquecimento ou vício em meus azuis anúncios. Desejo ver na minha nudez a serenidade que cobre a fuga, o jejuar da palavra, a migração das mariposas sem destino. Ou ninguém. Angelical e temporário, persistente como a juventude, como o sol que se recolhe numa pausa sem pálpebras. Não me dei conta das escalas profusas, das perfurações que se desprendiam numa linha indevassável e quase definitiva, inquirindo-me impiedosamente, onde eu havia perdido o melhor de mim. Onde estive quando não estive comigo? Arrependo-me, mas não é suficiente... um pássaro sem murmúrios adormece-me o peito, como cios que não se findam, como a sombra que ilumina a estranheza difundida nas pupilas. Porque é o sol que faz girar a flor. Porque os olhos se acostumam com a luz e aceitam a circularidade retornando àquilo que precede e ofusca. Porque é necessário ser todos e nenhum.
Depois do céu
“Ele [Deus] é a riqueza em profusão porque é Um. Ele é o primeiro e o supremo porque é Um. Por isto, o Um penetra todas e cada uma das coisas, e permanece Um, unificando o separado. Por isto é que seis não são duas vezes três, mas seis vezes Um”.
Mestre Eckhart de Hochheim (1260 – 1328)
Mestre Eckhart de Hochheim (1260 – 1328)
“Tenho todas as faces, sou todos os rostos que desconheço. A palavra não se perde no candeeiro do horizonte e é sempre outra palavra. E tem faixas e agulhas lúcidas sobre o fervilhar azul da pele, o calor glacial dos nervos. Quando enfim se reconstituirão os meus ossos em nódulos robustos beijando-me como estrofes de orvalho postas num piano ou as tranças de uma rede perdida num sorriso ondulado... numa quase amnésia do vento, elã.”
Enquanto dormia despertou, e viu que o amor era somente o amor.
“Arrisco a riscar o chão, coberto por flocos de solidão.”
O que lhe sombreia os ombros são os imensos letreiros arrebanhados nas restingas rudes, nas arenas vazias, são dorsos que destoam o drama das coexistências, os volumes e tramas dos vincos e vivências, intenções desmaiadas no encalço arisco do que se ausenta e persiste e desencontra o tempo que soçobra nos movimentos e assoma em constelações supérfluas, em brilhos escuros que suplicam o arrematar das chuvas, dedilhando deidades e ferrugens, um sol resplandecente para ouvir-lhe a arte que arquiteta nos resgates das analogias e das contenções. Sabe apenas uma pista de si: “Hoje fui a asa que não tive. Meu quinhão é a incerteza dos dias. Por saber a pássaros e prolongar-me neles.”
Agradeço ao Pipol pela Publicação destes contos no Portal Cronópios:
domingo, 22 de setembro de 2013
Germina - Revista de Literatura e Arte
Grata aos editores da http://www.germinaliteratura.com.br/
pela publicação desses contos:
http://www.germinaliteratura.com.br/2013/tere_tavares.htm
pela publicação desses contos:
http://www.germinaliteratura.com.br/2013/tere_tavares.htm
sábado, 7 de setembro de 2013
A Cuidadora de Fontes
A Cuidadora de Fontes
Mostrou o olhar como a orla de uma partitura, tornou a guardá-lo sobre as pálpebras. Semeava-se fragilmente num ondular castanho, como se beijasse seixos marinhos. Seu destino chegara às areias flagrantes que a observavam. As linhas à mostra. Insistentes. Teimosas.
Histórias não contadas lhe serviam estrelas de alquimia aprimoradas a cada cerzimento disseminado pelo espírito inquieto – eram tão perpetuados aqueles poucos raios de luz a balbuciarem o desejo por mais luz.
A investigadora de palavras era a colecionadora de conchas e a colhedora de flores; uma página a tornar-se fértil. “Não tenho o mar nos olhos, mas tenho os olhos no infinito.” Algo pousou em seu peito ensolarado, suplicando para que não acordasse a sombra. “Não tenho nos lábios as palavras; nem a minha alma é a linguagem.” Resumiu-se no zelo esplendoroso de sabê-las inseparáveis de si.
Na desolação que passava ao lado, um convite sugava o nada deposto no que seria a proteção de galhos frenéticos antes de exaurir-se o que imaginara maior.
Uma borboleta amarela vigiava as flores de romã – os frutos amadureciam invariavelmente em dezembro. A cultivadora de frutos, uma impossibilidade realista, talvez existisse para que não deixasse de existir a compaixão. Desapareceu no seio do pomar que a confiscava, desbotando no irrecuperável pendor de quem não configura sementes em qualquer terra.
De dentro da sala os trabalhos do ano anterior tornavam-lhe evidente a inércia involuntária. A forma tridimensional aferia rejeições do passado. Inúteis. Quisera ter agarrado com o silêncio das mãos a paisagem que a despertara, o almejado novo rumo desdenhado ao rigor dos próprios pés.
Que significado submerge do que brota para além do desejo? Transpôs a hostilidade azulada e o amanhecer corriqueiro lhe trouxe do exterior um inescrutável céu, como se a lua abrisse os olhos para iluminar-lhe o coro de nomes que preferia anônimos.
Como se dissipara repentinamente a crua sensação de felicidade que estivera consigo? Sobre símbolos febris recostou o destino de não ser comum sendo habilmente igual à maioria, ainda que para filtrar a mesma vibração ou, de alguma forma, integrar outros horizontes – tão inequívocos quanto era verdadeiro o madrugar despertando o desconhecido – retomando ordens revestidas de extremada bravura.
Assim como não há ferida que resista às cápsulas do que passa, algo inexplicavelmente atraente a retornaria à Flowoers Street. O número não era compatível com quem estivesse só. Nem o andar. Nem o elevador. Nem as faces que a encontraram com aquelas personalidades. Tão ausentes. Todas estranhas e famintas de sal... Todas tão suas sem o serem.
