Me ninas dos olhos
“A nitidez é uma conveniente distribuição de luz e sombra.” Goethe
Resolveu conversar com as pupilas. Não havia como isentar-se dos reflexos – apropriar-se é perder.
Voltou para a rua. Sentiu, secretamente, uma indizível sensação de alívio ao perceber a possibilidade de atravessar grande parte do percurso sem permitir atormentar-se com sentimentos comuns. Multidões de visões perdidas. Afinal, quem assumiria sem o risco do erro, a licença para aferir com exatidão, ou total isenção, o condenável?
Investigou com toda a suavidade possível, detendo-se nos semblantes, tentando não infringi-los, como se adentrasse em sulcos intermináveis – usava materiais conhecidos e desconhecidos para percorrê-los, acreditando ter desenvolvido, ainda que rudimentarmente, um método eficaz de observação. Não se curvaria diante de nada imóvel, opaco. Altares da alma – assim chamava os olhares – como afugentar aquelas perseguições vivazes?
De algumas pupilas retirou distâncias, sorrisos plásticos, todas as fundições do arco-íris. De outras, frases inteiras que mais pareciam um enorme luau de estampas confusas e céu.
Era possível ver um imponderável manto de cores e interpretar o que nem imaginava compreender. De modo que lia os olhares difusamente e, retratados na sua incredulidade interior, também seus corações.
Não havia outra aparência que não fosse a que definitivamente se destacava da estranha profundidade de todas elas, pela simples razão de não haver razão para serem diferentes do que realmente eram.
Havia um par, pulsantemente castanho e singular, que conseguiu prendê-lo, talvez, por toda vida: o que vagava dizendo-lhe o que via sem nada revelar, e que o fez absorver-lhe a voz com selvagem interesse: “Sou a dos sentidos de cristal, a afortunada sofredora que tem à sua frente o rol das futilidades repletas, a que nada promete, exceto que haverá encanto enquanto durar o mistério”.
(Desenho da autora)