quinta-feira, 20 de março de 2014

À moda de Iara


À moda de Iara


"É difícil se abrir, mas quem disse que é fácil encontrar alguém que escute?" (Cecília Meireles)

Despretensiosamente, dava campo ao ímpar redesenho do efêmero – a linha da transitoriedade – algo em que é possível crer, um sim contínuo para demorar-se no reanimar dos espelhos, reconhecer-se e novamente navegar a existência – quando desapropriada de si fosse toda gente, e todo “eu”.

Haveria como não pensar? Luzir sem verter? Embriagar-se de índoles e indulgências onde construções e intuições fossem capazes de mostrar sem exibir, onde não se relegasse o ritmo ao vazio, com tantas estranhezas quanto há estrelas no céu?

Solitariamente perambula em águas incômodas, tiaras de aguapés. Não quer ser apenas técnica ou sentimentos com o propósito de se tornarem egoisticamente inesquecíveis,  grafismos inelutáveis dados ao tropel dos ventos, qual oblações irrefletidas cujos desígnios nada comandam.

Agora é quase uma auréola a confessar-se surpresa com o descanso de ocasos fugidios, a dúvida e a ineficácia da culpa – quiçá uma fórmula de driblar o confronto e a verdade.

Que fosse algures enfático... se deslindaria em consentimentos – quem não parte ou nunca diz adeus, que assassino não se diz repetidamente inocente?

A veste desnuda imita o amor quando não escolhe formas ou defensores. Há que vivê-lo somente, imperfeito, com a lucidez habilidosa da escuridão, como se nada restasse – nem os personagens.

Silhueta altiva, Iara, como a urgência das macieiras, rotunda, serva de igarapés e ninféias, quase igapó, como se acreditasse ou soubesse de antemão todos os segredos e ainda assim afirmar multiplicar-se – entre experimentar e adquirir – um rio obsequente.

Mestres sabem calar... segregou o leito dos veios às manobras das falésias.
A menos metade é agora uma necessidade irreprimivelmente líquida, socorrendo os sentidos com uma sinceridade oblíqua. “Quando eu vier não ouvirei além do que me interessa.”

O sol se estendia na finura da chuva que assomava correntes maiores, como um vício de verbos extasiados no olho dos fios de água. ”Não os posso ver abandonados. É como se ao retomá-los me retomasse num fulcro inolvidável.” Quanto às pedras, se pensavam ou ouviam vozes – não eram diamantes e não soavam falsas em nada.

Reconhecera a fluência do que lhe correspondia. Sem sumir, ou obscurecer. Sem objetivar ou premeditar. Na claridade obstinada que doava, obtinha das faces dos olhos o curso das águas que, fatalmente, se aglomeram no mar.

do livro "Entre as Águas" By Tere Tavares
Imagem by Tere Tavares

segunda-feira, 10 de março de 2014

In-Crível

 Guerra e Paz - Cândido Portinari - entre 1952 e 1956.
In-Crível

Após essa festa virá outra festa,
em campos verdes!
Verdes e caros e lindos.
E depois da festa dos campos,
virá a fresta do escrutínio.
O engano.
E nos sobrará a única coisa
que Pandora
não deixou escapar da sua caixa.

Poema By Tere Tavares publicado na Revista Ponto de Vista.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Auto




Auto
...a alma de neve e os livros ausentes de surpresa ou de orvalho, um poema, a luz do sol, Ah, se desejasse ultrapassá-la de forma que não mais fosse preciso representar o incontestável receio das elipses numa harmonia que só a natureza entregue a si mesma é capaz de executar, o último segundo em que coubesse, a hora de pôr-se a caminho e lutar por cada sopro de ar rodeado do que não se reteria sem angústia a labareda dos álamos avermelhados e o azul que se partia lívido, a nesga de outono e a folha rubi, amaria olhar, tinha certeza, diria que morreria do seu sim diria o que de si é se dissolvendo num contorno fugaz ao menos diria mais enquanto o rebulir das cigarras iniciasse a varrer o dia e a terra se encarregasse da próxima lágrima, o nada que seria ao mundo que de nada o revestiria quando fosse sedutor o bastante para prover o pensamento tão incomunicável quanto é verdade o que pensa, o começo, como apagar a vertigem do nunca do cão astuto, o segundo no escuro de haver a roupa simples de uma pessoa chata chegando à porta do primeiro andar, a bela do mosaico e um dia alto de trabalho num vestido chanell e um papel amassado para preencher saltos baixos em que o ócio não coube não o impediriam de atravessar, seria aquela noite mesmo que tivesse só os ladrilhos arrumou o nó do mosaico a gravata só tinha lugar para uma pedrinha de bem e outra de mal haveria chaves na porta o ócio não seria o sopro de vestido chanell nem o dia de trabalho o beijo de tafetá que amarrotou nos papéis a risca de giz ou o trabalho a roupa difícil de usar um formulário azul-marinho de sentimento indissociável e talvez nem lhe sobrasse o virtuoso ladrilho que absorveu o mosaico e entrou na angústia brilhante e sem saída a extravagância não é feita para ser usada por alguém elegante ou sério ...a elegância talvez fosse o ladrilho ou a moça uma angústia de seda e champagne a nova pedra o cenário de rubi a risca do não rodeava outro vestido petit poá ...nem o acerto incomum queria um celular que talvez nem viesse a usar exceto para remediar uma desculpa qualquer como um dia exaustivo de trabalho e um limite para pensar em como digerir o ladrilho rubi e a rua da presença que desaparecia num brilhante e ressuscitava num vestido de pedra ou numa mente de papéis o sopro dogmático não seguiu, não importava a camisa de festa ...a festa não era a roupa nem o equilíbrio o encontro que tem por destino nenhum destino nem o papel a amargura redonda e profana que sorrindo sustentou a coragem de adormecer e beijar o incomum num dia monolítico vestido de trabalho e probabilidades, a velha pedra de metal exeqüível na divina elegância daquela noite de vinte minutos a festa aconteceria quando ousasse e atravessasse com piedade e sem dó todas as pedras preciosas ao som de piano, que não chorasse a Sonata ao luar...noutra rua.

Texto do livro "Entre as Águas" BY Tere Tavares
Foto by Tere Tavares