Colheu mais um lírio em cujo perfume tentou adormecer. Depois um girassol. Colecionou insônias na mesma frequência com que vivia sonhos e conchas. Cultivou romãs por mais um tempo. Depois amoras, madressilvas, laranjais. Cuidou e investigou inexprimivelmente marés e nascentes. Depois mais palavras. Depois xícaras de chá. Depois a paz e a linguagem. Pelo resto do tempo: “que tudo possui.”
Do livro Entre as Águas -TT
Foto - lirios -TT
Mostrou o olhar como a orla de uma partitura, tornou a guardá-lo sobre as pálpebras. Semeava-se fragilmente num ondular castanho, como se beijasse seixos marinhos. Seu destino chegara às areias flagrantes que a observavam. As linhas à mostra. Insistentes. Teimosas.
Histórias não contadas lhe serviam estrelas de alquimia aprimoradas a cada cerzimento disseminado pelo espírito inquieto – eram tão perpetuados aqueles poucos raios de luz a balbuciarem o desejo por mais luz.
A investigadora de palavras era a colecionadora de conchas e a colhedora de flores; uma página a tornar-se fértil. “Não tenho o mar nos olhos, mas tenho os olhos no infinito.” Algo pousou em seu peito ensolarado, suplicando para que não acordasse a sombra. “Não tenho nos lábios as palavras; nem a minha alma é a linguagem.” Resumiu-se no zelo esplendoroso de sabê-las inseparáveis de si.
Na desolação que passava ao lado, um convite sugava o nada deposto no que seria a proteção de galhos frenéticos antes de exaurir-se o que imaginara maior.
Uma borboleta amarela vigiava as flores de romã – os frutos amadureciam invariavelmente em dezembro. A cultivadora de frutos, uma impossibilidade realista, talvez existisse para que não deixasse de existir a compaixão. Desapareceu no seio do pomar que a confiscava, desbotando no irrecuperável pendor de quem não configura sementes em qualquer terra.
De dentro da sala os trabalhos do ano anterior tornavam-lhe evidente a inércia involuntária. A forma tridimensional aferia rejeições do passado. Inúteis. Quisera ter agarrado com o silêncio das mãos a paisagem que a despertara, o almejado novo rumo desdenhado ao rigor dos próprios pés.
Que significado submerge do que brota para além do desejo? Transpôs a hostilidade azulada e o amanhecer corriqueiro lhe trouxe do exterior um inescrutável céu, como se a lua abrisse os olhos para iluminar-lhe o coro de nomes que preferia anônimos.
Como se dissipara repentinamente a crua sensação de felicidade que estivera consigo? Sobre símbolos febris recostou o destino de não ser comum sendo habilmente igual à maioria, ainda que para filtrar a mesma vibração ou, de alguma forma, integrar outros horizontes – tão inequívocos quanto era verdadeiro o madrugar despertando o desconhecido – retomando ordens revestidas de extremada bravura.
Assim como não há ferida que resista às cápsulas do que passa, algo inexplicavelmente atraente a retornaria à Flowoers Street. O número não era compatível com quem estivesse só. Nem o andar. Nem o elevador. Nem as faces que a encontraram com aquelas personalidades. Tão ausentes. Todas estranhas e famintas de sal... Todas tão suas sem o serem.
Colheu mais um lírio em cujo perfume tentou adormecer. Depois um girassol. Colecionou insônias na mesma frequência com que vivia sonhos e conchas. Cultivou romãs por mais um tempo. Depois amoras, madressilvas, laranjais. Cuidou e investigou inexprimivelmente marés e nascentes. Depois mais palavras. Depois xícaras de chá. Depois a paz e a linguagem. Pelo resto do tempo: “que tudo possui.”
Do livro Entre as Águas -TT
Foto - lirios -TT
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
Um resquício ou as folhas clandestinas
Um resquício ou as folhas
clandestinas
Primeira carta: “Os dias se
levantam com um gosto único de dias. Preferia um gosto que não doesse nem
ferisse. Ando a esmo o mesmo e estranho caminho no raso em que se demora o
desmando de ir. Os pés de ipê já floriram, a primavera se coaduna com pássaros
de imprecisos trinados. O amarelo no fundo do meu olho é apenas o sol habituado
a expulsar a marca de um presente que embora rejeite não posso modificar. Fecho
a névoa, a que abrirá o coração cioso e distante que acalenta tantos mundos – acima
da fragilidade há os temores findos no segundo em que encontro a inexprimível
liberdade de sorrir o conforto das horas.”
Há como enfrentar os sentidos sem
cortá-los ao meio? Se a imediata compreensão é possível também é provável
refratar um pensamento com outro. Nunca vi a voz que andava de sapatos novos.
Não a conheço. Mas é como se a conhecesse. Alguém a descreveu numa outra carta
que recebi: “...reside num país distante, é humilde e rica, faz teatro, e, embora
às vezes pareça beirar à arrogância, tem como principal característica o rosto
angelical e a alegria contagiante.” Escreveu ainda – e não fosse isso eu
estaria menos confusa – num Post Scriptum: “consigo meus próprios sapatos e,
pelo prazer de andar descalça, há sempre novos pares a minha espera.”
Querida Clarice, em sua homenagem
a luz que chora a hora da estrela aprende a viver sua eternidade e a descoberta
do mundo se debruça em saber como nascem as estrelas. A bela e a fera ensaiam
mais um sopro de vida. A vida íntima de Laura (a mulher que matou os peixes) é
quase de verdade, de corpo inteiro. Quando a via crucis do corpo lhe segrega sussurrando “onde estiveste esta
noite” a sua felicidade ou liberdade clandestina transforma-se em água viva. Seu
espírito soma-se a uma aprendizagem inovadora – o livro dos prazeres – como se
desfrutasse continuamente de uma legião estrangeira, ponderando sobre a maçã no
escuro, o lustre e os laços de família. Não é de estranhar que perto do seu
coração selvagem sobreviva apenas o mistério pensante da paixão. Com atenção:
Lispector.
Texto do Livro Entre as Águas by Tere Tavares
Foto by Tere Tavares
quinta-feira, 15 de agosto de 2013
Dentro ou ao redor do fictício
Dentro ou ao redor do
Fictício
"A maioria da gente é outra
gente" (Oscar Wilde)
Começara aquela manhã já em seu final com o firme intento de inscrever-se na admiração dos que a cercavam. Talvez por entender que sua obra era uma simples dádiva à bondade. Hester se preocupava em preencher sistematicamente seu interior de luzes e brilhos famintos de expressão – não importava o método.
Bastava servir-se de melancolia, um
destino mal vestido, mal tratado. Às vezes, era como uma testemunha fitando
algo impossível de confiar a alguém – o que não lhe coubera conquistar. A privação
era também um alívio, incontestavelmente persuadível.
Não era necessário contemplar o espírito nômade recém chegado firmando-lhe um vestígio concreto de felicidade diante da etérea escuridão. Obedecendo ao que lhe ditara o coração repassou a torturante certeza de que não poderia retornar ao lugar de onde não há retorno.
Sob o céu reluzente e apesar da aridez forjava um novo intento. Na suavidade da noite impregnava à imaginação o prazer de ultrapassar o desconhecido, o furor inenarrável de criar. Busílis. Eis aí.
Os bosques pareciam uma ordem renascida, uma cantiga de estrelas irredutíveis. O impermanente, as malícias e álibis, tendo à direita e à esquerda o agora, a resplandecência de venerar as inevitáveis brotações do sentimento.
Repercutia, ao tocar, com as
suas, outras divisões gravadas em filigranas de infinito, encerrando o que
tivera no dia anterior e ensinando-a a não programar o próximo.
Texto do livro "Entre as Águas" By Tere Tavares
Foto By Tere Tavares
sábado, 20 de julho de 2013
Do sal à água ... em multidão
Do sal à
água ...em multidão
De quais
orientações me despem os oceanos para se espelharem no espaço em que adormecem
e se acumulam as ausências dos meus inícios?
Ali, onde o óleo perfumado é leito e as
armaduras se distribuem em vôos de fantasias reais, se despedem os meios-tons
do silêncio de haver mais por regredir, (cá do meu canto sem encanto finjo não
chorar cada momento amigo da distância).
Amparo-me em
âmagos-motes, povoando um único instante: ser mar e areia confluindo entre
margens de oásis. Quando então intuiria que tudo se dota das mais estranhas
singularidades? Seria meu ...ou eu esse
mar, essa sereia, onde recolhida em saudade, peso menos que o opaco horizonte que me deseja enxergar.
O que serei dessa fração não minha, crispada de ventres, sabor e alma?
A cada final
de aurora em que recolho o que gostaria de nutrir por muito mais tempo, num
ínterim que escapa de um céu iridescente escorrego nalguma rua imaginária,
salpicando sinais aos imprevistos que me impulsionam para fora de mim (o algoz
tão próximo) as muralhas adornadas de pombas, a coragem flutuante nos ramos de
acácia.
Lago do
papel que não me ilustra, afago o ocre dos papiros impressos nas orgias
outonais, nas cumeeiras das casas à minha frente, dançando em colunas rotas de
ternura.
As ilhas de
sal que ficaram ao longe me perpassam o corpo com aparições de vidro. A doçura,
nívea, se torna compulsiva e me dá uma possibilidade única de vislumbrar-me
maior que a felicidade, pecadora ou angelical, quem me implorará sentires nunca
experimentados? Dedilho vagarosamente no meu ser a feição mais cúmplice, o
jeito que não descrevo.
Como um
traço corrompido a lançar-se num abissal infinito, com véus de alguma estrela
diversa da minha ousadia, opto, sabendo
que já opção não me resta, pelos mais salgados sais ... sem razão, perpetuo o
desfiar dos relicários, relatos pálidos
de ostras, renascendo rapidamente em outra intrusão sem dia nem tempo por
acabar... Se partirem-se os meus opostos, acoberto-me na própria engenharia do
exercício que me constrói sem dar conta às renúncias por verter.
Obtusa, replanto
lírios recolhidos de águas e salinas, muitas outras vezes, apenas para
reconhecer o gosto de gostar-me. Com a alma espiralada na praia, a magia do meu
regresso se redobra, porque simplesmente não suponho conformar-me em nublados
resumos de mim ...como se não conhecesse o pranto ...o sol insufla-me a carícia do calor em
buquês de vinho enquanto o vento, em ziguezagues, me sublinha a testa com mais uma de suas veredas.
Do livro "Entre as Águas" By Tere Tavares
Foto By Tere Tavares
quinta-feira, 20 de junho de 2013
Nas divisas de um campo
Nas divisas de um campo
No es bueno quedarse en la orilla...
Sino que es puro y sereno arrasarse en la dicha de fluir y perderse,
encontrándose en el movimiento con que el gran corazón de los hombres palpita extendido. (Vicente Aleixandre)
Com a saudade adormecida no colo pensa não ser considerável retomar o caminho. O silêncio lhe entorpece a solidão do corpo, da alma. Um naufrágio vive preso em seus pulmões. Balbucia qualquer coisa, inquieta-se, e novamente se tranqüiliza. Os estagnados não criam alegria nem beleza. Tampouco servem a um maior objetivo.
Ainda não detinha as rédeas do coração. Apenas se perdia em seus labirintos de emoções – alguns saneados e reconstruídos, outros em ruínas, com abrangências cada vez mais profundas e insaciáveis.
O que aparentava ser simples de abandonar sem qualquer apego agora se tornava um aglomerado de situações insípidas. Não havia nada que soasse verdadeiro à sua fatal compulsão por novidades. Ignóbil. Julgava-se, mortificando a si mesmo sem que o tempo o soubesse, como se aos poucos pudesse recuperá-lo. Quanto daquilo tudo não era sua própria sombra às costas do mundo?
Tocou-lhe os cabelos levemente para não despertá-la. Só naquele instante admitiria, recusando o inevitável revés, que não adiaria por coisa alguma a sua nômade natureza, exultando a verdade, fora de si, sem nenhuma noite para segui-lo.
No es bueno quedarse en la orilla...
Sino que es puro y sereno arrasarse en la dicha de fluir y perderse,
encontrándose en el movimiento con que el gran corazón de los hombres palpita extendido. (Vicente Aleixandre)
Com a saudade adormecida no colo pensa não ser considerável retomar o caminho. O silêncio lhe entorpece a solidão do corpo, da alma. Um naufrágio vive preso em seus pulmões. Balbucia qualquer coisa, inquieta-se, e novamente se tranqüiliza. Os estagnados não criam alegria nem beleza. Tampouco servem a um maior objetivo.
Ainda não detinha as rédeas do coração. Apenas se perdia em seus labirintos de emoções – alguns saneados e reconstruídos, outros em ruínas, com abrangências cada vez mais profundas e insaciáveis.
O que aparentava ser simples de abandonar sem qualquer apego agora se tornava um aglomerado de situações insípidas. Não havia nada que soasse verdadeiro à sua fatal compulsão por novidades. Ignóbil. Julgava-se, mortificando a si mesmo sem que o tempo o soubesse, como se aos poucos pudesse recuperá-lo. Quanto daquilo tudo não era sua própria sombra às costas do mundo?
Tocou-lhe os cabelos levemente para não despertá-la. Só naquele instante admitiria, recusando o inevitável revés, que não adiaria por coisa alguma a sua nômade natureza, exultando a verdade, fora de si, sem nenhuma noite para segui-lo.
Foto e texto By Tere Tavares
quinta-feira, 4 de abril de 2013
A dor me ser
A dor me ser
afundo a mão entre as águas
trago seu remanso sobre o meu não saber delas
para recortar a lâmina úmida
acredito que haja um assovio
na lágrima que é lume sombrio
tremulando como alvéolos
teares nas chaminés do campo
quando a noite se enfraquece
no cio das aves
outro é o pão que alumia o dia
argila que se molda uma única vez
agora são rios os raios que se aquecem no frio
e se aconchegam e se verbalizam no silêncio
– nada diria para que continuasses a dizer
– nada diria para que continuasses a dizer
tantos voos suspirando nesse vazio
onde a correnteza é o lar grave da margem
o anseio da ilha – que me reste somente
o que consigo beber dos seus leitos breves,
como um círio raso e único...
como um círio raso e único...
quando a guarida é remo e rede,
quando não me disfarço de mim - sonrío.
Tere Tavares
em
Debaixo do Bulcão poezine
n.º 41 - Março 2103
sábado, 2 de março de 2013
Minicontos
Som
Esquecera há quanto ocultara na
falta de tempo as leveduras do pó e seus milhões de ouvidos. Abriu o
compartimento de onde viriam as notas. Um clique. Debussy. Massenet. Guardava o
som na memória que esquecia títulos, composições. Só a melodia a vagar o
sentido que não oblitera. A leitura disforme e veloz como as mudanças
tecnológicas. A fome por som continuaria somente até a segunda idéia navegar a
distância da aproximação, portas presentes.
Meditação para Thais e Clair de Lune. Viu partituras. Ouviu piano, violino.
E segregou-se no retrato de um homem que possivelmente teria amado.
Em cruz ilhada
O palco era composto de quase
nada. Dois bumbos, um violão, um
órgão eletrônico e um cantor.
Nunca se soube a cor da face ou o contorno dos olhos da companheira que não o
acompanhava – uma dócil utilidade afeita a jamais passar das frestas. Obra do
cantor ou do conformismo de um destino, de cuja voz e sorriso pendiam seus
cabelos desprotegidos, a sua boca delineada pelos murros da percussão. Enquanto
a platéia, dividida e surda, aplaudia num quase silêncio a expressão mezzo-soprano, nascia mais uma heroína
morta.
Ambição
O corredor da sala ficaria com o
azul rosado, o quadro das embarcações. Para o quarto distante e agora
mais feliz levaria as tulipas aquáticas que antes eram da sala. Na onda
embranquecida pela violência do mar já se haviam dizimado os motivos do choro.
O coro de lamentos sumira no lume da primeira embarcação – máscaras e
caracóis vestidos na véspera. O vazio prenhe de elipses entre decisão e
ardor, ascendia num horizonte lívido de silêncios sem voz. Quisera correr e
agarrar-se aos remos com os braços fortes de outrora. Quisera haver ainda sais
para remar a vontade de parar.
Opulência
Era uma mina de diamantes.
Ganharia quem chegasse primeiro. A preciosidade pertence aos bem lapidados, e
só lapida com perfeição quem ousa conhecer o ruído das coisas. Pedra a pedra
fora buscada como se estivesse próxima. Daquele diamantário viria a lembrança
tão árdua de guardar quanto era rija a certeza de ser um tesouro só seu. Tentou
em vão atinar o caminho de volta para o rio. O de antes. O da inundação que
espelhava dentro d’alma, continuamente, bruxuleando em aquiescências fugidias.
Tão similar às jóias dormidas por fora da sua insônia – à fração de censura que
se permitia.
Debrum
Revestia-se humílima no breu da
razão onde esmigalhara vertigens irresolutas, esmiuçada no equilíbrio de uma
desordem no fio dos lábios exultando um ontem mínimo e indispensável à
perfeição do hoje, hígido, servil. Estremeceu a voz numa hiperbólica vigia “ah
se não fosse se não viesse se parasse o que possui dores”. Via no branco
espalmado apenas a liberdade feita de algemas. “E esse céu que se vai tecendo
num fulcro de impossível”. A fadiga solúvel, uma fragrância irrecusável de
alecrim e calêndulas – um gesto súdito a reveste derramando-lhe um cetim
consútil – sua noite de pêssegos.
Eco lógico
O peso do elo pode não ser um pesadelo. Na urgência que tem
para que o tempo demore já não demora nem retorna à raiz a árvore que cai –
apenas o corte finge que o cinge quase esquecido do seu gosto de nozes. Como
uma película de lagos entre os braços tinha para si a modorra que movia. Sequer
existia. Rodava nas horas que imaginava. Ramagens. O cansaço não adormecia nem
o dormir acordava. Uma angústia exausta não aceita ordens; quer exaurir e o faz
tombando de forma macia, sem a tristeza de não dar arborescência ao próprio
reflexo.
Açucena
Uma forma de driblar a solidão e
derreter as coisas que fermentam, erroneamente refreadas – deixar um pensamento
para depois é correr o risco de perde-lo – já não ousa correr riscos nem deixar
de correr porque o tempo tem pressa. Aprende a falar sozinha para não
desaprender a falar, perde o apetite na proporção que lhe cresce o pássaro do peito
entre roupas sujas e ninhos limpos. Quer olhar coisas onde coisas não há para
estreitar ...caça às escuras, entre simbioses e moedores de letras, algo que
aproxime a distância entre os abraços. Do vôo suprimido de asas vê o vácuo,
bebe o céu. Seu sim.
Sadhu
Ao optar por não-dizeres guardava
surdamente a dor que os substituiria. A vibração foi demasiado contundente. O
dia que se seguiu era como outro qualquer – caminhava entre nuvens, numa
construção solitariamente muda, evitando o esquecimento escaldante que parecia
querer queimar tudo o que estava vivo. Quis salvar os olhos. Há tempo as ruas
não imitavam seus movimentos. Tudo vive, ainda que pereça. Como ontem. Quando
mesmo entre um cárcere e outro, ao entender o sentido de ser só sem ser
solitário, não deixou de escapulir, magnanimamente iluminado.
Oitenta-e-Oito
Do vôo entenderá quem não é
alado? Magister dexit. Alimentava-se dos frutos desprezados pelas
árvores. O número circunscrito nas asas brilhava mais quando pressentia
a implacável caçada. O abdômen preso a um alfinete, as cores e a silhueta sem a
vivaz perfeição de antes. Pensada inesgotável e sem memória a Diaetheria
Clymena seria capaz de esquecer os que lhe
haviam provocado a quase extinção em troca de haverem eternizado a forma com
que os fez sentir – porque adorava a luz e jamais tinha certeza se
testemunharia a próxima alvorada.
O Alienista
A perspicácia o faz ainda re-ver algumas provas. É agradável
o deslindar dos pensamentos à sua frente. Fragilmente forte não reagiu quando
bateu a chave com força e fez cair a porta. Talvez se assemelhasse àquela
fechadura muda que lhe abriu o chão para vê-lo enrijecer o esquecimento de
todas as coisas que por insegurança o fizeram útil. Um exclusivista ligou para
ser ouvido. Quando quis fazer-se ouvir “só um minuto” não teve garras – seus
ouvidos eram os erros da casa – os labirintos de Borges.
Ver-te Vertente
A página não é suficiente para
que se firmem os olhares. Todos se fecham diante do sofrimento. Não entendo
porque não possuo a mesma cegueira. Não sei onde sou eu nas coisas que não
vêem. Para que presságio ou desentendimento irá essa compreensão que não sinto?
Exerço uma nota de brilho. Nenhum papel. Cada partícula de mim se alimenta
dessa possibilidade de sonhos, talvez soprados em realidades atemporais
onde prevaleça algum retalho esmaecido e sem orgulho, quando serei o fragor
composto por quem já ousou sem a consciência do medo.
O menor de todos
Eu visto outra pele sem ser a minha alma uma pele que visto.
Não me escondo senão por uma timidez ou um desejo de ser o nome obtuso
estreitando livremente a ameaça de mostrar-me. Como se nunca sucumbisse a luz
errante da sombra. A confiança erra ao não ter compaixão. Vale a pena sonhar,
me antever quase totalmente arrependida nessa terra
estranha que se tornou a minha figura. Minhas
fotografias são essas palavras, e algumas palavras são sapos. Não há sentidos feios, apenas almas. Não há palavras feias, apenas sentidos. Papel de bala.
Órion
A pretensa ilusão de que as
coisas ao redor deixam ou continuam a existir, apesar de tudo, sobre tudo. Crer
no espelho quanto é possível a crença em si mesmo – não é outra a imagem
refletida – o cognitivo compele à saciedade, (ou pelo menos deveria), para
melhorá-la, sem objetar modificá-la. Quanto há que acobertar ao testemunhar
autor e obra não sendo senão outros, sós, ungidos para girar, deambulando entre
um e outro floco visionário, presos ao mesmo cordão, desprendidos e naturais,
mergulhando onde nenhum tesouro parece estar aguardando-os.
Mata
Num oceano de folhares o néctar vive com o trivial cerne da
comoção. Quem nunca teve uma grande ferida para saciar? Toma a sua cicatriz
aberta e desperta do que não é, em absoluto, um pesadelo, um caule impoluto.
Uma foice cruza o último solstício tropeçando sem saber se ainda serve aos
admiradores da resistência. "Melhor se não vivas" diria a teimosia
peregrina ao luto das ramarias. Talvez um imbecil soubesse de matemática quanto
sabe a sorte do semeador. “Não julgariam se me vivessem; sou uma eterna grade,
herdeira sentenciada pela casca que me veste como quem despe”.
Enlace
Houve um estranho momento em que cheguei antes do nada. Era
um perigoso fragor de manhãs de circuitos únicos, suavizados. O indelicado
sabor da loucura ia-se distante. Sem deixar impressões ou memórias dúbias.
Dobrei-me diante do luar que balbuciava distante enquanto tudo ali estava. Ou
restava, em janelas obscuras e desregradas cortinas. Vi-me a balançar em
pequenas redes de nuvens, claras como o sol. Surpreendi o poema
a fazer-se rosto, dourado, irresignável. Mostrando-me onde residia o que
faltava.
Pilha
Ando apática de sentimentos.
Talvez porque experimento ser mais feliz do que sempre fui, mais inerte do que
julgava. Não folhei o volume que menti que leria. Nem me interessei por quem o
tivesse escrito. Perdi-me no seio das folhas dos filhos renegados. Óbolos
recolhidos humildemente em seixos e areias antes mares com restolhos de ostras
e mariscos. Madrepérolas inquisitivas se tornaram adornos no meu corpo esquivo.
Minhas primaveras parecem pobres para resgatar o livro de névoa que voa lá
fora. Então digo à velhice das horas diminutas salinas vindas de dentro, marés
vertidas em silêncio.
Ductilidade
No meio do bosque, drusas e
ametistas ainda se decidiam por derreter a escuridão. Como seus olhos
de cristal quase verdes, quase mares. Comprou um anel de três pedras
e o colocou no dedo médio. O seu vestido rodado marcado na cintura, decote
discreto, da mesma cor de ágata. Dançou mil vezes no tapete das deusas, sequer
sentia a leveza do corpo entregue à cegueira da música. A vertigem do desejo
caia-lhe do rosto. Não erradicaria sua herança de pedras. Devolveu um sorriso
sem cumplicidade ou promessas. Não gostava dos ocasos cor de areia.
Alvo
Teve certeza que o egoísmo – sentimento tão absurdo e
horrendo – poderia vingar-lhe sobrevivência. Relutou. “Vou pensar em mim”. O inferno são os outros – esquecera, é
mais fácil lembrar do sentido do que do autor que o desencadeou – Sartre teve a
felicidade de aguçar em três palavras uma grande verdade humana. Talvez um
livro secreto o tivesse incumbido dessa fagulha de eternidade da qual não havia
como não concordar, exceto pela ínfima razão de que o céu existe porque o
inferno existe. O que cabia, talvez fosse aferir com terrível exatidão o
caminho do meio sem ser um Einstein ou um Da Vinci.
Dom
Hoje o normal virou-se e disse um
olá. Na contramão o inconfesso quis aproximar-se e temperar o sortilégio mental
da sua preguiça. Soube apenas do portão aberto ao toque inseguro, agilmente
determinado. Ao chegar não perscrutou perguntas, preocupações ou suspeitas.
Depois da pausa o recomeço; é assim sempre, ou quase sempre. De definitivo só o
presente com o que há de definitivo. Interrompe o silêncio que agora se instala
para outra pausa igualmente silenciosa. A beleza inaugura o que a contempla
como um menino recém acordado. Deixa-se ficar – em nome da arte quanto em nome
de Deus.
Publicados também em setembro 2013: http://www.germinaliteratura.com.br/2013/tere_tavares.htm
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
Poemas
I
Entardecer na cobertura
para ariel tavares
o vento sopra nas coroas das palmeiras
o sal do mar se infiltra em todos os lugares
da pele à raiz dos cabelos
a noite diz boa noite mas não promete ser boa
haverá ressaca e a maré alta trará consigo
tudo o que puder arrebanhar
o braço da maré não é feito de moliços
nem de ossos
é feito da força líquida e invencível das gotas
o vento alucinante prospera
e a lua sopra suas mantas prateadas
então sobre as areias antes brancas
há manchas
nuanças de breu
daqui de cima não vejo tudo
embora escute o que imagino
o que me diz esse eu
desdizente
para ariel tavares
o vento sopra nas coroas das palmeiras
o sal do mar se infiltra em todos os lugares
da pele à raiz dos cabelos
a noite diz boa noite mas não promete ser boa
haverá ressaca e a maré alta trará consigo
tudo o que puder arrebanhar
o braço da maré não é feito de moliços
nem de ossos
é feito da força líquida e invencível das gotas
o vento alucinante prospera
e a lua sopra suas mantas prateadas
então sobre as areias antes brancas
há manchas
nuanças de breu
daqui de cima não vejo tudo
embora escute o que imagino
o que me diz esse eu
desdizente
para ti, minha bela flor de caracóis,
sob o teu regaço de moça
o sargaço dessa mãe
extrema e nunca ausente
que te sente
porque te ama.
sob o teu regaço de moça
o sargaço dessa mãe
extrema e nunca ausente
que te sente
porque te ama.
II
Marejar
meu sentir é mais ligeiro a cada manhã
e essa copa de araucária quase entristecida
onde o vento pousa a alegria de sua velocidade
implacável
eu de pouca altura e pouco peso
coaduno-me em luzeiros obscuros
cinzelados de mar e suor
a forma do ar que me suporta
e desenferruja a madeira que se perfila em minha alma
o espinhoso dorso que fui para alguém
meu sentir é mais ligeiro a cada manhã
e essa copa de araucária quase entristecida
onde o vento pousa a alegria de sua velocidade
implacável
eu de pouca altura e pouco peso
coaduno-me em luzeiros obscuros
cinzelados de mar e suor
a forma do ar que me suporta
e desenferruja a madeira que se perfila em minha alma
o espinhoso dorso que fui para alguém
que alguém foi-me
numa nostalgia sem eco
o temor do amortecimento da luz
enganando o que anseio
insinuando tentações que já não alcanço e quero
um esgar úmido e parco e inquisitivo
como sabiá à esquerda do improviso
o quinhão que me não quer
o coração impreciso
de cujo olhar me perco.
numa nostalgia sem eco
o temor do amortecimento da luz
enganando o que anseio
insinuando tentações que já não alcanço e quero
um esgar úmido e parco e inquisitivo
como sabiá à esquerda do improviso
o quinhão que me não quer
o coração impreciso
de cujo olhar me perco.
III
que sabor tem o verso
que aporta entre ondas e espumas,
o novo não teria mansidões e areias,
motivos para instar turbulências e brumas,
algumas oceanando mansas
outras irresolutas e afoitas,
onde te cansas,
quando há portas sem qualquer perspectiva,
insuspeitamente, feito música,
entre o que muda e o que emudece,
sobrarão as palavras
que suportas.
IV
nobremente argutos
sem a ignomínia das palavras
ou quaisquer outros tolos orgulhos
só fazem proferir luzes
senão assim
preferem ser como as pérolas
e as marés
alguém maior os coroará
no altar-mor
e se ajoelhará diante deles
o que duvida
de suas sinceridades límpidas
quando e se souber
será depois que eles souberam
mesmo cerrados dirão
além do que fingem não olhar
sedas, retinas, pétalas e cílios
Pássaros de Abril
perambulando entre as vozes sem nome
ásperos como o desespero
cheirando a sal e uma branca flor-de-lis
com a preocupação de irem-se
num vôo feliz
aguardam as brisas breves do outono
– eterno é o movimento – algo do parvo ninho.
do céu, invejados pelas nuvens,
Um só
uma rosa sobre os muros
esmorecidos
uma coisa visível está arruinando o mundo,
ou a entropia o está concertando,
como uma sinfonia desleal que declara,
erramos,
errantes filhos de uma Terra insatisfeita,
empobrecida pela prole,
cujos mármores despem a sombra
e não resiste
aos tremores que a música denota,
deixa, na gravitação da eternidade.
e os cântaros recolhem
mesmo cerrados dirão
além do que fingem não olhar
sedas, retinas, pétalas e cílios
...ondas e arco-íris.
V
perambulando entre as vozes sem nome
ásperos como o desespero
cheirando a sal e uma branca flor-de-lis
com a preocupação de irem-se
num vôo feliz
aguardam as brisas breves do outono
– eterno é o movimento – algo do parvo ninho.
do céu, invejados pelas nuvens,
lançam ao mar as doces lanças de giz.
VI
uma rosa sobre os muros
esmorecidos
uma coisa visível está arruinando o mundo,
ou a entropia o está concertando,
como uma sinfonia desleal que declara,
erramos,
errantes filhos de uma Terra insatisfeita,
empobrecida pela prole,
cujos mármores despem a sombra
e não resiste
aos tremores que a música denota,
deixa, na gravitação da eternidade.
e os cântaros recolhem
as primeiras lágrimas do sol.
(Foto e poemas by Tere Tavares)
Poemas publicados na antologia Saciedade dos Poetas Vivos Digital - Vol 11
Blocos On Line
http://www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/obrasdigitais/saciedigpv/11/tere01.php
sábado, 2 de fevereiro de 2013
inocência de um pássaro
inocência de um pássaro
os meus olhos remotos
regressam
às cercanias solares
é do sol
é o sol
que lapida
a ida
a arrogância da rota
é assim que as garras
salivam nas escarpas
os meus olhos remotos
regressam
às cercanias solares
é do sol
é o sol
que lapida
a ida
a arrogância da rota
é assim que as garras
salivam nas escarpas
/eu ainda desconhecia a ausência do ar/
é o lamento nunca definitivo
do solo
solitário
que abana o eco do bico
o mistério da floresta em que me abstenho
porque tenho asas e lodo.
Foto By Tere Tavares
domingo, 27 de janeiro de 2013
Indivíduo
Indivíduo
Explora a estação de trens numa
ponta ambulante feita de memórias durante os anos menos escuros e mais
comoventes – uma vida alheia sem ser aleatória – resgata as comunicações do
silêncio e do naufrágio a água do ímpeto.
Tomado por uma introspecção
retrospectiva, procura explicações para a arquitetura dos capitais – não dos
pecados, nem das faltas, nem das expiações. Coleta pesquisas de outros
materiais que por ventura o ajudem a perguntar menos das suas andanças. Subitamente
expulso do próprio âmago vê-se a navegar num pós-guerra.
Histórias comoventes, verdadeiras
e inventadas, convertem-no numa cifra sem fixação, batalha napoleônica que lhe
dá ordem às catástrofes já convertidas em vida - a odisséia de alguém que
renegou a negação. De um fôlego. Sôfrego.
Foto- Tere Tavares
sexta-feira, 12 de outubro de 2012
Beleza: guia de procissão
Beleza: guia de procissão
Estás só e isso te enjoa
Porque tua recompensa é uma entranha
Que engana a gema da tua vaidade
Queres a prole e tens a gana
Sabes do pó? Da partícula? Do neutrino?
Tantas mentiras sem necessidade
Dintéis por levantar
"A felicidade é uma recompensa para quem não a procura"
Segredou-me Tchekhov
A tua lavra te verga
Rejeitas o que te perfuma
Sabes das pétalas? Do quanto elas são honestas?
Fala da flor, do lodo que sustenta a Lótus.
Please! Fala do não dito e cala.
Here too: http://esteeodardo.blogspot.com.br/2012/10/beleza-guia-de-procissao-estas-so-e.html
domingo, 30 de setembro de 2012
do arco ao círculo
Do arco a círculo
a nudez das palavras
a dança do silêncio
o desfolhar dos olhos
o cio mudo dos cílios
o sol a soltar-se entre os lábios
na transparência das libélulas
a mira eufórica das bétulas.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
Suminha
Dos degraus junto à calçada prorrompiam papéis e folhas varridos pelas lufadas de ar, prenunciado a torrente que se aproximava. Sob a leveza das malhas de algodão aguardava os pingos da chuva que lentamente lhe umedeciam a pele, o fôlego palpitante, apoiado por uma hachura decidida.
Caminhou ondulando as pernas,
apreciando o tremular das gotas como um afago de nanquim que lhe retirava as
ardências do dia.
Largou os sapatos encharcados junto
ao chão luzidio da casa – a janela debatendo-se contra o vento numa cantoria
estridente. As paredes lhe ampararam o cansaço. Via-se no debrum da água que a
banhara como se só naquele instante realmente valesse a pena desvelar-se.
Os livros que carregava no colo
amaciaram a mesa e as transparências da sala. Largou-os como quem liberta
retratos de outrora, recolocando-os novamente no olhar. Quase perscrutava com
exatidão pueril o chilreio das folhas semi-abertas, devorando as capas, os
desenhos das capas, tateando: até onde tudo era somente o mosto de histórias, sons
desertos, cores aninhadas em outras cores, águas dentro de outras águas?
Buscava rapidamente o ar mais
puro e perfeito, como quem se dispõem a arrefecer o frio, a alma disposta sem
repressões nos vãos da natureza. O barulho da enxurrada preenchia as fendas
rudes da casa, o telhado ensurdecia-se dos pingos desfeitos na cerâmica. Viu-se
no desassossego das ações mais simplórias. A louça do dia anterior ainda
rescendia à canela e erva-doce. Quantas vezes tomara o chá desanuviada de afazeres
para melhor prender-lhe o sabor? Não tinha dúvidas de que se filiaria algum dia,
com tempo, ao movimento slow. Pensava
enquanto o vapor do chá se misturava à poeira da chuva.
Lá fora para onde resolvera retornar,
as flores permaneciam no seu crescimento inevitável. A legitimidade de estar
conspirando para além da linguagem lhe parecia a incompreensão de assumir detalhes,
a desistência decidindo por uma oposta intimidade apaixonando-se por silhuetas
abstratas como se soubesse que, ao flanar sobre as coisas importantes, passassem,
essas mesmas coisas a não ter mais lugar algum no mesmo e luminoso mundo que as
pensara. No incomum, talvez mais
oportuno e incômodo, longe de superlativos ou relativismos, a lucidez de argüir
sobre o que é grandioso ou necessário nasceria invariavelmente da suspeita de
não chegar a nada sem a via crucial dos sentimentos.
As pétalas palmilhavam-se de um
amarelo descrente, olhava-as, em tintas musicais – colheu várias, sentiu-lhes a
seda, como se pedisse desculpas por não considerar-se uma delas.
Pinças de brisa se estendiam na
claridade morna, retorcendo-lhe a curiosidade.
Com alívio, retornou para dentro da casa. Amaciando-se na umidade da
aragem, desfazendo-se sobre lençóis e travesseiros rebordados de um cetim confuso
porque de letras brancas que sobre o
negro cansava-lhe o fundo mar dos olhos.
Pensava como se sonhasse... e escolhia
retornar à beira do areal, ao menos até o verão retornar, a pele sugada por um farfalhar de asas, em movimento de abraços...bastava-se
num colar de ametista, afoita, sulcada pelo que se fora, quiçá em ramas de mangues, de uma garça que
vigiava – o vento ruminante torcia as gaivotas,
tomava notas ao secar-lhe os olhos suspeitando que a sensibilidade das retinas
desse em algo possível de prodigalizar.
Adiava as ondas enquanto ganhava novos óculos escuros, as têmporas
renovadas pelos filtros duros de lume, da brandura árida que não mais lhe
provocava lágrimas. Como se assim pudesse evitá-las.
No lado mais despido da praia o
bailado das dunas era um dueto a agigantar-lhe os cílios no rumor sonoro e
miúdo do algaço. A vida era real como o vento que soprava a memória dos sais
retidos de Suminha. De outro ponto os cardumes contrariavam a correnteza e as
redes como se fossem seus olhos multiplicados em cepas e borbulhas, em busca de
fertilização.
As mãos restavam finas produzindo
fogueiras sobre o mar – repletas de matizes azuis e verdes, a rebuscar a
serenidade líquida transportando-a, imensurável, para uma tela qualquer, sem
importar-se se alguém diria que era um auto-retrato, um resto obscuro retirado
da coloração irresistível dos corais.
Os dedos ágeis como o choro
contido nas achas por arder, perfuravam o silêncio, prosseguiam nos mimos hirtos
do horizonte, bebia do sargaço, do sumo esgarçado nas bordas dos barcos que
mascavam a madeira carcomida pelas cordas da âncora. “Sobe um pouco mais
Suminha, preenche o ato duplo dos gestos com o teu verde pueril – há ornamentos
suficientes para estilhaçares condições que por um descuido fútil do destino
não mais te pertencem. O tato Suminha”.
Retomou os despojos. Alguma coisa
sobrara dos rabiscos que ousaram ferir a brancura daquele dia, das polifonias
daquele vento, daquele sal, se a preenchessem de mais cor, de mais força – o
que havia perdido permanecia em origamis devorados por fungos de esperança – quantos
pronunciavam que a experiência não se media entre os dedos, entre o passado e o
futuro, tampouco em entretantos.
Suminha do desacato chamuscava os
feitiços luminosos, não suportava a idéia de submeter-se por mais tempo ao
torpor. “Que cores acordam-te mais a música por dentro Suminha? Assim, na
umidade? Que rio te quer decantar esse azul-vermelho-débil-verde”. Dá voos aos
beijos azuis, lava a lama das asas, o corpo fenece, lúbrico, como se moldado
pelas águas que lhe caíram do céu, na face, na secura febril dos olhos, o azul
fiel lhe dá guarida.
A xícara de chá é óleo, medium,
piano, tecido. Agora sentia o sabor, controlava as gotas, recriando-se, diluída
do silêncio, na leveza de esvaziar-se no que lhe agradava. O peso leve da louça
era igual ao da vida, da sua vontade que enfeitara feito Penélope cega, partituras
dispostas num circuito infalível... a limpidez dos nadas que carregava como
adornos. Dos engenhos orquestrados, das teclas, das paletas. Demais o que desconhecia,
era desnecessário dispor ...os azuis salpicavam-lhe os cabelos, como pincéis de
outono musicando-lhe o que, independente de solicitações, concebera para o
mundo – Suminha é a multiplicação assídua dos sons suspensos na memória, na
umidade lídima de cada segundo que ensaia abrir-se no horizonte.
Imagem: Renoir - Mar
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